terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Discípulos e Missionários de Jesus Cristo

Dom Benedito Beni dos Santos
Bispo Auxiliar de São Paulo

Introdução
Pretendo apresentar uma breve reflexão sobre o Documento de Participação à Quinta Assembléia do Episcopado da América Latina e do Caribe. Existe uma continuidade entre as cinco Assembléias. Todas elas tiveram, como objetivo, a evangelização. A próxima vai reforçar ainda mais esse objetivo, pois trata-se, em última análise, de promover uma grande missão em toda a América Latina e Caribe. As cinco Assembléias expressam, de certo modo, a tradição pastoral das Igrejas do nosso continente. Fonte próxima dessa tradição é o Concílio Ecumênico Vaticano. Na doutrina do Concílio, não só encontramos uma nova eclesiologia, mas, na realidade, um projeto eclesiológico.
Esse projeto eclesiológico foi assumido, pela primeira vez, e contextualizado, na América Latina, pela Assembléia de Medellín. Medellín procurou sublinhar a presença dos pobres na Igreja. Trata-se de uma presença que leva a Igreja a redefinir sua presença no mundo. Suas prioridades pastorais e, às vezes, até mesmo, o seu modo de organizar-se. Os pobres merecem uma atenção especial da Igreja, comunidade do seguimento de Jesus. A partir de Medellín, começou-se a falar da evangélica opção pelos pobres como uma das fontes inspiradora da missão evangelizadora da Igreja e de sua pastoral. A Igreja quer ser de todos, dizia João XXIII, mas, de modo especial, dos pobres.
O Vaticano II apresentou, como marca sua, a eclesiologia de comunhão. Nessa esteira, Medellín procurou acentuar a dimensão comunitária na organização da Igreja. A Igreja, organizada em forma de paróquia ou de pequenas comunidades, deve oferecer um espaço para o desenvolvimento de relações intersubjetivas: proximidade, conhecimento, amizade, fraternidade, luta em comum. Mais tarde, com essa mesma inspiração do Vaticano II, João Paulo II, vai dizer que a Igreja deve ser a escola da comunhão. Trata-se de uma escola que educa para a comunhão pela própria vivência, pelo modo de se organizar. Comunhão que é fruto não simplesmente de um esforço voluntarista, mas da ação da graça. Portanto, comunhão que implica vida de fé, vida sacramental e orante. Sobretudo, vida eucarística.
Medellín, seguindo ainda o projeto eclesiológico do Vaticano II, procurou sublinhar a face laical da Igreja no sentido teológico. A vocação e a missão do leigo se fundamentam no batismo e na confirmação e, de modo complementar, no sacramento do matrimônio. Os leigos não são apenas destinatários da missão da Igreja. São também sujeito eclesial. São também responsáveis pela vida eclesial. Mesmo onde não é possível a presença direta do bispo e do presbítero, deve haver uma vida eclesial, sobretudo orante e evangelizadora, coordenada pelos ministérios não ordenados.
Igreja evangelizadora é, ao mesmo tempo, militante e profética. Ela procura estar atenta à realidade, à organização da sociedade, para anunciar a Boa-Nova; denunciar o pecado e suas conseqüências no plano individual e social, em vista da conversão e da salvação.
Foi, por esse rumo, que Medellín procurou colocar em prática, na América Latina, o projeto eclesiológico do Vaticano II. Esse esforço de Medellín foi continuado e aprofundado pelas assembléias de Puebla e S. Domingo. E, agora, está sendo conscientemente assumido, alargado e aprofundado, pela quinta Assembléia, a ser realizada em Aparecida do Norte, em 2007. Trata-se de uma tradição pastoral que, cada vez mais, vai se consolidando e aprofundando.
Com ouvido colado no coração de Deus
Os textos do Magistério da Igreja, de natureza pastoral, têm procurado sempre apresentar uma visão da realidade. As práticas pastorais precisam ser respostas adequadas à realidade em que a Igreja está inserida. O Documento de Participação à Quinta Assembléia apresenta a visão da realidade latino-americana no capítulo quarto e não no início. Trata-se apenas de uma preferência metodológica. Creio, porém, que a visão da realidade, apresentada como ponto de partida, ajuda a compreender melhor não só as práticas pastorais propostas pelo texto, mas também o seu conteúdo antropológico, histórico, bíblico e teológico.
A perspectiva para a visão da realidade, adotada pelo DP, é bonita e significativa: “Devemos olhar a realidade com o ouvido colado no coração de Deus e a mão no pulso do tempo”(96). Só essa perspectiva nos permite, de fato, olhar a realidade não só pela superfície, como mero dado empírico, mas, para além do empírico, procurando descobrir o seu sentido. Em nosso caso, o seu sentido teológico, isto é, os sinais do tempo.
O Documento faz um elenco de fatos, que já foram levados em consideração pelas últimas Assembléias, mas que persistem até aos nossos dias. Por exemplo, a pobreza, a educação funcionalista, o narcotráfico e o uso de drogas; no campo político, o não cumprimento das promessas de campanha, a corrupção e o enfraquecimento do poder do Estado. Alguns desses males até se agravaram. No campo religioso, alguns males se tornaram mais agudos: secularismo, laicismo militante, que hoje se manifesta publicamente com um grau forte de agressividade com relação à Igreja. Laicismo autoritário que nega à Igreja o direito de manifestar publicamente suas convicções em questões morais e políticas. Esse laicismo se esquece de que a Igreja é uma instituição da sociedade civil e, por isso mesmo, tem o direito de manifestar suas convicções e lutar democraticamente para que elas sejam adotadas no plano jurídico.
Outros componentes da realidade são novos, pelo menos com relação à intensidade com que se manifestam. Recordemos, a título de exemplo, a investigação genética que, cada dia, surpreende a todos com novas descobertas. Essas investigações são promissoras no campo da saúde, mas, freqüentemente, envolvidas por problemas éticos graves. A consideração ética dessas pesquisas é necessária para evitar conseqüências desastrosas para dignidade do ser humano. O Documento cita ainda problemas referentes à ecologia natural e humana. No campo da ecologia natural, houve um progresso significativo no sentido não só de preservar a natureza e dela cuidar, mas, em alguns casos, de até mesmo salvá-la. No campo da ecologia humana, o progresso não foi tão significativo, pois acentuou-se o enfraquecimento da identidade do matrimônio e da família. Difunde-se cada vez mais os postulados de uma ética individualista, acompanhada do relativismo moral.
No plano especificamente religioso, o Documento de Participação se refere, diversas vezes, ao substrato católico de nossa cultura, resultado da presença evangelizadora da Igreja no continente, desde de seu início. Expressões desse substrato católico são, por exemplo, o sentido radical da existência presente na vida do povo; a religiosidade e piedade popular em suas modalidades características; o profundo sentido da importância e do valor da família.
Alguns problemas presentes no campo religioso são, de certo modo, novos e, por isso, não foram contemplados pelas Assembléias anteriores. O DP cita o enfraquecimento da observância religiosa do domingo; a diminuição, sobretudo no meio urbano, na recepção dos sacramentos do batismo e do matrimônio; a diminuição acelerada do número de católicos e o crescimento numérico das igrejas evangélicas e seitas. Como causa desse último fenômeno, podemos citar o pluralismo religioso, que leva as pessoas a reduzir todas as igrejas e religiões a um denominador comum, como se todas fossem iguais. Por isso mesmo, o pluralismo religioso vem sempre acompanhado de uma intensa mobilidade religiosa. Mas existem causas que se encontram no interior da Igreja. O êxodo dos católicos indica que a Igreja não está evangelizando e re-evangelizando suficientemente aqueles que batiza. Indica que ela não está sendo suficientemente missionária.
A leitura da realidade presente feita pelo DP visa, pois, descobrir, na própria realidade, os desafios pastorais para que possamos encontrar, à luz da Palavra de Deus e da experiência pastoral da Igreja, respostas adequadas. Visa encontrar, na própria realidade, os sinais dos tempos, as interpelações de Deus, o Senhor da história.
2. O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus
A primeira consideração do DP é apresentar o fundamento antropológico da missão: os desejos de vida e felicidade que existem no mais profundo do nosso ser. Mas, ao mesmo tempo, o ser humano faz a experiência de que a vida e a felicidade em plenitude superam as possibilidades simplesmente humanas. Esse desejo de vida e felicidade plena expressa a sede de Deus que existe no coração humano. De fato, o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Existe, nele, algo de divino. Existe uma busca de comunhão com o Divino. O salmo 12 registra essa busca: “É a vossa face, Senhor, que eu procuro”.
Por causa do pecado, essa busca de felicidade plena trilha, às vezes, caminhos errados (cf.n.4). Isso já aconteceu quando o ser humano pecou pela primeira vez. Mas, a resposta de Deus, registrada pela Revelação, consistiu em colocar novamente o ser humano no caminho certo da felicidade plena. Logo após o pecado, observa o DP, Deus não abandona o ser humano. Como Pai e Pastor o procura e lhe promete o dom da salvação. Mais ainda: faz alianças com representantes da humanidade (Abel, Noé). Dessas alianças surgem verdadeiras experiências religiosas voltadas para a adoração de Deus e a busca da salvação.
Na aliança do Sinai, Deus escolhe Israel para ser um povo missionário. Revela-se a ele, para que Israel proclame o seu nome a todos os povos da terra. Dá-lhe os dez mandamentos, que indicam o caminho certo para encontrar a felicidade. Na encarnação de seu Filho, Deus de tal modo se aproxima do ser humano que Ele mesmo se torna um ser humano. Na expressão da Gaudium et Spes, o Filho de Deus se une a cada ser humano.Não só revela Deus ao homem, mas revela o homem ao próprio homem. Revela a ele a sua dignidade sagrada e a sua vocação divina, o chamado para a vida plena. Jesus, no sermão das bem-aventuranças, programa de vida seu e de seus discípulos, proclama o novo código da felicidade. Com as bem-aventuranças, Jesus convida seus discípulos não à resignação e à passividade. Convida-os a se colocarem de pé e a percorrer no mundo um novo caminho.
A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus. E a finalidade do discipulado é a missão. A primeira coisa que Jesus faz, quando inicia o seu ministério na Galiléia, é reunir discípulos. O evangelho nos mostra Jesus sempre rodeado de discípulos. Ele não cumpre a sua missão sozinho. Jesus tem discípulos não para servi-lo, mas para prepará-los, teórica e praticamente, para a missão. Os evangelhos terminam, com Jesus enviando seus discípulos em missão. A Igreja, comunidade de seus discípulos, é a continuadora de sua missão na terra. O DP recorda, a propósito, a lei do discipulado: carregar a cruz. Expressão que, na Igreja primitiva, designa o martírio. Não só o martírio de derramar o próprio sangue como testemunho de Cristo e de seu evangelho, mas, também, o testemunho de gastar a própria vida no empenho de anunciar Cristo e o evangelho. O martírio, pois, em ambos os casos, é componente da missão. É um ato evangelizador.
Ao mostrar o fundamento antropológico da missão -o desejo de vida e felicidade plena como expressão da sede de Deus- o DP quer mostrar que a missão não é uma superestrutura, algo acrescentado à vida de um povo, à sua cultura. A missão é resposta a uma busca. Existe no coração humano, como lembrou João Paulo II, a busca misteriosa de Alguém que seja, de fato, o Caminho, a Verdade e a Vida. O pedido dos gregos, registrado no quarto evangelho, expressa esse anseio misterioso: “Queremos ver Jesus”.
3. A missão: uma corrente de amizade com Deus, de vida e promoção humana
A história da Igreja na América Latina é a história da missão, isto é, desenrolar da história da salvação, expressão do desígnio salvífico de Deus. Diz o DP: “Por um sábio e bondoso desígnio da Providência divina, chegou até as terras do Continente essa corrente de amizade com Deus, de vida nova e promoção humana, que Jesus Cristo iniciou em sua Encarnação e sua Páscoa, e que o Espírito Santo, com força pentecostal, impulsiona ao longo dos séculos” (n.21).
A missão não se inicia jamais a partir da estaca zero. O primeiro missionário é o Espírito Santo. Ele chega antes de qualquer missionário humano para preparar o terreno, nele espargindo as sementes do Verbo, a que se referem os Padres Apologetas. Semente do Verbo são aqueles valores evangélicos que o Espírito divino espalha na cultura e na vida dos povos: desejo de justiça, de paz, de fraternidade, sede de Deus, anseio misterioso de encontrar Alguém que seja, de fato, Caminho, Verdade e Vida. É neste terreno preparado pelo orvalho divino, derramado pelo Espírito, que o missionário lança a semente da Palavra de Deus. Sem essa ação preparatória do Espírito, a semente da Palavra cairia sobre o asfalto duro. Sem essa ação, a evangelização seria algo acidental na vida das pessoas. Quando o Evangelho chegou, pela primeira vez, ao nosso Continente, o Espírito Santo já havia preparado o terreno, espargindo, na vida dos povos do Continente, as sementes do Verbo. A isso faz referência o seguinte texto do DP: “Neles, as sementes do Verbo, que estavam presentes em um profundo senso religioso, esperavam o orvalho fecundo do Espírito. Eram muitos os valores que caracterizavam e que os predispunham a uma recepção mais pronta do Evangelho” (n.22).
A divina Providência, porém, usou de um outro meio, logo no início, “para abrir as portas do coração dos povos autóctones para Jesus Cristo, Boa Nova do Pai para a sua vida: a aparição da Virgem de Guadalupe” (n.23). No rosto de Maria, como afirmou João Paulo II no discurso de abertura da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, encarnavam-se os autênticos valores culturais indígenas.
A missão, enquanto ação humana, está envolvida não só por luzes, mas também por sombras. As vicissitudes históricas também atingem a ação missionária. O DP se refere a um verdadeiro holocausto dos indígenas realizado pela ocupação dos assim chamados colonizadores. Mas, por outro lado, houve também intrépidos lutadores pela justiça, evangelizadores da paz (cf.n.25).
A missão, conforme nos mostra o livro dos Atos, encontra sempre obstáculos. Vence-os, porém, na força do Espírito. Também, na América Latina, a ação missionária sempre encontrou obstáculos, até mesmo crises eclesiais. A fundação do CELAM, em 1955, e as diversas assembléias do episcopado por ele promovidas tem sido instrumentos para promover a missão e ajudá-la a vencer os obstáculos.
A missão evangelizadora da Igreja foi enriquecida ultimamente com diversos dons da bondade e sabedoria do Pai. O DP cita, de modo especial, a realização do Concílio Ecumênico Vaticano II que fez surgir, am toda América latina, paróquias missionárias, ministros da Palavra, renovação litúrgica, valorização da piedade popular, diáconos permanentes, pastoral presbiteral, diálogo ecumênico e inter-religioso, dinamização da pastoral da juventude e da pastoral vocacional. Dons da bondade e sabedoria do Pai, foram ainda, segundo o DP, a opção preferencial pelos pobres, a teologia da libertação e a nova evangelização, lançada pelo Papa João Paulo II. Seu pontificado foi também um grande dom da bondade e sabedoria do Pai (cf.n.33).
Em resumo, com sua ação missionária, a Igreja procurou, desde do início, dar uma resposta àqueles que buscavam, às apalpadelas, satisfazer à sede de busca de sentido, felicidade e transcendência (cf. n.32).
4. Discípulos e missionários
O cristianismo não é, antes de tudo, uma doutrina. Ele teve origem num acontecimento: a encarnação do Filho de Deus: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho ao mundo, o qual nasceu de uma mulher”. Na encarnação de seu Filho, Deus de tal modo se aproximou do ser humano que Ele mesmo se tornou um ser humano. O cristianismo se iniciou nesse encontro. Esse encontro, como recorda o DP, é a razão da nossa fé. A Igreja vive desse encontro. Ele revela quem nós somos, de onde viemos e para onde vamos. A missão da Igreja é levar todos ao encontro com Jesus. Esse encontro, como mostra o episódio da Samaritana, de Zaqueu, leva a uma revisão de vida e à conversão. Esse encontro é a fonte do discipulado e da missão.
O evangelho mostra que ser discípulo de Jesus é fruto de uma vocação. É ele quem chama. A resposta só é possível através da ação da graça: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai não o atrair”. A resposta é algo muito profundo: consiste em encontrar-se com Jesus e acolhê-lo em nossa vida. Isso muda o rumo da vida da pessoa. A acolhida de Jesus em nossa vida, implica também em viver de acordo com os seus ensinamentos. Jesus é também mestre.
Jesus reúne discípulos não para servi-lo, mas para prepará-los para a missão. A finalidade do discipulado é a missão. Por isso, a Igreja é uma comunidade de comunhão com Cristo em vista da missão. A dimensão comunitária e a dimensão missionária são as características principais da Igreja. A partir daí, podemos compreender a importância da Eucaristia. “Para que essa comunhão com ele fosse cada vez mais plena, Jesus Cristo se entregou a seus discípulos como o Pão da vida eterna e os convidou na Eucaristia a participar de sua páscoa” (n.52). É na Eucaristia que a Igreja expressa a sua identidade e nela cresce. Como mostra o episódio de Emaús, a missão tem a sua fonte principal no encontro com o Cristo vivo presente na Eucaristia. A Eucaristia alimenta a missão: “Eu estarei convosco todos os dias até o final dos tempos”. Jesus pronunciou essas palavras, ao enviar os apóstolos em missão. A Eucaristia é também o objetivo da missão: levar a todos ao encontro com o Cristo vivo para que se tornem seus discípulos e missionários.
5. Para que nele nossos povos tenham vida
Esse é o título do último capítulo do DP. Trata da atividade pastoral. É por meio da pastoral que a o anúncio da Boa Nova se torna boa realidade para os que procuram um sentido para vida; para os que tem fome de Deus; para os pobres e todos os que sofrem. O DP ensina que Igreja, Eucaristia e amor ao próximo são inseparáveis. O amor ao próximo prolonga a diaconia de Cristo.
À semelhança do livro dos Atos que ficou de certo modo inacabado para mostrar que a missão deve continuar, também o DP está um pouco inacabado. O último capítulo não está pronto. Ele deve ser escrito com a contribuição de todas as comunidades da América Latina e do Caribe. Trata-se, agora, de elaborar as práticas pastorais e missionárias para todo o Continente. O DP enumera apenas alguns núcleos para despertar a criatividade:
Formação de discípulos e missionários
Existe ainda muito descuido, sobretudo, na formação dos leigos para a missão. Esta é uma das causas da diminuição do número de católicos, do abandono da prática dos sacramentos: batismo, crisma e matrimônio. Nossas paróquias precisam ser não só comunidades de acolhida, mas também comunidades missionárias, comunidades que vão ao encontro. A vida das paróquias precisa girar não só em torno do eixo sacramental, mas, igualmente, do eixo da Palavra. Formação mais intensa de discípulos e missionários. Está aí um grande desafio.
Defesa e promoção da vida
Nunca a vida dos inocentes esteve tão ameaçada como em nossos dias. Muitos se esquecem de uma verdade simples e evidente: como a vida é um dom fundamental e sagrado, cada ser humano deve ser um servidor da vida, da vida sua e da vida de qualquer ser humano. Servidor da vida que apenas está se iniciando e também da vida em desenvolvimento. Servidor da vida que nasce plena e forte, mas também servidor da vida que nasce frágil e com defeito. Servidor da vida em seu início, mas também servidor da vida que está se aproximando de seu fim natural. Servidor e defensor da vida devem ser os agentes do Estado de direito, pois a essência da missão do Estado é a defesa e a promoção da vida.
A defesa da vida é um valor suprapartidário, no sentido que deve inspirar qualquer política que esteja a serviço da pessoa humana e da sociedade. É também um valor supra -religioso. A inviolabilidade da vida humana, desde seu início até o seu fim natural, é uma questão de direito natural. Os cristãos encontram em sua fé um motivo a mais para defender esse direito. Não se trata, pois, de impor à sociedade ou ao Estado laico uma convicção religiosa, mas levá-lo a respeitar um direito do ser humano. A Igreja, enquanto instituição da sociedade civil, não só pode, mas tem o dever de assim agir.Grande missão continental
Aqui se encontra, a meu ver, a grande intuição do DP. Através da Quinta Conferência, envolver toda a Igreja numa grande missão continental. Neste sentido, a Conferência de Aparecida, não só estará continuando a tradição das Assembléias precedentes, mas realizando um salto qualitativo, que mudará a face pastoral da Igreja e aprofundará a sua presença na sociedade. Para isso, é necessário um empenho de todos a começar desde agora, desde essa fase de preparação que está se iniciando.

Discípulos e Missionários de Jesus Cristo

Discípulos e Missionários de Jesus Cristo

Dom Benedito Beni dos Santos
Bispo Auxiliar de São Paulo

Introdução
Pretendo apresentar uma breve reflexão sobre o Documento de Participação à Quinta Assembléia do Episcopado da América Latina e do Caribe. Existe uma continuidade entre as cinco Assembléias. Todas elas tiveram, como objetivo, a evangelização. A próxima vai reforçar ainda mais esse objetivo, pois trata-se, em última análise, de promover uma grande missão em toda a América Latina e Caribe. As cinco Assembléias expressam, de certo modo, a tradição pastoral das Igrejas do nosso continente. Fonte próxima dessa tradição é o Concílio Ecumênico Vaticano. Na doutrina do Concílio, não só encontramos uma nova eclesiologia, mas, na realidade, um projeto eclesiológico.
Esse projeto eclesiológico foi assumido, pela primeira vez, e contextualizado, na América Latina, pela Assembléia de Medellín. Medellín procurou sublinhar a presença dos pobres na Igreja. Trata-se de uma presença que leva a Igreja a redefinir sua presença no mundo. Suas prioridades pastorais e, às vezes, até mesmo, o seu modo de organizar-se. Os pobres merecem uma atenção especial da Igreja, comunidade do seguimento de Jesus. A partir de Medellín, começou-se a falar da evangélica opção pelos pobres como uma das fontes inspiradora da missão evangelizadora da Igreja e de sua pastoral. A Igreja quer ser de todos, dizia João XXIII, mas, de modo especial, dos pobres.
O Vaticano II apresentou, como marca sua, a eclesiologia de comunhão. Nessa esteira, Medellín procurou acentuar a dimensão comunitária na organização da Igreja. A Igreja, organizada em forma de paróquia ou de pequenas comunidades, deve oferecer um espaço para o desenvolvimento de relações intersubjetivas: proximidade, conhecimento, amizade, fraternidade, luta em comum. Mais tarde, com essa mesma inspiração do Vaticano II, João Paulo II, vai dizer que a Igreja deve ser a escola da comunhão. Trata-se de uma escola que educa para a comunhão pela própria vivência, pelo modo de se organizar. Comunhão que é fruto não simplesmente de um esforço voluntarista, mas da ação da graça. Portanto, comunhão que implica vida de fé, vida sacramental e orante. Sobretudo, vida eucarística.
Medellín, seguindo ainda o projeto eclesiológico do Vaticano II, procurou sublinhar a face laical da Igreja no sentido teológico. A vocação e a missão do leigo se fundamentam no batismo e na confirmação e, de modo complementar, no sacramento do matrimônio. Os leigos não são apenas destinatários da missão da Igreja. São também sujeito eclesial. São também responsáveis pela vida eclesial. Mesmo onde não é possível a presença direta do bispo e do presbítero, deve haver uma vida eclesial, sobretudo orante e evangelizadora, coordenada pelos ministérios não ordenados.
Igreja evangelizadora é, ao mesmo tempo, militante e profética. Ela procura estar atenta à realidade, à organização da sociedade, para anunciar a Boa-Nova; denunciar o pecado e suas conseqüências no plano individual e social, em vista da conversão e da salvação.
Foi, por esse rumo, que Medellín procurou colocar em prática, na América Latina, o projeto eclesiológico do Vaticano II. Esse esforço de Medellín foi continuado e aprofundado pelas assembléias de Puebla e S. Domingo. E, agora, está sendo conscientemente assumido, alargado e aprofundado, pela quinta Assembléia, a ser realizada em Aparecida do Norte, em 2007. Trata-se de uma tradição pastoral que, cada vez mais, vai se consolidando e aprofundando.
1. Com ouvido colado no coração de Deus
Os textos do Magistério da Igreja, de natureza pastoral, têm procurado sempre apresentar uma visão da realidade. As práticas pastorais precisam ser respostas adequadas à realidade em que a Igreja está inserida. O Documento de Participação à Quinta Assembléia apresenta a visão da realidade latino-americana no capítulo quarto e não no início. Trata-se apenas de uma preferência metodológica. Creio, porém, que a visão da realidade, apresentada como ponto de partida, ajuda a compreender melhor não só as práticas pastorais propostas pelo texto, mas também o seu conteúdo antropológico, histórico, bíblico e teológico.
A perspectiva para a visão da realidade, adotada pelo DP, é bonita e significativa: “Devemos olhar a realidade com o ouvido colado no coração de Deus e a mão no pulso do tempo”(96). Só essa perspectiva nos permite, de fato, olhar a realidade não só pela superfície, como mero dado empírico, mas, para além do empírico, procurando descobrir o seu sentido. Em nosso caso, o seu sentido teológico, isto é, os sinais do tempo.
O Documento faz um elenco de fatos, que já foram levados em consideração pelas últimas Assembléias, mas que persistem até aos nossos dias. Por exemplo, a pobreza, a educação funcionalista, o narcotráfico e o uso de drogas; no campo político, o não cumprimento das promessas de campanha, a corrupção e o enfraquecimento do poder do Estado. Alguns desses males até se agravaram. No campo religioso, alguns males se tornaram mais agudos: secularismo, laicismo militante, que hoje se manifesta publicamente com um grau forte de agressividade com relação à Igreja. Laicismo autoritário que nega à Igreja o direito de manifestar publicamente suas convicções em questões morais e políticas. Esse laicismo se esquece de que a Igreja é uma instituição da sociedade civil e, por isso mesmo, tem o direito de manifestar suas convicções e lutar democraticamente para que elas sejam adotadas no plano jurídico.
Outros componentes da realidade são novos, pelo menos com relação à intensidade com que se manifestam. Recordemos, a título de exemplo, a investigação genética que, cada dia, surpreende a todos com novas descobertas. Essas investigações são promissoras no campo da saúde, mas, freqüentemente, envolvidas por problemas éticos graves. A consideração ética dessas pesquisas é necessária para evitar conseqüências desastrosas para dignidade do ser humano. O Documento cita ainda problemas referentes à ecologia natural e humana. No campo da ecologia natural, houve um progresso significativo no sentido não só de preservar a natureza e dela cuidar, mas, em alguns casos, de até mesmo salvá-la. No campo da ecologia humana, o progresso não foi tão significativo, pois acentuou-se o enfraquecimento da identidade do matrimônio e da família. Difunde-se cada vez mais os postulados de uma ética individualista, acompanhada do relativismo moral.
No plano especificamente religioso, o Documento de Participação se refere, diversas vezes, ao substrato católico de nossa cultura, resultado da presença evangelizadora da Igreja no continente, desde de seu início. Expressões desse substrato católico são, por exemplo, o sentido radical da existência presente na vida do povo; a religiosidade e piedade popular em suas modalidades características; o profundo sentido da importância e do valor da família.
Alguns problemas presentes no campo religioso são, de certo modo, novos e, por isso, não foram contemplados pelas Assembléias anteriores. O DP cita o enfraquecimento da observância religiosa do domingo; a diminuição, sobretudo no meio urbano, na recepção dos sacramentos do batismo e do matrimônio; a diminuição acelerada do número de católicos e o crescimento numérico das igrejas evangélicas e seitas. Como causa desse último fenômeno, podemos citar o pluralismo religioso, que leva as pessoas a reduzir todas as igrejas e religiões a um denominador comum, como se todas fossem iguais. Por isso mesmo, o pluralismo religioso vem sempre acompanhado de uma intensa mobilidade religiosa. Mas existem causas que se encontram no interior da Igreja. O êxodo dos católicos indica que a Igreja não está evangelizando e re-evangelizando suficientemente aqueles que batiza. Indica que ela não está sendo suficientemente missionária.
A leitura da realidade presente feita pelo DP visa, pois, descobrir, na própria realidade, os desafios pastorais para que possamos encontrar, à luz da Palavra de Deus e da experiência pastoral da Igreja, respostas adequadas. Visa encontrar, na própria realidade, os sinais dos tempos, as interpelações de Deus, o Senhor da história.
2. O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus
A primeira consideração do DP é apresentar o fundamento antropológico da missão: os desejos de vida e felicidade que existem no mais profundo do nosso ser. Mas, ao mesmo tempo, o ser humano faz a experiência de que a vida e a felicidade em plenitude superam as possibilidades simplesmente humanas. Esse desejo de vida e felicidade plena expressa a sede de Deus que existe no coração humano. De fato, o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Existe, nele, algo de divino. Existe uma busca de comunhão com o Divino. O salmo 12 registra essa busca: “É a vossa face, Senhor, que eu procuro”.
Por causa do pecado, essa busca de felicidade plena trilha, às vezes, caminhos errados (cf.n.4). Isso já aconteceu quando o ser humano pecou pela primeira vez. Mas, a resposta de Deus, registrada pela Revelação, consistiu em colocar novamente o ser humano no caminho certo da felicidade plena. Logo após o pecado, observa o DP, Deus não abandona o ser humano. Como Pai e Pastor o procura e lhe promete o dom da salvação. Mais ainda: faz alianças com representantes da humanidade (Abel, Noé). Dessas alianças surgem verdadeiras experiências religiosas voltadas para a adoração de Deus e a busca da salvação.
Na aliança do Sinai, Deus escolhe Israel para ser um povo missionário. Revela-se a ele, para que Israel proclame o seu nome a todos os povos da terra. Dá-lhe os dez mandamentos, que indicam o caminho certo para encontrar a felicidade. Na encarnação de seu Filho, Deus de tal modo se aproxima do ser humano que Ele mesmo se torna um ser humano. Na expressão da Gaudium et Spes, o Filho de Deus se une a cada ser humano.Não só revela Deus ao homem, mas revela o homem ao próprio homem. Revela a ele a sua dignidade sagrada e a sua vocação divina, o chamado para a vida plena. Jesus, no sermão das bem-aventuranças, programa de vida seu e de seus discípulos, proclama o novo código da felicidade. Com as bem-aventuranças, Jesus convida seus discípulos não à resignação e à passividade. Convida-os a se colocarem de pé e a percorrer no mundo um novo caminho.
A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus. E a finalidade do discipulado é a missão. A primeira coisa que Jesus faz, quando inicia o seu ministério na Galiléia, é reunir discípulos. O evangelho nos mostra Jesus sempre rodeado de discípulos. Ele não cumpre a sua missão sozinho. Jesus tem discípulos não para servi-lo, mas para prepará-los, teórica e praticamente, para a missão. Os evangelhos terminam, com Jesus enviando seus discípulos em missão. A Igreja, comunidade de seus discípulos, é a continuadora de sua missão na terra. O DP recorda, a propósito, a lei do discipulado: carregar a cruz. Expressão que, na Igreja primitiva, designa o martírio. Não só o martírio de derramar o próprio sangue como testemunho de Cristo e de seu evangelho, mas, também, o testemunho de gastar a própria vida no empenho de anunciar Cristo e o evangelho. O martírio, pois, em ambos os casos, é componente da missão. É um ato evangelizador.
Ao mostrar o fundamento antropológico da missão -o desejo de vida e felicidade plena como expressão da sede de Deus- o DP quer mostrar que a missão não é uma superestrutura, algo acrescentado à vida de um povo, à sua cultura. A missão é resposta a uma busca. Existe no coração humano, como lembrou João Paulo II, a busca misteriosa de Alguém que seja, de fato, o Caminho, a Verdade e a Vida. O pedido dos gregos, registrado no quarto evangelho, expressa esse anseio misterioso: “Queremos ver Jesus”.
3. A missão: uma corrente de amizade com Deus, de vida e promoção humana
A história da Igreja na América Latina é a história da missão, isto é, desenrolar da história da salvação, expressão do desígnio salvífico de Deus. Diz o DP: “Por um sábio e bondoso desígnio da Providência divina, chegou até as terras do Continente essa corrente de amizade com Deus, de vida nova e promoção humana, que Jesus Cristo iniciou em sua Encarnação e sua Páscoa, e que o Espírito Santo, com força pentecostal, impulsiona ao longo dos séculos” (n.21).
A missão não se inicia jamais a partir da estaca zero. O primeiro missionário é o Espírito Santo. Ele chega antes de qualquer missionário humano para preparar o terreno, nele espargindo as sementes do Verbo, a que se referem os Padres Apologetas. Semente do Verbo são aqueles valores evangélicos que o Espírito divino espalha na cultura e na vida dos povos: desejo de justiça, de paz, de fraternidade, sede de Deus, anseio misterioso de encontrar Alguém que seja, de fato, Caminho, Verdade e Vida. É neste terreno preparado pelo orvalho divino, derramado pelo Espírito, que o missionário lança a semente da Palavra de Deus. Sem essa ação preparatória do Espírito, a semente da Palavra cairia sobre o asfalto duro. Sem essa ação, a evangelização seria algo acidental na vida das pessoas. Quando o Evangelho chegou, pela primeira vez, ao nosso Continente, o Espírito Santo já havia preparado o terreno, espargindo, na vida dos povos do Continente, as sementes do Verbo. A isso faz referência o seguinte texto do DP: “Neles, as sementes do Verbo, que estavam presentes em um profundo senso religioso, esperavam o orvalho fecundo do Espírito. Eram muitos os valores que caracterizavam e que os predispunham a uma recepção mais pronta do Evangelho” (n.22).
A divina Providência, porém, usou de um outro meio, logo no início, “para abrir as portas do coração dos povos autóctones para Jesus Cristo, Boa Nova do Pai para a sua vida: a aparição da Virgem de Guadalupe” (n.23). No rosto de Maria, como afirmou João Paulo II no discurso de abertura da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, encarnavam-se os autênticos valores culturais indígenas.
A missão, enquanto ação humana, está envolvida não só por luzes, mas também por sombras. As vicissitudes históricas também atingem a ação missionária. O DP se refere a um verdadeiro holocausto dos indígenas realizado pela ocupação dos assim chamados colonizadores. Mas, por outro lado, houve também intrépidos lutadores pela justiça, evangelizadores da paz (cf.n.25).
A missão, conforme nos mostra o livro dos Atos, encontra sempre obstáculos. Vence-os, porém, na força do Espírito. Também, na América Latina, a ação missionária sempre encontrou obstáculos, até mesmo crises eclesiais. A fundação do CELAM, em 1955, e as diversas assembléias do episcopado por ele promovidas tem sido instrumentos para promover a missão e ajudá-la a vencer os obstáculos.
A missão evangelizadora da Igreja foi enriquecida ultimamente com diversos dons da bondade e sabedoria do Pai. O DP cita, de modo especial, a realização do Concílio Ecumênico Vaticano II que fez surgir, am toda América latina, paróquias missionárias, ministros da Palavra, renovação litúrgica, valorização da piedade popular, diáconos permanentes, pastoral presbiteral, diálogo ecumênico e inter-religioso, dinamização da pastoral da juventude e da pastoral vocacional. Dons da bondade e sabedoria do Pai, foram ainda, segundo o DP, a opção preferencial pelos pobres, a teologia da libertação e a nova evangelização, lançada pelo Papa João Paulo II. Seu pontificado foi também um grande dom da bondade e sabedoria do Pai (cf.n.33).
Em resumo, com sua ação missionária, a Igreja procurou, desde do início, dar uma resposta àqueles que buscavam, às apalpadelas, satisfazer à sede de busca de sentido, felicidade e transcendência (cf. n.32).
4. Discípulos e missionários
O cristianismo não é, antes de tudo, uma doutrina. Ele teve origem num acontecimento: a encarnação do Filho de Deus: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho ao mundo, o qual nasceu de uma mulher”. Na encarnação de seu Filho, Deus de tal modo se aproximou do ser humano que Ele mesmo se tornou um ser humano. O cristianismo se iniciou nesse encontro. Esse encontro, como recorda o DP, é a razão da nossa fé. A Igreja vive desse encontro. Ele revela quem nós somos, de onde viemos e para onde vamos. A missão da Igreja é levar todos ao encontro com Jesus. Esse encontro, como mostra o episódio da Samaritana, de Zaqueu, leva a uma revisão de vida e à conversão. Esse encontro é a fonte do discipulado e da missão.
O evangelho mostra que ser discípulo de Jesus é fruto de uma vocação. É ele quem chama. A resposta só é possível através da ação da graça: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai não o atrair”. A resposta é algo muito profundo: consiste em encontrar-se com Jesus e acolhê-lo em nossa vida. Isso muda o rumo da vida da pessoa. A acolhida de Jesus em nossa vida, implica também em viver de acordo com os seus ensinamentos. Jesus é também mestre.
Jesus reúne discípulos não para servi-lo, mas para prepará-los para a missão. A finalidade do discipulado é a missão. Por isso, a Igreja é uma comunidade de comunhão com Cristo em vista da missão. A dimensão comunitária e a dimensão missionária são as características principais da Igreja. A partir daí, podemos compreender a importância da Eucaristia. “Para que essa comunhão com ele fosse cada vez mais plena, Jesus Cristo se entregou a seus discípulos como o Pão da vida eterna e os convidou na Eucaristia a participar de sua páscoa” (n.52). É na Eucaristia que a Igreja expressa a sua identidade e nela cresce. Como mostra o episódio de Emaús, a missão tem a sua fonte principal no encontro com o Cristo vivo presente na Eucaristia. A Eucaristia alimenta a missão: “Eu estarei convosco todos os dias até o final dos tempos”. Jesus pronunciou essas palavras, ao enviar os apóstolos em missão. A Eucaristia é também o objetivo da missão: levar a todos ao encontro com o Cristo vivo para que se tornem seus discípulos e missionários.
5. Para que nele nossos povos tenham vida
Esse é o título do último capítulo do DP. Trata da atividade pastoral. É por meio da pastoral que a o anúncio da Boa Nova se torna boa realidade para os que procuram um sentido para vida; para os que tem fome de Deus; para os pobres e todos os que sofrem. O DP ensina que Igreja, Eucaristia e amor ao próximo são inseparáveis. O amor ao próximo prolonga a diaconia de Cristo.
À semelhança do livro dos Atos que ficou de certo modo inacabado para mostrar que a missão deve continuar, também o DP está um pouco inacabado. O último capítulo não está pronto. Ele deve ser escrito com a contribuição de todas as comunidades da América Latina e do Caribe. Trata-se, agora, de elaborar as práticas pastorais e missionárias para todo o Continente. O DP enumera apenas alguns núcleos para despertar a criatividade:
Formação de discípulos e missionários
Existe ainda muito descuido, sobretudo, na formação dos leigos para a missão. Esta é uma das causas da diminuição do número de católicos, do abandono da prática dos sacramentos: batismo, crisma e matrimônio. Nossas paróquias precisam ser não só comunidades de acolhida, mas também comunidades missionárias, comunidades que vão ao encontro. A vida das paróquias precisa girar não só em torno do eixo sacramental, mas, igualmente, do eixo da Palavra. Formação mais intensa de discípulos e missionários. Está aí um grande desafio.
Defesa e promoção da vida
Nunca a vida dos inocentes esteve tão ameaçada como em nossos dias. Muitos se esquecem de uma verdade simples e evidente: como a vida é um dom fundamental e sagrado, cada ser humano deve ser um servidor da vida, da vida sua e da vida de qualquer ser humano. Servidor da vida que apenas está se iniciando e também da vida em desenvolvimento. Servidor da vida que nasce plena e forte, mas também servidor da vida que nasce frágil e com defeito. Servidor da vida em seu início, mas também servidor da vida que está se aproximando de seu fim natural. Servidor e defensor da vida devem ser os agentes do Estado de direito, pois a essência da missão do Estado é a defesa e a promoção da vida.
A defesa da vida é um valor suprapartidário, no sentido que deve inspirar qualquer política que esteja a serviço da pessoa humana e da sociedade. É também um valor supra -religioso. A inviolabilidade da vida humana, desde seu início até o seu fim natural, é uma questão de direito natural. Os cristãos encontram em sua fé um motivo a mais para defender esse direito. Não se trata, pois, de impor à sociedade ou ao Estado laico uma convicção religiosa, mas levá-lo a respeitar um direito do ser humano. A Igreja, enquanto instituição da sociedade civil, não só pode, mas tem o dever de assim agir.Grande missão continental
Aqui se encontra, a meu ver, a grande intuição do DP. Através da Quinta Conferência, envolver toda a Igreja numa grande missão continental. Neste sentido, a Conferência de Aparecida, não só estará continuando a tradição das Assembléias precedentes, mas realizando um salto qualitativo, que mudará a face pastoral da Igreja e aprofundará a sua presença na sociedade. Para isso, é necessário um empenho de todos a começar desde agora, desde essa fase de preparação que está se iniciando.

Discípulos e Missionários de Jesus Cristo

Dom Benedito Beni dos Santos
Bispo Auxiliar de São Paulo

Introdução
Pretendo apresentar uma breve reflexão sobre o Documento de Participação à Quinta Assembléia do Episcopado da América Latina e do Caribe. Existe uma continuidade entre as cinco Assembléias. Todas elas tiveram, como objetivo, a evangelização. A próxima vai reforçar ainda mais esse objetivo, pois trata-se, em última análise, de promover uma grande missão em toda a América Latina e Caribe. As cinco Assembléias expressam, de certo modo, a tradição pastoral das Igrejas do nosso continente. Fonte próxima dessa tradição é o Concílio Ecumênico Vaticano. Na doutrina do Concílio, não só encontramos uma nova eclesiologia, mas, na realidade, um projeto eclesiológico.
Esse projeto eclesiológico foi assumido, pela primeira vez, e contextualizado, na América Latina, pela Assembléia de Medellín. Medellín procurou sublinhar a presença dos pobres na Igreja. Trata-se de uma presença que leva a Igreja a redefinir sua presença no mundo. Suas prioridades pastorais e, às vezes, até mesmo, o seu modo de organizar-se. Os pobres merecem uma atenção especial da Igreja, comunidade do seguimento de Jesus. A partir de Medellín, começou-se a falar da evangélica opção pelos pobres como uma das fontes inspiradora da missão evangelizadora da Igreja e de sua pastoral. A Igreja quer ser de todos, dizia João XXIII, mas, de modo especial, dos pobres.
O Vaticano II apresentou, como marca sua, a eclesiologia de comunhão. Nessa esteira, Medellín procurou acentuar a dimensão comunitária na organização da Igreja. A Igreja, organizada em forma de paróquia ou de pequenas comunidades, deve oferecer um espaço para o desenvolvimento de relações intersubjetivas: proximidade, conhecimento, amizade, fraternidade, luta em comum. Mais tarde, com essa mesma inspiração do Vaticano II, João Paulo II, vai dizer que a Igreja deve ser a escola da comunhão. Trata-se de uma escola que educa para a comunhão pela própria vivência, pelo modo de se organizar. Comunhão que é fruto não simplesmente de um esforço voluntarista, mas da ação da graça. Portanto, comunhão que implica vida de fé, vida sacramental e orante. Sobretudo, vida eucarística.
Medellín, seguindo ainda o projeto eclesiológico do Vaticano II, procurou sublinhar a face laical da Igreja no sentido teológico. A vocação e a missão do leigo se fundamentam no batismo e na confirmação e, de modo complementar, no sacramento do matrimônio. Os leigos não são apenas destinatários da missão da Igreja. São também sujeito eclesial. São também responsáveis pela vida eclesial. Mesmo onde não é possível a presença direta do bispo e do presbítero, deve haver uma vida eclesial, sobretudo orante e evangelizadora, coordenada pelos ministérios não ordenados.
Igreja evangelizadora é, ao mesmo tempo, militante e profética. Ela procura estar atenta à realidade, à organização da sociedade, para anunciar a Boa-Nova; denunciar o pecado e suas conseqüências no plano individual e social, em vista da conversão e da salvação.
Foi, por esse rumo, que Medellín procurou colocar em prática, na América Latina, o projeto eclesiológico do Vaticano II. Esse esforço de Medellín foi continuado e aprofundado pelas assembléias de Puebla e S. Domingo. E, agora, está sendo conscientemente assumido, alargado e aprofundado, pela quinta Assembléia, a ser realizada em Aparecida do Norte, em 2007. Trata-se de uma tradição pastoral que, cada vez mais, vai se consolidando e aprofundando.
Com ouvido colado no coração de Deus
Os textos do Magistério da Igreja, de natureza pastoral, têm procurado sempre apresentar uma visão da realidade. As práticas pastorais precisam ser respostas adequadas à realidade em que a Igreja está inserida. O Documento de Participação à Quinta Assembléia apresenta a visão da realidade latino-americana no capítulo quarto e não no início. Trata-se apenas de uma preferência metodológica. Creio, porém, que a visão da realidade, apresentada como ponto de partida, ajuda a compreender melhor não só as práticas pastorais propostas pelo texto, mas também o seu conteúdo antropológico, histórico, bíblico e teológico.
A perspectiva para a visão da realidade, adotada pelo DP, é bonita e significativa: “Devemos olhar a realidade com o ouvido colado no coração de Deus e a mão no pulso do tempo”(96). Só essa perspectiva nos permite, de fato, olhar a realidade não só pela superfície, como mero dado empírico, mas, para além do empírico, procurando descobrir o seu sentido. Em nosso caso, o seu sentido teológico, isto é, os sinais do tempo.
O Documento faz um elenco de fatos, que já foram levados em consideração pelas últimas Assembléias, mas que persistem até aos nossos dias. Por exemplo, a pobreza, a educação funcionalista, o narcotráfico e o uso de drogas; no campo político, o não cumprimento das promessas de campanha, a corrupção e o enfraquecimento do poder do Estado. Alguns desses males até se agravaram. No campo religioso, alguns males se tornaram mais agudos: secularismo, laicismo militante, que hoje se manifesta publicamente com um grau forte de agressividade com relação à Igreja. Laicismo autoritário que nega à Igreja o direito de manifestar publicamente suas convicções em questões morais e políticas. Esse laicismo se esquece de que a Igreja é uma instituição da sociedade civil e, por isso mesmo, tem o direito de manifestar suas convicções e lutar democraticamente para que elas sejam adotadas no plano jurídico.
Outros componentes da realidade são novos, pelo menos com relação à intensidade com que se manifestam. Recordemos, a título de exemplo, a investigação genética que, cada dia, surpreende a todos com novas descobertas. Essas investigações são promissoras no campo da saúde, mas, freqüentemente, envolvidas por problemas éticos graves. A consideração ética dessas pesquisas é necessária para evitar conseqüências desastrosas para dignidade do ser humano. O Documento cita ainda problemas referentes à ecologia natural e humana. No campo da ecologia natural, houve um progresso significativo no sentido não só de preservar a natureza e dela cuidar, mas, em alguns casos, de até mesmo salvá-la. No campo da ecologia humana, o progresso não foi tão significativo, pois acentuou-se o enfraquecimento da identidade do matrimônio e da família. Difunde-se cada vez mais os postulados de uma ética individualista, acompanhada do relativismo moral.
No plano especificamente religioso, o Documento de Participação se refere, diversas vezes, ao substrato católico de nossa cultura, resultado da presença evangelizadora da Igreja no continente, desde de seu início. Expressões desse substrato católico são, por exemplo, o sentido radical da existência presente na vida do povo; a religiosidade e piedade popular em suas modalidades características; o profundo sentido da importância e do valor da família.
Alguns problemas presentes no campo religioso são, de certo modo, novos e, por isso, não foram contemplados pelas Assembléias anteriores. O DP cita o enfraquecimento da observância religiosa do domingo; a diminuição, sobretudo no meio urbano, na recepção dos sacramentos do batismo e do matrimônio; a diminuição acelerada do número de católicos e o crescimento numérico das igrejas evangélicas e seitas. Como causa desse último fenômeno, podemos citar o pluralismo religioso, que leva as pessoas a reduzir todas as igrejas e religiões a um denominador comum, como se todas fossem iguais. Por isso mesmo, o pluralismo religioso vem sempre acompanhado de uma intensa mobilidade religiosa. Mas existem causas que se encontram no interior da Igreja. O êxodo dos católicos indica que a Igreja não está evangelizando e re-evangelizando suficientemente aqueles que batiza. Indica que ela não está sendo suficientemente missionária.
A leitura da realidade presente feita pelo DP visa, pois, descobrir, na própria realidade, os desafios pastorais para que possamos encontrar, à luz da Palavra de Deus e da experiência pastoral da Igreja, respostas adequadas. Visa encontrar, na própria realidade, os sinais dos tempos, as interpelações de Deus, o Senhor da história.
2. O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus
A primeira consideração do DP é apresentar o fundamento antropológico da missão: os desejos de vida e felicidade que existem no mais profundo do nosso ser. Mas, ao mesmo tempo, o ser humano faz a experiência de que a vida e a felicidade em plenitude superam as possibilidades simplesmente humanas. Esse desejo de vida e felicidade plena expressa a sede de Deus que existe no coração humano. De fato, o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Existe, nele, algo de divino. Existe uma busca de comunhão com o Divino. O salmo 12 registra essa busca: “É a vossa face, Senhor, que eu procuro”.
Por causa do pecado, essa busca de felicidade plena trilha, às vezes, caminhos errados (cf.n.4). Isso já aconteceu quando o ser humano pecou pela primeira vez. Mas, a resposta de Deus, registrada pela Revelação, consistiu em colocar novamente o ser humano no caminho certo da felicidade plena. Logo após o pecado, observa o DP, Deus não abandona o ser humano. Como Pai e Pastor o procura e lhe promete o dom da salvação. Mais ainda: faz alianças com representantes da humanidade (Abel, Noé). Dessas alianças surgem verdadeiras experiências religiosas voltadas para a adoração de Deus e a busca da salvação.
Na aliança do Sinai, Deus escolhe Israel para ser um povo missionário. Revela-se a ele, para que Israel proclame o seu nome a todos os povos da terra. Dá-lhe os dez mandamentos, que indicam o caminho certo para encontrar a felicidade. Na encarnação de seu Filho, Deus de tal modo se aproxima do ser humano que Ele mesmo se torna um ser humano. Na expressão da Gaudium et Spes, o Filho de Deus se une a cada ser humano.Não só revela Deus ao homem, mas revela o homem ao próprio homem. Revela a ele a sua dignidade sagrada e a sua vocação divina, o chamado para a vida plena. Jesus, no sermão das bem-aventuranças, programa de vida seu e de seus discípulos, proclama o novo código da felicidade. Com as bem-aventuranças, Jesus convida seus discípulos não à resignação e à passividade. Convida-os a se colocarem de pé e a percorrer no mundo um novo caminho.
A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus. E a finalidade do discipulado é a missão. A primeira coisa que Jesus faz, quando inicia o seu ministério na Galiléia, é reunir discípulos. O evangelho nos mostra Jesus sempre rodeado de discípulos. Ele não cumpre a sua missão sozinho. Jesus tem discípulos não para servi-lo, mas para prepará-los, teórica e praticamente, para a missão. Os evangelhos terminam, com Jesus enviando seus discípulos em missão. A Igreja, comunidade de seus discípulos, é a continuadora de sua missão na terra. O DP recorda, a propósito, a lei do discipulado: carregar a cruz. Expressão que, na Igreja primitiva, designa o martírio. Não só o martírio de derramar o próprio sangue como testemunho de Cristo e de seu evangelho, mas, também, o testemunho de gastar a própria vida no empenho de anunciar Cristo e o evangelho. O martírio, pois, em ambos os casos, é componente da missão. É um ato evangelizador.
Ao mostrar o fundamento antropológico da missão -o desejo de vida e felicidade plena como expressão da sede de Deus- o DP quer mostrar que a missão não é uma superestrutura, algo acrescentado à vida de um povo, à sua cultura. A missão é resposta a uma busca. Existe no coração humano, como lembrou João Paulo II, a busca misteriosa de Alguém que seja, de fato, o Caminho, a Verdade e a Vida. O pedido dos gregos, registrado no quarto evangelho, expressa esse anseio misterioso: “Queremos ver Jesus”.
3. A missão: uma corrente de amizade com Deus, de vida e promoção humana
A história da Igreja na América Latina é a história da missão, isto é, desenrolar da história da salvação, expressão do desígnio salvífico de Deus. Diz o DP: “Por um sábio e bondoso desígnio da Providência divina, chegou até as terras do Continente essa corrente de amizade com Deus, de vida nova e promoção humana, que Jesus Cristo iniciou em sua Encarnação e sua Páscoa, e que o Espírito Santo, com força pentecostal, impulsiona ao longo dos séculos” (n.21).
A missão não se inicia jamais a partir da estaca zero. O primeiro missionário é o Espírito Santo. Ele chega antes de qualquer missionário humano para preparar o terreno, nele espargindo as sementes do Verbo, a que se referem os Padres Apologetas. Semente do Verbo são aqueles valores evangélicos que o Espírito divino espalha na cultura e na vida dos povos: desejo de justiça, de paz, de fraternidade, sede de Deus, anseio misterioso de encontrar Alguém que seja, de fato, Caminho, Verdade e Vida. É neste terreno preparado pelo orvalho divino, derramado pelo Espírito, que o missionário lança a semente da Palavra de Deus. Sem essa ação preparatória do Espírito, a semente da Palavra cairia sobre o asfalto duro. Sem essa ação, a evangelização seria algo acidental na vida das pessoas. Quando o Evangelho chegou, pela primeira vez, ao nosso Continente, o Espírito Santo já havia preparado o terreno, espargindo, na vida dos povos do Continente, as sementes do Verbo. A isso faz referência o seguinte texto do DP: “Neles, as sementes do Verbo, que estavam presentes em um profundo senso religioso, esperavam o orvalho fecundo do Espírito. Eram muitos os valores que caracterizavam e que os predispunham a uma recepção mais pronta do Evangelho” (n.22).
A divina Providência, porém, usou de um outro meio, logo no início, “para abrir as portas do coração dos povos autóctones para Jesus Cristo, Boa Nova do Pai para a sua vida: a aparição da Virgem de Guadalupe” (n.23). No rosto de Maria, como afirmou João Paulo II no discurso de abertura da II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, encarnavam-se os autênticos valores culturais indígenas.
A missão, enquanto ação humana, está envolvida não só por luzes, mas também por sombras. As vicissitudes históricas também atingem a ação missionária. O DP se refere a um verdadeiro holocausto dos indígenas realizado pela ocupação dos assim chamados colonizadores. Mas, por outro lado, houve também intrépidos lutadores pela justiça, evangelizadores da paz (cf.n.25).
A missão, conforme nos mostra o livro dos Atos, encontra sempre obstáculos. Vence-os, porém, na força do Espírito. Também, na América Latina, a ação missionária sempre encontrou obstáculos, até mesmo crises eclesiais. A fundação do CELAM, em 1955, e as diversas assembléias do episcopado por ele promovidas tem sido instrumentos para promover a missão e ajudá-la a vencer os obstáculos.
A missão evangelizadora da Igreja foi enriquecida ultimamente com diversos dons da bondade e sabedoria do Pai. O DP cita, de modo especial, a realização do Concílio Ecumênico Vaticano II que fez surgir, am toda América latina, paróquias missionárias, ministros da Palavra, renovação litúrgica, valorização da piedade popular, diáconos permanentes, pastoral presbiteral, diálogo ecumênico e inter-religioso, dinamização da pastoral da juventude e da pastoral vocacional. Dons da bondade e sabedoria do Pai, foram ainda, segundo o DP, a opção preferencial pelos pobres, a teologia da libertação e a nova evangelização, lançada pelo Papa João Paulo II. Seu pontificado foi também um grande dom da bondade e sabedoria do Pai (cf.n.33).
Em resumo, com sua ação missionária, a Igreja procurou, desde do início, dar uma resposta àqueles que buscavam, às apalpadelas, satisfazer à sede de busca de sentido, felicidade e transcendência (cf. n.32).
4. Discípulos e missionários
O cristianismo não é, antes de tudo, uma doutrina. Ele teve origem num acontecimento: a encarnação do Filho de Deus: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho ao mundo, o qual nasceu de uma mulher”. Na encarnação de seu Filho, Deus de tal modo se aproximou do ser humano que Ele mesmo se tornou um ser humano. O cristianismo se iniciou nesse encontro. Esse encontro, como recorda o DP, é a razão da nossa fé. A Igreja vive desse encontro. Ele revela quem nós somos, de onde viemos e para onde vamos. A missão da Igreja é levar todos ao encontro com Jesus. Esse encontro, como mostra o episódio da Samaritana, de Zaqueu, leva a uma revisão de vida e à conversão. Esse encontro é a fonte do discipulado e da missão.
O evangelho mostra que ser discípulo de Jesus é fruto de uma vocação. É ele quem chama. A resposta só é possível através da ação da graça: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai não o atrair”. A resposta é algo muito profundo: consiste em encontrar-se com Jesus e acolhê-lo em nossa vida. Isso muda o rumo da vida da pessoa. A acolhida de Jesus em nossa vida, implica também em viver de acordo com os seus ensinamentos. Jesus é também mestre.
Jesus reúne discípulos não para servi-lo, mas para prepará-los para a missão. A finalidade do discipulado é a missão. Por isso, a Igreja é uma comunidade de comunhão com Cristo em vista da missão. A dimensão comunitária e a dimensão missionária são as características principais da Igreja. A partir daí, podemos compreender a importância da Eucaristia. “Para que essa comunhão com ele fosse cada vez mais plena, Jesus Cristo se entregou a seus discípulos como o Pão da vida eterna e os convidou na Eucaristia a participar de sua páscoa” (n.52). É na Eucaristia que a Igreja expressa a sua identidade e nela cresce. Como mostra o episódio de Emaús, a missão tem a sua fonte principal no encontro com o Cristo vivo presente na Eucaristia. A Eucaristia alimenta a missão: “Eu estarei convosco todos os dias até o final dos tempos”. Jesus pronunciou essas palavras, ao enviar os apóstolos em missão. A Eucaristia é também o objetivo da missão: levar a todos ao encontro com o Cristo vivo para que se tornem seus discípulos e missionários.
5. Para que nele nossos povos tenham vida
Esse é o título do último capítulo do DP. Trata da atividade pastoral. É por meio da pastoral que a o anúncio da Boa Nova se torna boa realidade para os que procuram um sentido para vida; para os que tem fome de Deus; para os pobres e todos os que sofrem. O DP ensina que Igreja, Eucaristia e amor ao próximo são inseparáveis. O amor ao próximo prolonga a diaconia de Cristo.
À semelhança do livro dos Atos que ficou de certo modo inacabado para mostrar que a missão deve continuar, também o DP está um pouco inacabado. O último capítulo não está pronto. Ele deve ser escrito com a contribuição de todas as comunidades da América Latina e do Caribe. Trata-se, agora, de elaborar as práticas pastorais e missionárias para todo o Continente. O DP enumera apenas alguns núcleos para despertar a criatividade:
Formação de discípulos e missionários
Existe ainda muito descuido, sobretudo, na formação dos leigos para a missão. Esta é uma das causas da diminuição do número de católicos, do abandono da prática dos sacramentos: batismo, crisma e matrimônio. Nossas paróquias precisam ser não só comunidades de acolhida, mas também comunidades missionárias, comunidades que vão ao encontro. A vida das paróquias precisa girar não só em torno do eixo sacramental, mas, igualmente, do eixo da Palavra. Formação mais intensa de discípulos e missionários. Está aí um grande desafio.
Defesa e promoção da vida
Nunca a vida dos inocentes esteve tão ameaçada como em nossos dias. Muitos se esquecem de uma verdade simples e evidente: como a vida é um dom fundamental e sagrado, cada ser humano deve ser um servidor da vida, da vida sua e da vida de qualquer ser humano. Servidor da vida que apenas está se iniciando e também da vida em desenvolvimento. Servidor da vida que nasce plena e forte, mas também servidor da vida que nasce frágil e com defeito. Servidor da vida em seu início, mas também servidor da vida que está se aproximando de seu fim natural. Servidor e defensor da vida devem ser os agentes do Estado de direito, pois a essência da missão do Estado é a defesa e a promoção da vida.
A defesa da vida é um valor suprapartidário, no sentido que deve inspirar qualquer política que esteja a serviço da pessoa humana e da sociedade. É também um valor supra -religioso. A inviolabilidade da vida humana, desde seu início até o seu fim natural, é uma questão de direito natural. Os cristãos encontram em sua fé um motivo a mais para defender esse direito. Não se trata, pois, de impor à sociedade ou ao Estado laico uma convicção religiosa, mas levá-lo a respeitar um direito do ser humano. A Igreja, enquanto instituição da sociedade civil, não só pode, mas tem o dever de assim agir.Grande missão continental
Aqui se encontra, a meu ver, a grande intuição do DP. Através da Quinta Conferência, envolver toda a Igreja numa grande missão continental. Neste sentido, a Conferência de Aparecida, não só estará continuando a tradição das Assembléias precedentes, mas realizando um salto qualitativo, que mudará a face pastoral da Igreja e aprofundará a sua presença na sociedade. Para isso, é necessário um empenho de todos a começar desde agora, desde essa fase de preparação que está se iniciando.

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