terça-feira, 27 de março de 2012

O SACRAMENTO DA RECONCILIAÇÃO:


ORIENTAÇÕES PRÁTICAS PARA UMA BOA CONFISSÃO.

Deus no seu infinito amor instituiu o sacramento da reconciliação para todos os pecadores, que mesmo depois de lavados nas águas batismais continuam, impelidos pela concupiscência, cometendo pecados. A reconciliação como lembra o Catecismo da Igreja Católica é remédio da graça oferecido por Deus aos que feriram pelo mal uso da liberdade a comunhão eclesial. (cf. CIC, 1446)
Graças ao amor misericordioso de Deus não há pecado, por maior que seja, que não possa ser perdoado, nem pecador que seja posto de lado. “Todas as pessoas que se arrependerem serão recebidas por Jesus Cristo, com perdão e imenso amor" disse João Paulo II em 29-9-79.O poder de perdoar os pecados foi dado por Jesus aos Apóstolos, através do Espírito Santo: "Recebei o Espírito Santo. Os pecados daqueles a quem perdoares os pecados serão perdoados. Os pecados daqueles a quem não perdoardes não serão perdoados." Jo 20,22 Disse ainda o Santo Padre numa homilia em 1980 "Confessamos os nossos pecados ao próprio Deus, embora no confessionário sejam escutados pelo homem-sacerdote". Constituem partes do sacramento da Reconciliação:
1. Exame de consciência
Condição indispensável para uma confissão bem feita é o exame de consciência, que se traduz num "confronto sincero e sereno com a lei moral interior, com as normas evangélicas propostas pela igreja, com o próprio Jesus Cristo que é para nós Mestre e modelo de vida", disse João Paulo II em 26-3-81.
2. Contrição
Diz o Catecismo da Igreja Católica (1451) que a contrição é "uma dor de alma e uma detestação do pecado cometido, com o propósito de não mais pecar no futuro" (Concílio de Trento: Ds1676).
A contrição é, pois, uma recusa do pecado e o firme propósito de não voltar a pecar.
Ato de contrição: Meu Deus, porque sois infinitamente bom e Vos amo de todo o coração, pesa-me de Vos ter ofendido e, com o auxílio da Vossa divina graça, proponho firmemente emendar-me e nunca mais Vos tornar a ofender. Peço e espero o perdão dos meus pecados pela Vossa infinita misericórdia. Amem.
3. Confissão dos pecados
Constitui uma acusação espontânea de todos os pecados ao confessor. É uma atitude de entrega, confiando plenamente na misericórdia de Deus. A Igreja recomenda a confissão regular mesmo que não haja pecados mortais, porque na confissão Jesus nos vai curando e moldando o nosso coração, atraindo-nos cada vez mais para Si.
4. O perdão
É o momento em que se experimenta o contato com o poder e a misericórdia de Deus, através do sacerdote, que nos devolve à vida, deixando para trás as trevas e voltando à luz.
O sacerdote pronuncia a absolvição: "Deus, Pai de misericórdia, que pela morte e ressurreição de Seu Filho reconciliou o mundo consigo, e infundiu o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo." O penitente responde: Amem.
5. A penitência
João Paulo II numa alocução proferida em 22 de março de 1983 disse: "a penitência tem por missão conseguir a remissão das penas temporais que, depois da remissão dos pecados, ficam ainda por expiar na vida presente ou na futura."
A penitência é a reparação pelos pecados cometidos, imposta pelo confessor. O Catecismo da Igreja Católica (1460) refere que é "a aceitação paciente da cruz que temos de levar. Tais penitências ajudam-nos a configurarmo-nos com Cristo, que, sozinho, expiou os nossos pecados uma vez por todas. Tais penitências fazem que nos tomemos coerdeiros de Cristo Ressuscitado, uma vez que também sofremos com Ele (Rm 8,17)".

Precisamente por sermos pecadores, ficamos cegos diante de nossos pecados. Satanás quer nos fazer ver que não há mal no que fazemos. Então o coração se endurece, torna-se insensível às exigências do amor. Por isso é tão importante a conversão do coração.
"Por isso, como diz o Espírito Santo: "Se escutardes hoje MINHA voz, não endureceis o coração... Atenção irmãos! Que nenhum de vós tenhais um coração mau e incrédulo..." Hb 3.
Deus é um Pai amoroso que nos faz ver o pecado para nos dar a graça do arrependimento e nos perdoar. O nos quer livres. O demônio não quer que vejamos nosso pecado. Mas se procurarmos o caminho de Deus tratará de nos acusar com nossos pecados para que nós desanimemos e voltemos atrás. Podemos discernir então a diferença. Deus mostra o pecado para libertar e perdoar; o demônio o esconde mas quando o mostra é para que nos desesperemos. Devemos rejeitar energicamente estes pensamentos e ir à confissão com toda confiança no perdão de Deus. Deus SEMPRE perdoa quando há arrependimento.
É muito proveitoso fazer exame de consciência diário e também, com toda humildade, nos abrir a que pessoas próximas de nós nos corrijam. "Se examinássemos a nós mesmos, não seríamos condenados" (1 Cor. 11, 31). O exame se faz diante de Deus, escutando sua voz na consciência.

ORIENTAÇÕES GERAIS SOBRE A CONFISSÃO:
1. Quem busca o sacramento da reconciliação deverá predispor-se a:
· Reconhecer que tem pecado, e que tal pecado é uma ofensa a Deus, e por conseguinte uma ruptura com o próximo.
· Estar aberta a misericórdia de Deus e acolhe-la com gratidão.
· Arrepender-se sinceramente pelas faltas cometidas e fazer o firme proposito de não mais voltar a pecar naquelas faltas confessadas.
· Fazer, previamente, o exame de consciência para verificar quais os pecados cometidos precisam ser falados ao sacerdote.
· Ter fé e convicção na graça santificante do sacramento da reconciliação.

2. Confessar não é:
· Contar problemas econômicos, sociais, desabafar as próprias queixas.
· Contar ao padre as coisas boas que fez. Isso é autoelogio, desnecessário ao momento da confissão, que, antes de tudo, é um ato de humildade.
· Descarregar as mágoas; as angustias; as tristezas e as frustações. Para isso é melhor marcar outro momento para orientação espiritual. Ou quem sabe procurar uma ajuda profissional no campo da psicologia.
· Dizer ao confessor padre não tenho pecado: quem não tem pecado não precisa de confissão.
· Dizer ao padre: sou pecador porque todo mundo peca e ficar só nisto. Faltará matéria para o sacramento. O pecado é necessário como matéria para o sacramento: matei, roubei, adulterei, menti, fofoquei do meu irmão, forniquei, pratiquei ato sexual com um mesmo sexo que o meu e etc...

EXAME DE CONSCIENCIA:
Cada penitente conhece as faltas que cometeu, sem precisar de fazer uma detalhada investigação. O exame de consciência e colocar diante de si os pecados fazendo uma lista de erros que cometeu durante o tempo entre a última confissão e próxima que virá. Feito isso é necessária a contrição, ou seja, a moção do coração em afirmar a si mesmo não quero mais pecar! Nesta hora vale muito o sentimento de amor a Deus e a consciência de sua misericórdia infinita. São Pedro recomenda: “Conservem entre vocês um grande amor, porque o amor cobre uma multidão de pecados” (1Pd 4,8)

PREPARAÇÃO PARA A CONFISSÃO:
Preparação remota: Educamo-nos na fé pelo estudo da Palavra, o Catecismo, leitura dos Santos, participação nos ensinamentos... A prática séria do que aprendemos tudo isso colocado em sintonia nos levará sempre a um estado de exame de consciência.

Preparação imediata: O exame de consciência antes de confessar. Vamos a um lugar tranquilo, preferivelmente diante do sacrário, para orar. Só Deus pode iluminar sobre nossa realidade e nos dar os meios para responder à graça. Por isso é necessário chegar antes do horário da confissão e rezar pedindo a Deus a iluminação para um bom exame de consciência.
Contemplamos a vida de Jesus e seu amor manifesto em Sua Cruz. "Contemplai ao que transpassaram" Jo 19:37. Como respondi a tanto amor, a tantas graças? Examinamos nossa vida diante da lei de Deus. Por isso ajuda ter um exame escrito que nos recorde o que esquecemos. Recordamos que não se trata de sugestões, Deus nos deu MANDAMENTOS. Quebrá-los é quebrar nossa aliança com Deus e cair em pecado.
Não se trata tão somente de enumerar pecados, mas sim de descobrir a atitude do coração e com DOR POR NOSSOS PECADOS, FAZER O FIRME PROPÓSITO DE NÃO VOLTAR A COMETÊ-LOS.

EXAME DE CONSCIÊNCIA COM BASE NAS TRÊS RUPTURAS:

Examine-se - ajudado por estas perguntas - quais pecados você cometeu desde sua última confissão? Trate de não ficar no exterior, mas sim nas atitudes do coração e as omissões.

1. Ruptura com Deus:
Amo na verdade a Deus com todo meu coração ou vivo mais apegado às coisas materiais?Preocupei-me por renovar minha fé cristã através da oração, a participação ativa e atenta da missa dominical, a leitura da Palavra de Deus, etc.? Guardo os domingos e dias de festa da Igreja? Cumpri com o preceito anual da confissão e a comunhão pascal?
Tenho uma relação de confiança e amizade com Deus, ou cumpro somente com ritos externos?Professei sempre, com vigor e sem temores minha fé em Deus? Manifestei minha condição de cristão na vida pública e privada?
Ofereço ao Senhor meus trabalhos e alegrias? Recorro a Ele constantemente, ou só o busco quando o necessito?
Devolvo meu dízimo a Deus com alegria ou não o faço?
2. Ruptura comigo mesmo:
Sou soberbo e vaidoso? Considero-me superior a outros?
Procuro aparentar algo que não sou para ser valorizado por outros? Aceito a mim mesmo, ou vivo na mentira e no engano? Sou escravo de meus complexos?
Que uso tenho feito do tempo e dos talentos que Deus me deu? Esforço-me por superar os vícios e inclinações más como a preguiça, a avareza, a gula, a bebida, a droga, o sexo desenfreado, a masturbação e outros?
Caí na luxúria com palavra e pensamentos impuros, com desejos ou ações impuras?Realizei leituras ou assisti a espetáculos que reduzem a sexualidade a um mero objeto de prazer?
Caí na masturbação ou a fornicação? Cometi adultério?
Recorri a métodos artificiais para o controle da natalidade?

3. Ruptura com os irmãos:
Amo de coração o meu próximo como a mim mesmo e como o Senhor Jesus me pede que o ame?
Em minha família colaboro em criar um clima de reconciliação com paciência e espírito de serviço?
Sou filho obediente a meus pais, prestando-lhes respeito e ajuda em todo momento?
Preocupam-me como pai ou mãe em educar na vida cristã meus filhos e de respirá-los em seu compromisso de vida com o Senhor Jesus?
Abusei de meus irmãos mais fracos, usando-os para meus fins?
Insultei meu próximo? Escandalizei-o gravemente com palavras ou com ações?
Se me ofenderam, sei perdoar, ou guardo rancor e desejo de vingança?
Compartilho meus bens e meu tempo com os mais pobres, ou sou egoísta e indiferente à dor de outros? Participo das obras de evangelização e promoção humana da Igreja?
Preocupo-me pelo bem e a prosperidade da comunidade humana em que vivo ou passo a vida preocupada tão somente comigo mesmo? Cumpri com meus deveres cívicos? Paguei meus tributos ou sonego?
Sou invejoso? Sou fofoqueiro e enganador? Difamei ou caluniei alguém? Violei segredos? Fiz julgamentos temerários sobre outros?
Sou mentiroso?
Causei algum dano físico ou moral a outros?
Fui honesto em meu trabalho? Usei corretamente a criação ou abusei dela com fins egoístas? Roubei? Fui justo à relação com meus subordinados tratando-os como eu gostaria de ser tratado por eles?


Pe. Fantico Borges, CM

domingo, 25 de março de 2012

CONTROVÉRSIA SOBRE A GRAÇA: PELÁGIO E AGOSTINHO

Pelágio e suas ideias
No ocidente as disputas teológicas concentram-se sobre as questões antropológicas e soteriológicas, ou seja, sobre o problema da salvação e seus fatores decisivos: a capacidade do homem, as consequências do pecado original, a relação entre a graça divina e a liberdade humana. Ao pelagianismo opô-se, no século V, Santo Agostinho.
No século V Pelágio havia debatido ferozmente com Agostinho sobre o pecado original e suas consequências. Agostinho mantinha a ideia que o pecado original de Adão foi herdado por toda a humanidade e que, mesmo que o homem caído retenha a habilidade para escolher, ele está escravizado ao pecado e não pode não pecar. Por outro lado, Pelágio insistia que a queda de Adão afetara apenas a Adão, e que se Deus exige das pessoas que vivam vidas perfeitas, Ele também dá a habilidade moral para que elas possam fazer assim. Ele reivindicou tempos adiante que a graça divina era desnecessária para salvação, embora, facilitasse a obediência.
Tudo isso se deu devido o caráter ocidental, romano e latino, da vida prática dos cristãos, sobretudo de Roma. Quando Pelágio chegou à cidade de Roma ficou profundamente impressionado com a imoralidade do ambiente, e decidiu começar uma reforma moralista nos sacerdotes romanos.
Com a multiplicação das conversões, a multidão que lotava igrejas era formada, em sua, maioria, por cristãos recém-convertidos, por catecúmenos insuficientemente instruídos que ainda viviam num ambiente amplamente impregnado de costumes pagãos; essa massa preocupava-se essencialmente em obter o perdão dos pecados e a garantia da felicidade no além (era rara a persuasão da necessidade de uma renovação interior que investisse o homem todo). Tais tendências eram reforçadas pelo ensino de Joviniano, em oposição à vida ascética - inadmissibilidade da graça do batismo, inutilidade das boas obras, não concessão de um valor especial à castidade - e, pelo fatalismo e dualismo dos maniqueus.



A pessoa de Pelágio:
Pelágio (350-425) era um monge nascido na Grã-bretanha, dotado de muita força de vontade e profundo senso do dever, eloquente e autodidata em teologia. Rigoroso com a moralidade do cristianismo, com um ideal de perfeccionismo, chegando a imputar no ser humano um certo grau de heroísmo, quase como uma auto-salvação. Chegado a Roma, começou a atacar a tepidez e hipocrisia de muitos cristãos, e logo um círculo de amigos se formou ao seu redor.
Insatisfeitos apenas com as exortações orais, os pelagianos tentaram também uma obra de renovação moral por meio de escritos: durante sua estada em Roma, Pelágio publicou um comentário às cartas de Paulo, e Celéstio, advogado e monge, um tratado sobre o pecado original (Contra traducem peccati).
O rigor moral não conseguiu evitar que o círculo pelagiano incidisse numa certa complacência para consigo mesmo, dado que transparece no comportamento de Pelágio.
A insistência sobre a coerência moral degradou-se na segurança de si e na confiança nas próprias forças; ademais pelágio estava persuadido de que a "Igreja somos nós", ele próprio contribuiu para a acentuação crescente desta atitude: embora pretendesse ser sobretudo um reformador social, teve de evocar princípios teóricos para justificar seu comportamento.

Princípios fundamentais do sistema de Pelágio:
- Absoluta liberdade e auto-suficiência do homem: a vontade humana é perfeitamente livre, dependente apenas de si para evitar o pecado;
- Justiça infinita de Deus: Deus é justo e não pode impor-nos algo que supere nossas forças, e não pode dar a alguém um auxílio maior que a outrem.

Destes dois princípios, Pelágio tirou várias consequências:
O homem não necessita da ajuda divina para observar os mandamentos: ele pode ser sem pecado e somente com o livre-arbítrio cumprir os mandamentos; a única graça admitida é a medicinal, para a remissão dos pecados pessoais e atuais; a criação, o livre arbítrio, a encarnação de Cristo, os exemplos de Cristo... São graças externas; negação da necessidade da graça interna sobrenatural que torna o homem capaz de compreender e de seguir aquilo que é incapaz, contando com seus próprios recursos.
Para Pelágio o cristão faz uso do poder que lhe foi dado uma vez para sempre na criação, isto é, a liberdade, único dom dado ao homem, que permanece, caso contrário, necessitaria de uma força estanha a sua vontade, isso poria fim a liberdade humano.
O pecado original não nos enfraqueceu e estamos nas mesmas condições em que Adão foi criado: Deus seria injusto imputando-nos uma culpa que nos é alheia; Adão foi criado mortal, com nossas mesmas concupiscências, que são fortes em nos devido aos efeitos dos maus hábitos e exemplos;
Sendo assim, a redenção consiste no bom exemplo que Cristo nos deu, vivendo entre nós; o batismo é necessário para os adultos, a fim de obter o perdão dos pecados pessoais, e não para as crianças antes do uso da razão (distinção entre Reino de Deus e vida eterna).
O cristianismo de Pelágio constituía uma reação à fé sem obras, próprio de joviniano, e ao pessimismo maniqueu, e reduzia-se a um complexo de preceitos morais. Negando a transmissão do pecado original e salientando as possibilidades inatas da natureza humana, reduzindo-se à simples iluminação do homem acerca do fim a ser perseguido, para, posteriormente coroar seus esforços para a consecução desse fim; Pelágio reduzia a graça ao perdão dos pecados atuais e a um conhecimento maior da lei divina, ou seja, a uma ajuda concedida à vontade humana, mas apenas para facilitar o que qualquer homem está em grau de cumprir com as próprias forças de sua natureza.


Bibliografia:

DANIÉLOU, J.& MARROU, H. Nova História da Igreja: dos primórdios a São Gregório
Magno, Vozes, Petrópolis, 1984.
FEINER, J. & LOEHRER, M. Misterium Salutis Vol. IV/7, Vozes, Petrópolis, 1978.
SESBOÜÉ, B. O Homem e Sua Salvação. Col. História dos Dogmas. vol.2, Loyola, SP,
2003.

Teologias e Ciências.

Introdução
Uma realidade indispensável para a apreensão do mundo em que estamos inseridos e do posicionamento do homem atual frente à totalidade do ser é a técnica moderna[1]. Interpretar adequadamente o papel que ela exerce na civilização contemporânea só é possível através da explicitação do horizonte de compreensão do universo que demarca a cultura e a civilização modernas em que a técnica não é apenas um fenômeno central ou uma esfera ao lado de outras destas sociedades, mas o elemento determinante deste tipo de civilização. Na cultura moderna, os modelos de pensamento e de ação, o próprio sentido da totalidade do real é rearticulado pelas raízes a partir do novo quadro teórico do conhecimento, a ciência moderna[2], e da técnica daí resultante, que atinge até os espaços mais íntimos e privados da vida, os hábitos e costumes, as instituições e os valores e constitui, assim, um novo estilo de ser e de viver[3]. Isto implica dizer que a autocompreensão do ser humano de hoje e sua compreensão do todo da realidade têm nas ciências um dos seus elementos fundamentais.
Isto parece ter uma implicação fundamental para as teologias que existem não em função de si mesmas, mas do mundo e dos seres humanos[4]: elas não só não podem ignorar este saber, mas têm que considerá-lo um parceiro fundamental de diálogo[5] pelo menos pelo fato de ele ser constitutivo de nosso contexto civilizatório. K. Rahner[6] é de opinião de que as ciências naturais e as ciências sociais que geraram o homem racional técnico da modernidade através de sua cosmo-visão e de suas perguntas específicas já modificaram profundamente a situação da teologia o que é um fato novo em sua história. Estas ciências levantam hoje pretensões que ultrapassam de muito seu status teórico próprio; assim, por exemplo, não só não aceitam a filosofia como aquela instância teórica que lhes fornecia e legitimava seu próprio horizonte de questionamento, mas pretendem decidir sobre a compreensão da vida humana antes mesmo que a filosofia possa dizer sua palavra. Por isto, se um diálogo se faz necessário, então se faz também necessário, afirma Rahner[7], um tratamento rigoroso de questões de teoria do conhecimento e de teoria das ciências a respeito da essência, da autonomia, dos pontos de contacto e dos possíveis casos de conflito, da demarcação das ciências e das teologias.
1)As ciências enquanto conhecimento das estruturas particulares da totalidade do real
A primeira consideração a ser feita neste contexto tem a ver com a afirmação do caráter teórico tanto das ciências[8] como das teologias[9]. Trata-se na teoria antes de tudo de uma determinada forma de atividade na vida humana que enquanto tal se vincula com o mundo e em sua intencionalidade última com a totalidade dos “objetos” e “campos” do mundo, da totalidade do real, e enquanto tal, num sentido muito genérico, é algo que perpassa toda a vida humana, pois não há, como diz J. McDowell[10], qualquer percepção da realidade que esteja fora da esfera conceitual, não há uma fronteira exterior para além da esfera conceitual e isto não nos impede de falar de uma realidade independente que exerce um controle racional sobre nosso pensamento o que não significa, contudo, que o mundo seja completamente fora do espaço de um sistema de conceitos.
É precisamente isto que McDowell[11] chama de “o caráter ilimitado do conceitual” e faz a partir daqui afirmações muito fortes contra a postura de toda a filosofia moderna: não há nenhum abismo ontológico entre o tipo de coisa que se pode significar, ou de modo geral, o tipo de coisa que se pode pensar, e o tipo de coisa que é o caso. Quando nosso pensamento é verdadeiro, o que pensamos é o que é o caso, pois na medida em que o mundo é algo que é o caso, não há abismo algum entre o pensamento enquanto tal e o mundo[12]. Na realidade, o que é aqui expresso se pode considerar com razão a intuição fundamental da reviravolta lingüística: não existe um mundo em si em todos os aspectos independente da linguagem de que a linguagem seria cópia fiel, só temos o mundo na linguagem[13]. O relacionamento do ser humano com o mundo é lingüístico e o mundo é para nós na medida em que vem à fala, ou seja, pela mediação da linguagem.
Daí porque a afirmação central da filosofia, segundo a hermenêutica[14], é “o mútuo pertencer da palavra e da coisa”. Qualquer tentativa de desvincular-se da linguagem já é lingüisticamente mediada o que manifesta a universalidade da linguagem. O mundo se apresenta na linguagem e por esta razão Gadamer[15] designa a experiência lingüística do mundo como “absoluta”: ela transcende todas as relatividades de posição do ser, porque ela abrange todo ser em si em quaisquer relações (relatividades) em que ele sempre se mostra. O caráter lingüístico de nossa experiência do mundo é anterior a qualquer coisa que possa ser conhecida e nomeada como sendo, ele é, portanto, condição de possibilidade e de validade da compreensão e da experiência humana do mundo enquanto tal.
Ora, tanto a ciência como a filosofia e a teologia têm a ver com exposição, ou seja, com articulação do saber que ocorre no seio da linguagem. Nesta ótica, a linguagem emerge como a instância de expressividade do mundo de tal modo que na estruturalidade da linguagem se pode ler a estruturalidade do mundo[16] de acordo com os diferentes níveis teóricos antes mencionados, ou seja, nas ciências, na filosofia e na teologia. L. B. Puntel[17] diferencia neste contexto três atitudes originárias do ser humano frente a seu mundo: a teoria, a prática e a estética. Se faz parte de toda atividade humana uma articulação com o mundo, o que está em jogo no caso peculiar da atividade teórica é uma relação que antes de tudo se exprime através do meio da linguagem com um objetivo preciso: o conceituar o mundo (a realidade) nele mesmo uma vez que qualquer empreendimento teórico tem como tarefa primeira compreender, conceituar, explicar ou articular algo determinado. Numa palavra, trata-se de um discurso estruturado na perspectiva da verdade, ou seja, com a pretensão de exprimir como as coisas são de maneira contingente ou necessária[18].Na perspectiva de um idealismo pragmático, N. Rescher[19] acentua que o imperativo da compreensão é algo básico na vida humana, pois o “Homo sapiens” é também o “Homo quaerens[20]”. Daí porque a demanda por compreensão é uma das mais fundamentais da condição humana[21]. Nós animais racionais temos que alimentar nossos espíritos tanto quanto alimentamos nossos corpos. Temos interrogações e com isto a necessidade de respostas.
Ora, na linguagem, que é a instância em que nos situamos enquanto seres teóricos, as sentenças têm a primazia, porque, como afirma Frege, “Somente no contexto de uma sentença, as palavras têm um significado[22]”. Uma sentença expressa alguma coisa e enquanto tal exprime uma relação entre linguagem e mundo, ou seja, exprime um determinado sector do mundo, exprime informação sobre o mundo. Desta forma, seu objetivo preciso é dizer como o mundo, ou o sector do mundo em si é, como ele ocorre[23] e enquanto tal ela implica em si mesma a pergunta pela legitimação desta pretensão[24] fazendo-se assim um conhecimento auto-responsável[25].
Desta forma, as teorias, enquanto tais, executam uma redução da linguagem humana a um de seus objetivos fundamentais, ou seja, à apresentação do mundo que é justamente o que demarca a teoria frente às outras duas dimensões fundamentais do existir humano no mundo. Mas a concentração numa dimensão específica da linguagem não se contrapõe à pretensão de radicalidade: as teorias pretendem ser verdadeiras, isto é, são uma atividade determinada, cujo produto, expresso lingüisticamente, pretende exprimir como o mundo (o universo, o ser) se comporta. Portanto, a teoria enquanto apresentação é a dimensão da expressividade do mundo que ocorre na linguagem humana. Daí porque suas sentenças são sentenças declarativas justamente porque o que nelas está em jogo é como o mundo está e não como ele pode, deve ou tem que estar.
Para a compreensão apropriada deste objetivo é necessário levar em consideração a diferença entre as linguagens ditas naturais – normais, empregadas pelos diversos grupos humanos, cuja peculiaridade é se constituírem em primeiro lugar como processos de comunicação que podem ter vários níveis ou aspectos – e as linguagens artificiais – as construídas (as linguagens próprias das teorias[26]), que possuem como objetivo central a apresentação descritiva ou teórica do mundo. As linguagens naturais contêm certamente também de modo muito parcial ou reduzido a dimensão da apresentação do mundo e com isto possuem pelo menos implicitamente elementos teóricos. Todos estes elementos estão aqui, contudo, submetidos à finalidade específica destas linguagens que é a comunicação intersubjetiva.
No nível das teorias, no sentido estrito, sucede a transformação: apesar de nelas estarem presentes elementos de comunicação, sua finalidade própria é a apresentação do mundo. O que justamente especifica a teoria é uma linguagem centralizada na apresentação do mundo e a diferença se manifesta no fato de que uma linguagem em que há primazia da dimensão comunicativa se centraliza na relação com os outros parceiros. Na teoria é a “coisa” que passa para o primeiro plano e, conseqüentemente, a pretensão exclusiva aqui é a da objetividade. Assim, o objetivo da linguagem científica e da linguagem teológica, que são teóricas, é a expressão do mundo ou de suas partes. Isto significa dizer que, enquanto teoria, ela situa algo no espaço que Frege denominou o “terceiro reino”, Popper o “terceiro mundo[27]”, Sellars o “espaço de razões[28]” e McDowell o “caráter ilimitado do conceitual[29]”, ou seja, para Puntel um estado de coisas dado entra neste espaço enquanto é articulado no quadro de uma teoria, no espaço das razões. Numa palavra, num sentido genérico se pode dizer que o específico da teoria é transcender o simples “dado” já que todo dado só é dado, isto é, articulável, exprimível, no interior de um quadro teórico[30]. Se ciência e teologia são entendidas aqui estritamente enquanto teoria, então, antes de tudo faz-se necessário esclarecer a dimensão teórica em geral e a concepção de uma teoria científica e de uma teoria teológica em particular.
Neste contexto, uma das questões básicas é a tese[31] de que toda interrogação teórica, toda sentença teórica, argumentação, toda teoria só é compreensível e avaliável no contexto de um “quadro teórico” do contrário tudo permanece indeterminado. A cada quadro teórico pertencem enquanto momentos constitutivos uma linguagem, com sua sintaxe e sua semântica, uma lógica e uma conceitualidade com todos os componentes que constituem um aparato teórico. Neste sentido, deve-se dizer, por exemplo, que um quadro teórico perpassa todo o processo de conhecimento de um campo do saber em todas as suas fases e dimensões. Já é a partir dele que se tomam decisões a respeito da escolha dos problemas a serem investigados, ele constitui a ótica de relevância para o exame da tradição de investigação em questão como também fornece os critérios para as pesquisas auxiliares. Na vida quotidiana, os quadros teóricos são implícitos enquanto nos conhecimentos que vão além de sua esfera estes quadros se tornam explícitos, o que torna estes conhecimentos um saber de autoridade que pode dirigir-se tanto às manifestações de superfície como aos aspectos estruturais determinantes dos diferentes campos do real (no caso das ciências se fala aqui de sua legalidade). Ora, há de fato uma pluralidade de quadros teóricos e cada quadro teórico possibilita sentenças verdadeiras, mas não no mesmo nível. São verdades relativas ao quadro teórico em questão. A primeira pergunta que daqui emerge é sobre a especificidade do status teórico das ciências em sua diferença para com o status teórico das teologias.
Se teoria se articula em sentenças, a primeira pergunta aqui é sobre o status das sentenças das ciências o que claramente não é uma pergunta das próprias ciências, mas da filosofia como aquele saber das estruturas universais do universo ilimitado do discurso humano[32] e que por isto inclui também um saber sobre o saber científico. O próprio curso das perguntas nos conduz a um procedimento importante para a explicitação do status teórico das sentenças das ciências: sua comparação com a filosofia. A filosofia enquanto teoria das estruturas universais da totalidade do discurso, ou seja, do ser em seu todo, considera, em cada campo particular do real, precisamente as estruturas universais. Por exemplo, considerando o mundo natural na medida em que ele é parte do ser em seu todo, ela busca conceituar as estruturas universais neste campo, enquanto que as ciências tentam conceituar nos diferentes campos justamente as estruturas particulares ou específicas de cada campo o que implica neste nível geral uma diferença clara do status teórico das respectivas sentenças das duas formas de teoria. Isto significa dizer que a filosofia considera qualquer realidade a partir da perspectiva da universalidade, ou seja, do ser em seu todo.
Numa palavra, a filosofia considera seus objetos a partir de estruturas que são constitutivas para o ser em seu todo e para cada um de seus campos enquanto que as ciências tratam seus objetos a partir de uma perspectiva particular, específica dos diferentes campos, com a finalidade de sua compreensão e não simplesmente de acumular fatos. Isto tem como conseqüência que mesmo que como hoje as ciências busquem considerar o todo do mundo experimentável pelo ser humano, sua consideração é sempre feita a partir de uma ótica particular. Se elas se elevassem a uma consideração numa perspectiva das estruturas universais, teríamos que dizer que abandonaram o específico de uma teoria científica.
L. B. Puntel[33] faz aqui uma distinção de grande significação para a compreensão desta questão. As estruturas universais são constitutivas do ser em seu todo e de cada campo do ser. Faz-se necessário, contudo, para especificar melhor a diferença entre o status teórico das ciências e o status teórico da filosofia, distinguir entre estruturas universais absolutas e estruturas universais relativas. As estruturas universais absolutas são para o ser em seu todo em sentido próprio e estrito, ou seja, para o Ser no sentido estritíssimo do que a grande tradição metafísica do ocidente conhecia como os transcendentais, por exemplo, a verdade, a bondade, etc. As estruturas relativamente universais são aquelas que dizem respeito não ao ser enquanto tal, mas às relações de cada ente singular com o ser em seu todo. Têm a ver, portanto, com as estruturas que constituem o lugar sistemático de cada ente ou cada campo de entes. A diferenciação bem fundamentada de diferentes campos de ser se baseia justamente na diferenciação de diferentes estruturas.
Em contraposição a esta ótica da filosofia, as ciências consideram os seus respectivos campos de trabalho a partir de uma perspectiva particular e tentam descobrir as estruturas particulares. Particular aqui significa dizer respeito ao singular sem consideração da universalidade, nem mesmo no sentido relativo. Claro que apesar da distinção conceitual rigorosa entre as duas esferas do saber, na prática de ambos os conhecimentos as fronteiras são fluidas e há extrapolações em ambas as direções. Para a consideração posterior com o status teórico das teologias se faz necessário perguntar o que nos fornece uma consideração das estruturas particulares dos entes. Na perspectiva das ciências, ou seja, das estruturas particulares, capta-se a estruturalidade interior de um determinado ente ou de um determinado campo de entes.
Isto significa, em última instância, uma consideração não adequada dos entes ou dos campos de entes uma vez que pertence à estrutura plena dos entes ou dos campos de entes uma relação aos demais entes ou ao ser enquanto tal. É isto que consegue tematizar precisamente uma consideração das estruturas relativamente universais que é de ordem filosófica. Por outro lado, esta consideração só consegue isto, portanto, não atinge o particular na sua particularidade o que significa dizer que uma consideração adequada do real exige as duas perspectivas teóricas como essencialmente complementares. Por isto cada uma destas perspectivas teóricas depende da outra quando se trata de compreender e conceituar adequadamente entes ou campos de entes.
2)Teologias enquanto conhecimento da totalidade do real no horizonte da autocomunicação livre de Deus.
A consideração da totalidade do real em si mesma é em primeiro lugar uma tarefa da filosofia, cujo discurso é co-extensivo à totalidade do ser. Ele tematiza precisamente aquilo que constitui o para onde da intencionalidade do espírito humano[34], que é o todo que abrange simplesmente tudo, ou seja, tudo o que pode ser conhecido e/ ou pensado: “... a totalidade do Ser... é um elemento integrante da estrutura e do status ontológico do nosso pensamento[35]”. A filosofia é aquele tipo de conhecimento que tem como seu específico o esforço de apreensão conceitual da própria totalidade do ser a partir das estruturas constitutivas da linguagem, as estruturas formais, semânticas e ontológicas. A consideração da totalidade do ser nos leva à compreensão de que ela só pode ser entendida enquanto consistindo numa dimensão absoluta (absolutamente necessária) e numa dimensão não-absoluta, contingente.
A filosofia, enquanto pensamento integrativo, desemboca, então, em seu cerne, em afirmações sobre o Absoluto enquanto fonte incondicionada de toda e qualquer realidade, ou seja, sua tarefa específica é a tematização do fundamento que subjaz a toda e qualquer realidade. Ela se situa, de antemão, no nível de uma interpretação oniabrangente da realidade, que tematiza a unidade e a diferença de todas as coisas e as estruturas universalíssimas que enquanto tais são estruturas de toda e qualquer realidade. Enquanto saber da totalidade do ser tanto suas perguntas como suas sentenças se distinguem fundamentalmente das perguntas e das sentenças das ciências. Precisamente enquanto fundamento absoluto de tudo, a dimensão absoluta não pode constituir um momento singular da totalidade dos entes contingentes, não pode constituir um fator singular na série dos fenômenos, ou seja, no interior do mundo plural[36] que é objeto de investigação das ciências, mas antes põe este mundo e o sustenta.
Na ótica das ciências, que buscam compreender os entes através de suas estruturas particulares, a totalidade do ser e conseqüentemente a dimensão absoluta não constituem objeto de consideração, portanto, elas têm o direito de ignorar a dimensão absoluta do real e a leitura da realidade a partir de sua referencialidade essencial ao Absoluto o que não significa dizer que ela possa absolutizar sua própria forma de ver o real considerando as ciências como o único conhecimento válido da totalidade do real o que também vale para a filosofia e a teologia[37]. Por esta razão, a filosofia em sua especificidade é autônoma e não necessita propriamente de uma legitimação científica, embora seja complementar a ela. Isto não significa dizer que os cientistas enquanto seres humanos não se vejam confrontados com as perguntas metafísicas.
O passo reflexivo seguinte consiste em mostrar que a dimensão absoluta da totalidade do real só pode ser entendida enquanto um absoluto pessoal, um ser dotado de inteligência, vontade e liberdade o que significa dizer que a existência da dimensão contingente por sua vez só pode ser compreendida a partir de um ato da dimensão absoluta que se pode designar adequadamente como criação. Isto implica que o Absoluto, enquanto ser necessário, incondicionado sem o que o contingente é ininteligível, não só se diferencie radicalmente de todas as esferas dos entes contingentes, mas que igualmente seja intimamente presente em tudo[38] de tal forma que cada realidade se revele como uma forma específica de manifestação do Absoluto[39]. Sem dúvida, enquanto fundamento absoluto de tudo, o Absoluto se diferencia radicalmente de todo e qualquer ente contingente que por definição não possui seu próprio ser, mas o recebe. O Absoluto emerge, assim, como o último fundamento do ser contingente e o contingente, em tudo o que é, como produzido pelo Ser Necessário de tal modo que os entes contingentes na medida em que só são pela participação no Absoluto[40] constituem uma comunidade ontológica apesar de todas as suas diferenças.
Tudo isto significa dizer, que a filosofia trabalha com a unidade de opostos: O Absoluto, em sua incondicionalidade e plenitude de ser, é radicalmente distinto do mundo, portanto, transcendente; por outro lado, Ele, em virtude mesmo de sua transcendência absoluta, está presente em tudo, perpassa tudo, é radicalmente imanente a tudo[41]. Aqui está o fundamento tanto da unidade como da diferença de todas as coisas: cada ente está em comunhão com cada ente e se diferencia de todos na base de sua forma de participação no fundamento absoluto de tudo. Numa palavra, o ente contingente se une ao outro e, ao mesmo tempo, transcende o outro na medida de seu grau de participação no Absoluto, o que significa dizer que o Absoluto, o ser perfeito, é imanente a tudo da forma mais perfeita possível, ou seja, é idêntico a tudo que Dele recebe o ser na forma de participação e, por outro lado, transcende, de forma perfeita tudo, o que Nele participa[42] e Dele recebe o ser como seu ser próprio, portanto, distinto do Absoluto. Trata-se de pensar a presença do Absoluto no mundo e a presença do mundo no Absoluto[43] que existe de uma forma radicalmente diferente do mundo e, por esta razão, não pode ser compreendido de modo mundano (cientificamente). O Absoluto se fundamenta a si mesmo e a todas as outras realidades enquanto elas são o que existe através da participação no Absoluto. E, neste sentido, sua presença penetra todo o universo. Por outro lado, isto implica dizer que é só neste nível de saber que podem ser postas as questões a respeito da estrutura ontológica do ser humano, do sentido de seu existir, de sua vocação última.
O Absoluto emergiu na consideração radical da filosofia como ser pessoal, inteligente e livre. Isto tem implicações fundamentais para a passagem da filosofia para um novo quadro teórico: o da teologia. Uma compreensão mais determinada da dimensão absoluta enquanto criador absoluto livre só nos é possível através de uma consideração da história enquanto história de suas ações livres[44], isto é, através da história das religiões que precisamente levantam a pretensão de tematizar a inteligibilidade imanente a este evento da autodoação livre de Deus[45]. A filosofia parte dos fenômenos concretos da experiência cotidiana até chegar a articular uma teoria compreensiva do universo, do sentido fundamental de tudo, tematizando em última instância o Ser Absoluto, Criador e Conservador da totalidade dos entes finitos e contingentes como princípio de unificação em relação a esta totalidade, princípio que enquanto tal se revela como o sentido supremo de tudo e de cada ente. De forma análoga, também a teologia situa-se no nível do pensamento integrativo e, assim, ela continua, a partir de um outro horizonte, o horizonte das ações livres do Absoluto na história, ou seja, da história que o Absoluto inicia com a humanidade em que Ele se revela em sua autocomunicação, a mesma tarefa da filosofia: articular uma compreensão da realidade enquanto totalidade.
As teologias são um discurso humano, portanto, uma atividade em que o que está em jogo é a articulação teórica da inteligibilidade[46], no caso específico, do próprio conteúdo da fé[47] enquanto acolhimento da autocomunicação de Deus à humanidade[48] como evento salvador, e enquanto tal um tipo especial de exercício racional que implica a consciência de si mesmo e autocontrole, mas que não é apesar de elementos comuns o discurso das ciências nem simplesmente o da filosofia, embora no contexto global do saber humano tenha que ser dito complementar a estes discursos[49]. Por esta razão ela é uma atividade situada no seio da linguagem humana pressupondo tudo o que qualquer discurso humano pressupõe[50], tanto as estruturas fundamentais da linguagem (as formais, as semânticas e as ontológicas) quanto os condicionamentos históricos inclusive os ideológicos que são momentos dos mundos vividos[51] em que estão inseridas[52].
Além disto, enquanto discurso sobre a totalidade do real, ela pressupõe o discurso da totalidade que a precede, o da filosofia[53] como todo o campo do conhecimento das estruturas particulares dos entes nas ciências[54]. Por isto a teologia pressupõe, em primeiro lugar, filosoficamente, a fala sobre Deus como Criador do mundo e do ser humano, isto é, como a fonte comum do eu e do mundo, o que significa dizer que sua fala sobre Deus se relaciona a uma compreensão global do ser humano e do mundo como pressupõe igualmente a fala sobre o ser humano e o mundo do discurso científico. Se Deus, como diz W.Pannenberg[55], deve ser entendido como a realidade que determina todas as realidades, então, tudo tem que se mostrar determinado por esta realidade e, sem ela, permanece, em última instância, ininteligível.
Na interpretação cristã da história da salvação realizada por Deus se aponta para o centro da mensagem de Jesus em sua história que foi o Reino de Deus[56] que é a soberania do perdão, da misericórdia e do amor. O Reino enquanto plano amoroso de Deus para a humanidade fundamentalmente é Deus agindo no mundo humano e no cosmos, dom do Pai (Lc. 12, 32), graça de Deus e também interpelação radical da vida humana, uma realidade abrangente, projeto livre e gratuito de Deus, que gera o sentido último da história. A grande utopia da vida, a articulação de um sentido radical, aqui se historifica no caminho de vida de Jesus[57] e que por meio de sua ressurreição[58] realiza em plenitude o desígnio de Deus que já estava em ação durante toda a história e por isto humaniza em plenitude a humanidade. Em Jesus ressuscitado se revela a salvação de todo e qualquer homem[59] e os destinatários privilegiados e os protagonistas na construção desse reino[60] são precisamente os representantes do velho mundo, os pobres e os pecadores[61]. O Reino é assim a esperança que se fez possível de justiça, verdade, bondade, isto é, de um sentido radical para a história humana, o que implica uma convivência humana toda renovada[62].
Ele é, assim, a antecipação de um mundo novo no qual é garantida a salvação mesmo aos derrotados da história[63]. A dor, o sofrimento[64], o não-sentido, a morte, não possuem mais a palavra definitiva na história humana. É por essa razão, então, que sua práxis pode defrontar-se com toda e qualquer práxis humana, pois nela se revela o sentido capaz de dar orientação e rumo a tudo o que o homem empreende em seu agir histórico[65]. É no horizonte do Reino que o discípulo de Jesus[66] pode definir o caráter e o sentido de sua vida[67] (Mt 13,44-46) e de sua vocação[68]. Toda a tradição religiosa cristã entende a si mesma como recordação e testemunho da mensagem e da práxis de Jesus e, sobretudo, de sua realização suprema na morte e na ressurreição, que na realidade constitui a visualização do dinamismo do amor infinito de Deus que marca a história humana. Por esta razão ela lê na práxis do Reino, enquanto futuro da humanidade e do cosmos, uma “antecipação prática[69]” de um reino universal de justiça, de paz e de amor, de todos e para todos, com Deus que, enquanto Deus da vida, da gratuidade, do amor e da misericórdia, é ponto central e o fator de unidade dessa comunidade solidária.
Nesta perspectiva, o Reino de Deus constitui para os discípulos de Jesus, que se caracterizam por uma participação consciente no plano amoroso universal de Deus, uma interpelação para uma visão e um estilo de vida novos, uma vez que Jesus mostra, em sua caminhada de vida, quem é o homem e qual o sentido de sua vida no todo do real: o discípulo tem acesso ao Reino por meio de uma atuação nova que significa a acolhida do estilo de vida de Jesus, enquanto práxis do Reino, como seu próprio caminho (o Reino é dom e exigência ao mesmo tempo: Mt 18,23-35). Engajamento pelo Reino de Deus implica recusa a aprovar um mundo que viola com suas teorias e suas práticas os direitos mais fundamentais do ser humano. Aceitar o reino significa, então, resgatar a vida e a integridade humanas, reerguer os desprezados e marginalizados, contagiar de esperança os desanimados, devolver a dignidade de todo ser humano pisado, proclamar a libertação dos cativos e a evangelização dos pobres (Lc 4, 18-19), pois pela Encarnação o próprio Deus se fez “a imagem do ser humano maltratado e oprimido, desprezado e humilhado[70]”.
Não há Reino sem mudança radical de vida, isto é, sem ruptura, sem rejeição de sentidos precedentes e a aceitação do sentido novo apreendido no caminho de vida de Jesus, pois nele o Reino e sua justiça são postos ao alcance do ser humano de tal maneira que podemos dizer que o sentido total se fez “presença histórica” através da história de Jesus, que, como Messias servo sofredor, assumiu o peso da história carregado por suas vítimas, e também através de seu seguimento faz-se presente, em primeiro lugar, nos sofredores, nos fracos, nos pobres e condenados do mundo, em todos os crucificados da história: aí mora a força histórica do Deus da vida, que nos interpela para a efetivação da justiça e do amor entre os homens.
Essa práxis dos cristãos na história, na medida em que assume as exigências do Reino, como uma forma de vida que engloba as diferentes dimensões do ser humano, atualiza a práxis de Jesus nas diversas situações históricas. É nessa práxis que Deus se manifesta como fonte e fundamento último da liberdade humana, portanto, enquanto salvação, para vivos e mortos, para toda a humanidade, deforma primeira para os humilhados da história: “Deus mora no grito e no lamento do pobre. Esta é a teofania mais divina. O clamor e, ao mesmo tempo, o protesto de Deus contra a injustiça sofrida pelos seus filhos e filhas, e, também, a certeza de seu socorro. É aqui o lugar onde irrompe o Reino[71]. O Reino de Deus é, assim, um dinamismo de libertação que fermenta a realidade histórica recuperando a esperança humana:“ No reino da finitude, oferece-se o infinito; na morte a vida; na treva, a luz; numa história humana, a história de Deus[72]”.
A teologia se compreende a si mesma como a explicitação teórica, portanto, com uma nova articulação lingüística, deste sentido acolhido na fé, que em si mesma já contém uma pré-teologia no sentido de que todo dado já está sempre situado num quadro teórico, no caso aqui num quadro teórico do mundo vivido religioso[73]. Esta dimensão cognitiva do ato de fé é desdobrada pela teologia enquanto teoria[74] que procura a inteligibilidade deste sentido acolhido na fé, sentido que se choca inevitavelmente com o não-sentido de teorias e práticas humanas e, nesse choque, ele constitui sempre um estímulo para alternativas teóricas e práticas a fim de conduzir a vida humana a formas mais humanas de vida[75]. As teologias constituem, então, o momento teórico desta práxis realizadora do Reino, quer dizer, seu momento consciente e reflexo[76] o que implica dizer que elas têm como tarefa explicitar o sentido da totalidade do real a partir da ação livre de Deus que constrói seu Reino na história humana rumo a uma realização definitiva.
Observações finais.
A questão central das relações entre ciências e teologias se concentrou em primeiro lugar na explicitação da diferença entre os quadros teóricos respectivos e as formas diferenciadas de sentenças correspondentes aos quadros teóricos em questão. O resultado é que existe uma vinculação muito mais profunda entre ciências e respectivamente filosofias e teologias do que o puro interesse pelo fato das ciências constituírem fator determinante de nossa cultura ou no que diz respeito à eficácia dos engajamentos dos crentes no mundo. Do ponto de vista do saber humano vimos que nenhuma das formas de saber pode, em virtude do objetivo específico de cada um dos quadros teóricos, ter um saber plenamente adequado da realidade e que por esta razão mesma são mutuamente complementares pressuposto que não haja extrapolação dos quadros teóricos específicos e de sua respectiva leitura da realidade. No que dizer respeito especificamente à teologia que é o esforço teórico de tematização da auto-revelação e autocomunicação de Deus à humanidade na história sua busca de exprimir a inteligibilidade do todo da realidade a partir do evento da ação de Deus na história humana a interpela a levar em consideração todo o campo de suas pressuposições, os saberes científicos, filosóficos e mesmo os saberes comuns, a fim de poder cumprir sua tarefa própria. Isto se constitui pressuposto inevitável para que sua palavra possa ser devidamente compreendida.
No entanto, embora não haja conflito em princípio entre teologias e ciências, a prática de ambas tem levado a conflitos grandes que muitas vezes decorrem da não consideração da diferença dos níveis dos discursos. Um exemplo claro é a relação entre as atuais cosmologias de um lado e as filosofias e teologias de outro. As ciências contemporâneas têm questionado de diferentes formas o procedimento analítico[77] que produziu uma visão fragmentada do mundo e buscam agora re-conquistar a unidade fundamental da natureza[78], do universo como um todo. A idéia orientadora que se está consolidando é que o universo é composto de muitos elementos que se articulam entre si como uma grande teia de relações. A inadequação do procedimento analítico consiste precisamente em sua impossibilidade de captar através de seu quadro teórico a unidade fundamental que reúne todas as partes do universo, o que permite pensá-lo como um ser único, complexo, diversificado e dinâmico. Emprega-se hoje a palavra cosmologia para designar uma teoria física sobre a origem, o desenvolvimento e a estrutura da totalidade do cosmos físico e se utiliza para isto a expressão “theory of everything”.
St. Hawking[79] concentrou-se de modo especial sobre a questão da origem do universo e afirma, a partir de teoremas que julga ter demonstrado juntamente com R. Penrose, que o universo tem que tido um começo, a explosão inicial. Neste ponto inicial a densidade do universo e a curvatura do espaço-tempo eram infinitas. Este ponto é denominado por matemáticos de uma singularidade. A questão central aqui é que todas as teorias científicas pressupõem que o espaço-tempo é liso e quase plano o que significa dizer que neste ponto as leis científicas perdem sua validade. Como o próprio tempo surgiu com a explosão inicial, então, fica claro neste ponto de vista que a pergunta pela origem do universo pode ser decididamente respondida: o universo começou com esta explosão inicial e qualquer outra instância como, por exemplo, um criador é inútil para enfrentar esta problemática.
Desde então, há grandes controvérsias sobre o status destas teorias físico-cosmológicas entre cientistas filósofos e teólogos. Os dois extremos do debate são: alguns filósofos e teólogos dão uma interpretação criacionista à teoria da explosão inicial. Outros, ao contrário, consideram que as teorias científicas da origem do universo tornaram qualquer outra explicação destituída de qualquer significação. A emergência do universo não tem causa, ele surgiu espontaneamente[80]. Por tudo o que foi anteriormente dito, trata-se aqui de ambas as partes de mal-entendidos que se fundam no fato de que não se leva em consideração o status específico do quadro teórico em questão: de um lado o das ciências e do outro o da filosofia e da teologia[81].
Assim, por exemplo, quando um cientista fala da origem do universo no interior de seu quadro teórico próprio, fala de um ponto inicial no passado (já se pressupõe aqui a existência do tempo). Dizer que o universo teve sua origem ou começo neste ponto significa dizer que o universo físico a partir precisamente deste ponto é explicável como um todo estruturado segundo as leis científicas da natureza conhecidas. Se se leva em consideração a estrutura de uma ciência, seu objetivo fundamental e a natureza de suas sentenças, então, se pode dizer que a cosmologia explica a origem e o começo do universo. Neste quadro não se pode falar de emergência do universo ex nihilo, como posição atemporal do universo enquanto tal, como falam a filosofia e teologia, pois no quadro teórico das ciências é fundamental a pressuposição do ponto inicial enquanto existente. Portanto, aqui não pode emergir a pergunta pelo próprio existir deste ponto e da totalidade dos entes contingentes que daqui se originam. O que uma teoria físico-cosmológica do universo pode fazer é reconduzir um ponto do universo, por exemplo, o mundo atual, a um outro ponto, o ponto inicial, que na realidade é apenas um algo que não é estruturado de acordo com as leis científicas conhecidas.
A pergunta filosófico-teológica sobre a origem do universo tem a ver fundamentalmente com o ser ou a existência do universo enquanto tal, ou seja, com seu caráter absoluto ou contingente de tal modo que a afirmação (ou sua negação) sobre a criaturalidade do universo não é nem pode ser uma afirmação físico-cosmológica, mas só pode ser filosófico-teológica no sentido de que a criação não pode ser entendida como um evento no início do tempo, mas tem a ver com a relação permanente entre o ser absoluto e o ser contingente. O que se afirma aqui é que a totalidade do ser ou a totalidade de todos os entes consiste numa dimensão absoluta e numa dimensão não-absoluta e que, portanto, os entes contingentes por definição não podem existir sem o Absoluto, pressupõem para seu existir um ato do ser absoluto[82]. O filósofo e o teólogo afirmam assim que simplesmente tudo o que não é Deus é criado pelo único Deus, ser absoluto pessoal, portanto, espírito absoluto, inteligibilidade e amor absolutos, igualmente acima de tudo, enquanto ele não constitui um momento essencial constitutivo dos entes criados, e imanente radicalmente a tudo como criador de tudo. Tudo tem a marca fundamental de sua criaturalidade e neste sentido todos têm que constituir uma comunidade ontológica última[83], uma unidade fundamental do universo na diferença.
St. Hawking modificou neste ínterim sua teoria, o que não importa neste contexto para o que se propôs que era apenas mostrar um exemplo de conflito proveniente da falta de determinação do estatuo teórico de ambos os discursos. Sua atual teoria continua uma teoria que tem a ver com o que acontece no interior do universo e, assim, não diz respeito ao universo enquanto tal, ou seja, ao estatuto de ser do universo[84], portanto, não houve modificação na estrutura de seu discurso, no nível de inteligibilidade do universo.

[1] Cf. OLIVEIRA M. A de, O positivismo tecnológico como forma da consciência contemporânea, in: A Filosofia na Crise da Modernidade, 3. ed., São Paulo: Loyola, 2001, p. 73-83.
[2] Que exerce um papel cada vez mais importante na configuração da vida humana individual e social. Cf. PUNTEL L.B, A teologia cristã em face da filosofia contemporânea, in: Síntese Nova Fase, v. 28, n. 92 (2001)364-365: „.... nenhum povo, nenhuma nação, nenhuma cultura pode hoje rejeitar de modo radical o grande processo científico, já que a estrutura central da comunidade mundial é decidamente marcada por esta dimesão científica. Esta dimensão é o mais poderoso fator unificante da humanidade“.
[3] Cf. SHAFF A., A Sociedade Informática, 4ª., São Paulo: Editora Unesp/ Editora Brasiliense, 1993, p. 129 e ss.
[4] Cf. RAHNER K, Teologia e ciência, São Paulo: Paulinas, 1971, p. 37 e ss.
[5] O que implica pressupostos para a teologia. Cf. RITO H., Introdução à Teologia, Petrópolis: Vozes, 1998, p. 99: “... porque a teologia, para entrar num diálogo construtivo com as demais ciências, deve ser um conhecimento sério, rigoroso e digno de ser levado a sério pelas demais ciências”.
[6] Cf. RAHNER K., Philosophie und Philosophieren in der Theologie, in: Schriften zur Theologie, vol. VIII, Einsiedeln/ Zürich/ Köln: Benziger Verlag, 1967, p. 84.
[7] Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft und vernünftiger Glaube, in: Bilanz des Glaubens. Antworten des Theologen auf Fragen unserer Zeit, München: DTV, 1985, p. 31.
[8] M. Bunge considera a consciência que se gestou depois da segunda guerra mundial sobre o papel fundamental das teorias nas diversas ciências, inclusive nas ciências não físicas, a maior revolução científica desde o nascimento da teoria atômica contemporânea. Cf. BUNGE M., Teoria y Realidad, Barcelona: Editorial Ariel S. A., 1985, p.9 e ss.
[9] A respeito de uma crítica à oposição radical entre razão e fé que na teologia conduziu à negação de seu estatuto teórico cf. COLOMBO G., La ragione teologica, Milano: Glossa, 1995.
[10] Cf. McDOWELL J, Mind and World, With a New Introduction, Cambridge/ London: Harvard University Press, 1996, p. 34.

[11] Cf. McDowell J, Mind and World, op. cit., p. 27.
[12] Neste contexto afirma Puntel que semântica e teoria dos entes, respectivamente do ser, se situam numa relação de reciprocidade fundamental. Isto significa dizer que semântica e ontologia são dois lados da mesma medalha, ou seja, eles se implicam mutuamente e são mutuamente imbricadas de tal forma que se uma ontologia se mostrar insustentável é também insustentável a semântica ligada a ela ou o contrário o que para Puntel significa já a demonstração da tese da mútua imbricação entre ontologia e semântica. Cf. PUNTEL L. B.,Grundlagen einer Theorie der Wahrheit, Berlin/ New York: de Gruyter, 1990, p. 129.

[13] Cf. WITTGENSTEIN L., Philosophische Untersuchungen, Frankfurt am Main; Suhrkamp, 1967, && 101-104, 379-380, 384, 737.
[14] Cf. GADAMER H-G, Wahrheit und Methode, 2ª. Ed., Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1960.
[15] Cf. GADAMER H-G, op. Cit., p. 426.
[16] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein. Ein Theorierahmen für eine systematische Philosophie, Tübingen: Mohr Siebeck, 2006, p. 130.
[17] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 99 e ss.
[18] Cf. PUNTEL L.B, A teologia cristã em face da filosofia contemporânea, op. Cit., p. 361.
[19] Cf. RESCHER N., A System of Pragmatic Idealism, vol. I: Human Knowledge in Idealistic Perspective, Princeton/ New Jersey: Princeton University Press, 1992, p. 4.
[20] Para Kutschera tanto na vida quotidiana quanto nas ciências não se trata simplesmente de constatar fatos, mas da compreensão de por que as coisas são assim e se comportam de determinado modo. Daí porque para ele todo o procedimento das ciências da natureza, por exemplo, consiste em explicar os fenômenos a partir de suposições sobre uma realidade que subjaz aos fatos e que permite compreender diferentes fatos a partir de poucos princípios unitários. Neste sentido, o empirismo é extremamente restritivo frente aos procedimentos das ciências da natureza Cf. KUTSCHERA F. von, Die Teile der Philosophie und das Ganze der Wirklichkeit, , Berlin/ New York: de Gruyter, 1998, p. 102.
[21] O que vale também para o crente enquanto ser humano que é. Cf. BOFF C., Teoria do Método Teológico, Petrópolis: Vozes, 1998, p. 27: “.... a fonte do dinamismo teológico se situa na natureza do próprio espírito humano. Esse representa uma estrutura aberta, interrogativa.... esse dinamismo se exerce também, e de maneira eminente, sobre o conteúdo da verdade da fé”.
[22] Cf. FREGE G, The Foundations of Arithmetik, 2ª. Ed., Oxforf: Blackwell, 1953, p. 62.
[23] Cf. WITTGENSTEIN L, Tractatus logico-philosophicus, ed. por SANTOS L. H. L. dos, São Paulo; Edusp, 1993, p.201: 4.5.... “A forma proposicional geral é: as coisas estão assim”.
[24] Cf. RESCHER N., A System of Pragmatic Idealism, op. Cit., p. 5-6: “Rationality thus involves the capacity “to give an account” _ to use one`s intelligence to provide a rationale for what one does that establishes its appropriateness”.
[25] Spinner neste contexto fala de que toda teoria é ”uma especulação sistemática controlada”. Cf. SPINNER H. F., Theorie, in: KRINGS H./ BAUMGARTNER H. M./ WILD CH. (org.), Handbuch philosophischer Grundbegriffe, vol. 5, München: Kösel-Verlag, 1974, p. 1486-87.
[26]Para alguns é a racionalidade operatória que caracteriza as ciências modernas Cf. LADRIÈRE J., A Articulação do Sentido, São Paulo: E.P.U./ Edusp, 1977, p. 173: “Compreendemos a natureza, tentando, à nossa maneira, imitar suas operações, refazendo, por nossa conta, o desenrolar-se dos fenômenos cujos vestígios podemos registrar. Nossas explicações são, na realidade, produtoras; nossas teorias produzem o que a natureza produz, permitem reconstituir no abstrato, na forma de modelos analógicos, o encadeamento concreto dos fenômenos reais”
[27] Cf. POPPER K., Objective Knowledge: An Evolutionary Approach, Oxford: Oxford University Press, 1972.
[28] Cf. SELLARS W, Empiricism and the Philosophy of Mind, terc. Ed., Cambridge/ London: Harvard University Press, 2000, n. 29, p. 36.
[29] Cf. McDOWELL J, Mind and World, op. Cit., p. 24 e ss.
[30] É neste sentido genérico que H.F. Spinner afirma serem as teorias o substrato do conhecimento humano de que o ser humano em todos os tempos e culturas se serviu para compreender criticamente o mundo e alcançar um controle cognitivo sobre seu contorno. Cf. SPINNER H. F., Theorie, op. Cit., p. 1486.
[31] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 11 e ss.
[32] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 344.Uma tese sempre de novo explicitada por Fichte no quadro teórico da filosofia transcendental em suas diferentes versões da Doutrina da Ciência em que a filosofia emerge como a „ciência das ciências“. Cf. OLIVEIRA M. A. de, Para além da fragmentação. Pressupostos e objeções da dialética contemporânea, São Paulo: Loyola, 2002, p. 135-168.
[33] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 345 e ss.
[34] Cf. OLIVEIRA M. A. de, Subjetividade e Totalidade, in: CIRNE-LIMA C./ HELFER I./ ROHDEN L. (org.) Dialética, caos e complexidade, São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2004, p. 118 e ss.
[35] Cf. PUNTEL L. B., A Totalidade do Ser, o Absoluto e o tema “Deus”: um capítulo de uma nova metafísica, in: IMAGUIRE G. ALMEIDA C. L. S. de/ OLIVEIRA A. de (org.), Metafísica Contemporânea, Petrópolis; Vozes, 2007, p.202.
[36] Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft und vernünftiger Glaube Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft und vernünftiger Glaube , op. Cit., p. 35 e ss.
[37] Cf. RITO H., op. Cit., p. 102: “Uma teologia que está preocupada em salvar o homem todo nunca poderia negligenciar a racionalidade das ciências humanas em nome da supra-racionalidade da fé”.
[38] Cf.: TOMÀS DE AQUINO, Summa theol. I, q.8, a 1: “Unde oportet quod Deus sit in omnibus rebus, et intime”. Cf., também : AGOSTINHO, De fide et symbolo 7; PL 40, 185.
[39] Cf.:BOFF L., Ecologia, op. cit., p. 236: “O universo em cosmogênese nos convida a vivermos a experiência que subjaz ao panenteísmo: em cada mínima manifestação do ser, em cada movimento, em cada expressão de vida, de inteligência e de amor, estamos às voltas com o Mistério do universo-em-processo. As pessoas sensíveis ao Sagrado e ao Mistério ousam nomear o Inominável. Tiram Deus de seu anonimato e dão-lhe um nome, celebram-no com hinos e cânticos, inventam símbolos e rituais e se convertem a si mesmas a este Centro, que o sentem fora, dentro e acima de si mesmas. Experimentam Deus”.
[40] Cf.: RAHNER K., Curso Fundamental da Fé. Introdução ao conceito de cristianismo, São Paulo, 1989, p .99: “...o mundo deve depender radicalmente de Deus, sem tornar Deus dependente do mundo, da forma como o senhor é dependente do servo. O mundo não pode pura e simplesmente trazer nada que seja independente de Deus, tampouco como a totalidade das coisas do mundo em sua multiplicidade e unidade pode-se conhecer sem a pré-apreensão da transcendência para Deus....Essa radical dependência deve ser permanente, não se referindo, portanto, apenas a um momento no início, pois o que é finito está sempre referido, no presente e no passado, ao absoluto como seu fundamento”. Cf. também: FRANÇA MIRANDA M., O Mistério de Deus em nossa vida, São Paulo: Loyola, 1975.
[41] Cf.: BOFF L., Ecologia, op. cit., pg. 227: “Não se trata, como classicamente se fazia, de colocar Deus e mundo frente a frente, mas de colocar Deus dentro do processo do mundo e considerar o mundo dentro do processo de Deus. Eles são pericoreticamente implicados.....O Criador envolve sempre a criatura e vice-versa, mas cada qual conserva sua identidade e distinção....Deus não se identifica com o processo cósmico....mas se identifica no processo cósmico.....o universo não se identifica com Deus.....mas se identifica em Deus(ganha nele seu verdadeiro ser e sentido).
[42] Cf.: RAHNER K., Curso Fundamental da Fé, op. cit., pg. 103: “Deus surgiu-nos até o momento como o fundamento portador de tudo, que conosco pode se encontrar no horizonte último, que ele próprio é e constitui. Como aquele que não pode ser inserido juntamente com o que por ele é fundado em um sistema que abranja a ambos, ele nos surgiu como o sempre transcendente, como pressuposto a tudo que está posto”...
[43] Daí, segundo K.Rahner, o axioma fundamental para pensar a relação entre Deus e o mundo: a distância e a proximidade, a dependência e o poder próprio crescem na mesma medida. N Cf.: RAHNER K., Schriften zur Theologie I, quinta ed., Einsiedeln/Zürich/Köln, 1967, pg. 151; Curso Fundamental da Fé, op. cit., pg. 100: “Dependência radical e genuína realidade do existente que procede de Deus crescem na mesma proporção e não em proporção inversa....No âmbito da realidade categorial, a radical dependência do efeito para com a causa e a independência e autonomia do efeito crescem em proporção inversa.” Neste sentido, não se pode pensar a relação Deus/mundo como uma relação causal na forma como isto ocorre entre os seres contingentes. Cf.: Rahner K., Curso Fundamental da Fé, op. cit., pg. 100: “Onde quer venhamos a encontrar relação causal de natureza categorial e intramundana, o efeito é por definição dependente de sua causa, mas esta causa é por sua vez de maneira singular dependente do seu efeito, pois não pode ser causa sem causar tal efeito. Ora isso não ocorre no caso da relação entre Deus e a criatura, pois de outra forma Deus seria um elemento no âmbito de nossa experiência categorial e não o Aonde infinitamente distante da transcendência, em cujo interior compreendemos a realidade finita singular”.
[44] Cf. PUNTEL L. B., A Totalidade do Ser, op. Cit., p. 218.
[45] No caso do cristianismo, a primeira instância desta tematização é a palavra de Deus e por isto teologia é no sentido estrito “ver finalmente tudo à “luz da Palavra””. Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 124.
[46] A respeito de como a busca de inteligibilidade foi fundamental para a articulação da teologia desde suas primeiras expressões na história do ocidente. Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 25 e ss.
[47] Para C. Boff, a fé é uma opção fundamental que diz respeito a toda a vida do ser pessoal e de seu destino e por isto contém três componente básicos; o afetivo, o cognitivo e o normativo. Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 29.
[48] Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 27; “Por isso a teologia pode definir-se como “a fé de olhos abertos”. É a fé lúcida, inteligente, crítica”. P. 115: “... a teologia não reflete finalmente uma doutrina, mas a Revelação mesma, e esta como verdade-evento: o acontecimento da verdade na história, do qual a fé acolhida”.
[49] Cf. LIBÂNIOJ. B/ MURAD A., Introdução à teologia, São Paulo: Loyola, 1996, p. 76-89.
[50] BRIGHENTI A., Fazer Teologia desde a América Latina: novos desafios e implicações semânticas e sintáticas, in: Perspectiva teológica 38 (2006)221: “A teologia é um discurso “sobre” o Absoluto e não um discurso absoluto. E, mais, de um Absoluto apreendido desde a experiência de uma revelação que se dá no âmago de uma história opaca, também aos olhos da fé, que não dispensa o discernimento e a hermenêutica”
,
[51] É a partir daqui, em primeiro lugar, que se pode dizer ser a vida da comunidade eclesial o “lugar natural” da teologia, pois é deste mundo vivido que ela brota. Cf. PALÁCIO C., Trinta anos de teologia na América Latina. Um depoimento, in: SUSIN L. C. (org.), O mar se abriu. Trinta anos de teologia na América Latina, São Paulo; Soter/ Loyola, 2000,p.55.
[52] J. Sobrino considera um dos grandes perigos da teologia é o que ele denomina de “docetismo” que é o criar-se um âmbito de realidade próprio que a distancie da “realidade real” onde estão presentes o pecado e a graça. Cf. SOBRINO J., Teologia desde la realidad, in SUSIN L. C. (org.), op. Cit., p. 168.
[53] De modo particular com os quadros teóricos em que ela se articula hoje. Cf. PUNTEL L.B, A teologia crstã em face da filosofia contemporânea, op. Cit., p. 381 e ss. A repeito dos novos quadros teóricos teológiocos Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 51-52.
[54] Cf. PUNTEL L.B,,A teologia cristã, op cit.,p. 377: „Por sua vez, a teologia cristã é guiada por uma perspectiva regressiva no seguinte sentido: ela parte do Deus por assim dizer „concretíssimo“ ou „absolutamente determinado“, feito manifesto pela sua revelação na história: o Deus trino, revelado em sua ação livre com respeito à humanidade. A teologia articula teoricamente este Deus supremamente „determinado“ „regredindo“ para todos os níveis pressupostos ou, para usar a erminologia kantiana, para as condições de possibilidade da admissão de um tal Deus“.
[55] Cf.: PANNENBERG W., W., Wissenschaftsheorie und Theologie, Frankfurt am Main, 1977, p. 304.
[56] Cf. MIRANDA M. de F., A Salvação de Jesus Cristo. A doutrina da Graça, São Paulo: Loyola, 2004, p. 32: “Reino de Deus apenas exprime uma experiência histórica do povo escolhido: a ação divina como fonte de toda a criação e como salvadora da humanidade”.
[57]Cf. BOFF L., Nova era., op. cit., p. 80: “Nosso Deus é um Deus encarnado na miséria e duplamente rebaixado. Rebaixado enquanto Deus que se faz homem e rebaixado enquanto homem que se abaixa ao que há de mais baixo no ser humano, ao fazer-se pobre e oprimido. No baixo da história Deus encontrou o seu lugar, lá onde as pessoas não têm os meios suficientes de vida, lá onde sofrem injustiças que desumanizam, lá onde elas são injustamente crucificadas. Não é esse o único lugar do encontro, mas o lugar privilegiado; se for esquecido, toma os demais lugares de encontro com Deus problemáticos”.

[58]Cf. OTTEN A., lnculturação como seguimento de Jesus Cristo, in: ANJOS M. F.dos (org.), Inculturação: Desafios de hoje, Petrópolis: Vozes, 1994, p. 65: “A ressurreição confirma essa suspeita e é a tomada de posição definitiva de Deus sobre essa vida que terminou na cruz. Diz que o Messias fraco e aparentemente vencido pelas forças do mundo é o verdadeiro vencedor. Aquilo que ele em vida dizia sobre Deus e o ser-humano tem razão de ser. Os valores em que ele apostava vigem. Os pobres e pecadores são mesmo os prediletos de Deus, sinais de sua presença e protagonistas de um mundo novo”.

[59] Cf. SEGUNDO J. L., Teologia abierta para el laico adulto: iglesia-gracia, Madrid: Cristiandad, 1983: “... los hombres que conocemos nacen ya dentro de uma existencia cuya estructura es sobrenatural, donde todo está referido a esse único destino del hombre, donde el hombre nada puede hacer que non tenga valor positivo o negativo para la vida eterna”.
[60] Cf. GUTIERREZ. G., O Deus da vida, São Paulo: Loyola, 1990, p. 147ss.

[61]Cf. BOFF L., Nova era, op. cit., p. 53-54: “A utopia do reino se realiza na história, mas culmina em Deus mesmo. Começa sempre pelo elo mais fraco, pela cana rachada e pela mecha que ainda fumega. O Reino tem sua realização primeira nos seres mais ameaçados e nos humanos mais oprimidos e marginalizados”.

[62]Cf. BOFF L., Nova era, op. Cit., p. 54: “Reino — o sentido dos sentidos, o valor supremo de todo o criado é libertação de e libertação para. Libertação de tudo o que rompe a aliança de convivência e solidariedade entre os seres e do fosso que distancia de Deus. Libertação para tudo o que resgata a direção originária e para tudo o que faz evoluir para todos os lados e para cima toda a criação”.

[63] A respeito do mundo pobre de hoje e as tarefas da teologia cf. GUTIÉRREZ G., Situação e tarefas da teologia da libertação, in: GIBELINI R. (org.), Perspectivas Teológicas para o Século XXI, Aparecida: Ed. Santuário, 2005, p. 85-100.
[64] Cf. HAMMES E., O sofrimento de Jesus cristo e o sofrimento do ser humano, in: CESCON E./ NODARI P. C. (org.), O Mistério do Mal, Caxias do Sul: Educs, 2006, p. 77-90.
[65]Como o reino de Deus, o futuro absoluto da humanidade, diz respeito a toda a humanidade, então, a Igreja, enquanto comunidade portadora desse reino no mundo, só pode entender-se a partir de suas relações com o mundo, com a humanidade como um todo. Cf. PANNENBERG W., Theologie und Reich Gottes, Gütersloher Verlagshaus Gerd Mohn: Gütersloh, 1971, p. 32.

[66] Que segundo J. L. Segundo “é aquele (a) que se distingue por conhecer e aceitar numa entrega pessoal a revelação da generosidade de Deus para com todo o gênero humano”. Cf. LIMA D. N. de, A criteriologia missiológia subjacente à eclesiologia de Juan Luis Segundo, in: SOARES A. M. L. (org.) Dialogando com Juan Luis Segundo, São Paulo: Paulinas, 2005, p. 117.
[67] Este sentido é um sentido como nos diz J. L. Segundo que subjaz à toda a história. Cf. LIMA D. N. de, A criteriologia missiológia subjacente, op. Cit., p.115: “.... consciência de que à totalidade da história preside um sentido, isto é, o plano e desígnio de Deus de que nos tornemos filhos (as) no Filho”.
[68] Cf. BOFF L., Nova era: a civilização planetária, São Paulo: Ática, 1994, p. 53: “A fé cristã [...] em primeiríssimo lugar se manifesta como uma utopia. A utopia não é algo que se opõe ou nega a realidade. Ela pertence à realidade, na medida em que expressa as potencialidades da realidade ainda não concretizadas, mas possíveis de o serem no processo histórico e no absoluto de Deus. A utopia que a fé judaico-cristã sustenta é essa:existe um sentido global e derradeiro da realidade, tudo está destinado a conservar-se no ser, a chegar a uma plena realização e a ser totalmente transfigurado. A morte não terá a última palavra, mas a vida, e esta em abundância”.

[69]A expressão é de SCHILLEBEECKX E.,in: Menschen.Die Geschichte von Gott, Freiburg / Basel / Wien: Herder, 1900, p. 224.

[70]Cf. OTTEN A. Op. Cit., , cit, p. 68.

[71] Idem, ibidem, p. 69.
[72] Cf. FORTE B, Jesus de Nazaré, história de Deus, Deus da história, São Paulo: Paulinas, 1985, p.284.
[73] A respeito do contacto da teologia a partir desta problemática com a hermenêutica contemporânea cf. JEANROND W. G., Text und Interpretation als Kategorien theologischen Denkens, Tübingen : J. C. B. Mohr Siebeck, 1986; Theological hermeneutics: development and significance, London: SCM, 1994; O Caráter Hermenêutico da Teologia, in: GIBELINI R. (org.), Perspectivas Teológicas, op. Cit., p. 45-65. GEFFRÉ C., Croire et interpéter: Le tournant herméneutique de la théologie, Paris: Cerf, 2001.
[74] Como afirma C. Boff: “A preferência pelos pobres que vale para a fé, vale também para o estudo da fé e vale igualmente para seu método, já que as três coisas estão unidas”. Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p.18.
[75]Cf. BOFF L., op. Cit., p. 100: “Em grande parte, é em razão de ser um saber racional que entra em diálogo com os demais saberes humanos da época que a teologia presta sua colaboração para a construção de um mundo mais humano e mais justo que cada época deseja”.

[76] Daí porque a referência à situação histórica em que ela está situada é indispensável. A respeito dos desafios de nossa epocalidade em relação à teologia cf. BRIGHENTI A., Fazer Teologia desde a América Latina, op. Cit. P. 213 e ss.
[77] Sobre a proposta de uma “física relacional” cf. Assis A K. T., op. cit., pg. 115 e ss.
[78] Para von Weizsäcker, a física hoje possui uma unidade real,conceitual maior do que em qualquer outra época de sua história. Seu livro levanta a pretensão de enfrentar esta questão, não como normalmente se faz hoje, isto é, como unidade no método (epistemológica),mas como unidade no objeto(ontológica). Trata-se de pensar a unidade da natureza a partir de que se explica a unidade da física. Para ele, o desenvolvimento histórico da física é na realidade um caminho na direção desta unidade. Cf: Weizsäcker C. F. von, op. Cit., pg. 207, 12-13.
[79] Cf. HAWKING St.,, The Universe in a Nutshell, New York: Bantam Books, 2001.
[80] Teologias e Ciências.
Manfredo Araújo de Oliveira UFC
Introdução
Uma realidade indispensável para a apreensão do mundo em que estamos inseridos e do posicionamento do homem atual frente à totalidade do ser é a técnica moderna[1]. Interpretar adequadamente o papel que ela exerce na civilização contemporânea só é possível através da explicitação do horizonte de compreensão do universo que demarca a cultura e a civilização modernas em que a técnica não é apenas um fenômeno central ou uma esfera ao lado de outras destas sociedades, mas o elemento determinante deste tipo de civilização. Na cultura moderna, os modelos de pensamento e de ação, o próprio sentido da totalidade do real é rearticulado pelas raízes a partir do novo quadro teórico do conhecimento, a ciência moderna[2], e da técnica daí resultante, que atinge até os espaços mais íntimos e privados da vida, os hábitos e costumes, as instituições e os valores e constitui, assim, um novo estilo de ser e de viver[3]. Isto implica dizer que a autocompreensão do ser humano de hoje e sua compreensão do todo da realidade têm nas ciências um dos seus elementos fundamentais.
Isto parece ter uma implicação fundamental para as teologias que existem não em função de si mesmas, mas do mundo e dos seres humanos[4]: elas não só não podem ignorar este saber, mas têm que considerá-lo um parceiro fundamental de diálogo[5] pelo menos pelo fato de ele ser constitutivo de nosso contexto civilizatório. K. Rahner[6] é de opinião de que as ciências naturais e as ciências sociais que geraram o homem racional técnico da modernidade através de sua cosmo-visão e de suas perguntas específicas já modificaram profundamente a situação da teologia o que é um fato novo em sua história. Estas ciências levantam hoje pretensões que ultrapassam de muito seu status teórico próprio; assim, por exemplo, não só não aceitam a filosofia como aquela instância teórica que lhes fornecia e legitimava seu próprio horizonte de questionamento, mas pretendem decidir sobre a compreensão da vida humana antes mesmo que a filosofia possa dizer sua palavra. Por isto, se um diálogo se faz necessário, então se faz também necessário, afirma Rahner[7], um tratamento rigoroso de questões de teoria do conhecimento e de teoria das ciências a respeito da essência, da autonomia, dos pontos de contacto e dos possíveis casos de conflito, da demarcação das ciências e das teologias.
1)As ciências enquanto conhecimento das estruturas particulares da totalidade do real
A primeira consideração a ser feita neste contexto tem a ver com a afirmação do caráter teórico tanto das ciências[8] como das teologias[9]. Trata-se na teoria antes de tudo de uma determinada forma de atividade na vida humana que enquanto tal se vincula com o mundo e em sua intencionalidade última com a totalidade dos “objetos” e “campos” do mundo, da totalidade do real, e enquanto tal, num sentido muito genérico, é algo que perpassa toda a vida humana, pois não há, como diz J. McDowell[10], qualquer percepção da realidade que esteja fora da esfera conceitual, não há uma fronteira exterior para além da esfera conceitual e isto não nos impede de falar de uma realidade independente que exerce um controle racional sobre nosso pensamento o que não significa, contudo, que o mundo seja completamente fora do espaço de um sistema de conceitos.
É precisamente isto que McDowell[11] chama de “o caráter ilimitado do conceitual” e faz a partir daqui afirmações muito fortes contra a postura de toda a filosofia moderna: não há nenhum abismo ontológico entre o tipo de coisa que se pode significar, ou de modo geral, o tipo de coisa que se pode pensar, e o tipo de coisa que é o caso. Quando nosso pensamento é verdadeiro, o que pensamos é o que é o caso, pois na medida em que o mundo é algo que é o caso, não há abismo algum entre o pensamento enquanto tal e o mundo[12]. Na realidade, o que é aqui expresso se pode considerar com razão a intuição fundamental da reviravolta lingüística: não existe um mundo em si em todos os aspectos independente da linguagem de que a linguagem seria cópia fiel, só temos o mundo na linguagem[13]. O relacionamento do ser humano com o mundo é lingüístico e o mundo é para nós na medida em que vem à fala, ou seja, pela mediação da linguagem.
Daí porque a afirmação central da filosofia, segundo a hermenêutica[14], é “o mútuo pertencer da palavra e da coisa”. Qualquer tentativa de desvincular-se da linguagem já é lingüisticamente mediada o que manifesta a universalidade da linguagem. O mundo se apresenta na linguagem e por esta razão Gadamer[15] designa a experiência lingüística do mundo como “absoluta”: ela transcende todas as relatividades de posição do ser, porque ela abrange todo ser em si em quaisquer relações (relatividades) em que ele sempre se mostra. O caráter lingüístico de nossa experiência do mundo é anterior a qualquer coisa que possa ser conhecida e nomeada como sendo, ele é, portanto, condição de possibilidade e de validade da compreensão e da experiência humana do mundo enquanto tal.
Ora, tanto a ciência como a filosofia e a teologia têm a ver com exposição, ou seja, com articulação do saber que ocorre no seio da linguagem. Nesta ótica, a linguagem emerge como a instância de expressividade do mundo de tal modo que na estruturalidade da linguagem se pode ler a estruturalidade do mundo[16] de acordo com os diferentes níveis teóricos antes mencionados, ou seja, nas ciências, na filosofia e na teologia. L. B. Puntel[17] diferencia neste contexto três atitudes originárias do ser humano frente a seu mundo: a teoria, a prática e a estética. Se faz parte de toda atividade humana uma articulação com o mundo, o que está em jogo no caso peculiar da atividade teórica é uma relação que antes de tudo se exprime através do meio da linguagem com um objetivo preciso: o conceituar o mundo (a realidade) nele mesmo uma vez que qualquer empreendimento teórico tem como tarefa primeira compreender, conceituar, explicar ou articular algo determinado. Numa palavra, trata-se de um discurso estruturado na perspectiva da verdade, ou seja, com a pretensão de exprimir como as coisas são de maneira contingente ou necessária[18].Na perspectiva de um idealismo pragmático, N. Rescher[19] acentua que o imperativo da compreensão é algo básico na vida humana, pois o “Homo sapiens” é também o “Homo quaerens[20]”. Daí porque a demanda por compreensão é uma das mais fundamentais da condição humana[21]. Nós animais racionais temos que alimentar nossos espíritos tanto quanto alimentamos nossos corpos. Temos interrogações e com isto a necessidade de respostas.
Ora, na linguagem, que é a instância em que nos situamos enquanto seres teóricos, as sentenças têm a primazia, porque, como afirma Frege, “Somente no contexto de uma sentença, as palavras têm um significado[22]”. Uma sentença expressa alguma coisa e enquanto tal exprime uma relação entre linguagem e mundo, ou seja, exprime um determinado sector do mundo, exprime informação sobre o mundo. Desta forma, seu objetivo preciso é dizer como o mundo, ou o sector do mundo em si é, como ele ocorre[23] e enquanto tal ela implica em si mesma a pergunta pela legitimação desta pretensão[24] fazendo-se assim um conhecimento auto-responsável[25].
Desta forma, as teorias, enquanto tais, executam uma redução da linguagem humana a um de seus objetivos fundamentais, ou seja, à apresentação do mundo que é justamente o que demarca a teoria frente às outras duas dimensões fundamentais do existir humano no mundo. Mas a concentração numa dimensão específica da linguagem não se contrapõe à pretensão de radicalidade: as teorias pretendem ser verdadeiras, isto é, são uma atividade determinada, cujo produto, expresso lingüisticamente, pretende exprimir como o mundo (o universo, o ser) se comporta. Portanto, a teoria enquanto apresentação é a dimensão da expressividade do mundo que ocorre na linguagem humana. Daí porque suas sentenças são sentenças declarativas justamente porque o que nelas está em jogo é como o mundo está e não como ele pode, deve ou tem que estar.
Para a compreensão apropriada deste objetivo é necessário levar em consideração a diferença entre as linguagens ditas naturais – normais, empregadas pelos diversos grupos humanos, cuja peculiaridade é se constituírem em primeiro lugar como processos de comunicação que podem ter vários níveis ou aspectos – e as linguagens artificiais – as construídas (as linguagens próprias das teorias[26]), que possuem como objetivo central a apresentação descritiva ou teórica do mundo. As linguagens naturais contêm certamente também de modo muito parcial ou reduzido a dimensão da apresentação do mundo e com isto possuem pelo menos implicitamente elementos teóricos. Todos estes elementos estão aqui, contudo, submetidos à finalidade específica destas linguagens que é a comunicação intersubjetiva.
No nível das teorias, no sentido estrito, sucede a transformação: apesar de nelas estarem presentes elementos de comunicação, sua finalidade própria é a apresentação do mundo. O que justamente especifica a teoria é uma linguagem centralizada na apresentação do mundo e a diferença se manifesta no fato de que uma linguagem em que há primazia da dimensão comunicativa se centraliza na relação com os outros parceiros. Na teoria é a “coisa” que passa para o primeiro plano e, conseqüentemente, a pretensão exclusiva aqui é a da objetividade. Assim, o objetivo da linguagem científica e da linguagem teológica, que são teóricas, é a expressão do mundo ou de suas partes. Isto significa dizer que, enquanto teoria, ela situa algo no espaço que Frege denominou o “terceiro reino”, Popper o “terceiro mundo[27]”, Sellars o “espaço de razões[28]” e McDowell o “caráter ilimitado do conceitual[29]”, ou seja, para Puntel um estado de coisas dado entra neste espaço enquanto é articulado no quadro de uma teoria, no espaço das razões. Numa palavra, num sentido genérico se pode dizer que o específico da teoria é transcender o simples “dado” já que todo dado só é dado, isto é, articulável, exprimível, no interior de um quadro teórico[30]. Se ciência e teologia são entendidas aqui estritamente enquanto teoria, então, antes de tudo faz-se necessário esclarecer a dimensão teórica em geral e a concepção de uma teoria científica e de uma teoria teológica em particular.
Neste contexto, uma das questões básicas é a tese[31] de que toda interrogação teórica, toda sentença teórica, argumentação, toda teoria só é compreensível e avaliável no contexto de um “quadro teórico” do contrário tudo permanece indeterminado. A cada quadro teórico pertencem enquanto momentos constitutivos uma linguagem, com sua sintaxe e sua semântica, uma lógica e uma conceitualidade com todos os componentes que constituem um aparato teórico. Neste sentido, deve-se dizer, por exemplo, que um quadro teórico perpassa todo o processo de conhecimento de um campo do saber em todas as suas fases e dimensões. Já é a partir dele que se tomam decisões a respeito da escolha dos problemas a serem investigados, ele constitui a ótica de relevância para o exame da tradição de investigação em questão como também fornece os critérios para as pesquisas auxiliares. Na vida quotidiana, os quadros teóricos são implícitos enquanto nos conhecimentos que vão além de sua esfera estes quadros se tornam explícitos, o que torna estes conhecimentos um saber de autoridade que pode dirigir-se tanto às manifestações de superfície como aos aspectos estruturais determinantes dos diferentes campos do real (no caso das ciências se fala aqui de sua legalidade). Ora, há de fato uma pluralidade de quadros teóricos e cada quadro teórico possibilita sentenças verdadeiras, mas não no mesmo nível. São verdades relativas ao quadro teórico em questão. A primeira pergunta que daqui emerge é sobre a especificidade do status teórico das ciências em sua diferença para com o status teórico das teologias.
Se teoria se articula em sentenças, a primeira pergunta aqui é sobre o status das sentenças das ciências o que claramente não é uma pergunta das próprias ciências, mas da filosofia como aquele saber das estruturas universais do universo ilimitado do discurso humano[32] e que por isto inclui também um saber sobre o saber científico. O próprio curso das perguntas nos conduz a um procedimento importante para a explicitação do status teórico das sentenças das ciências: sua comparação com a filosofia. A filosofia enquanto teoria das estruturas universais da totalidade do discurso, ou seja, do ser em seu todo, considera, em cada campo particular do real, precisamente as estruturas universais. Por exemplo, considerando o mundo natural na medida em que ele é parte do ser em seu todo, ela busca conceituar as estruturas universais neste campo, enquanto que as ciências tentam conceituar nos diferentes campos justamente as estruturas particulares ou específicas de cada campo o que implica neste nível geral uma diferença clara do status teórico das respectivas sentenças das duas formas de teoria. Isto significa dizer que a filosofia considera qualquer realidade a partir da perspectiva da universalidade, ou seja, do ser em seu todo.
Numa palavra, a filosofia considera seus objetos a partir de estruturas que são constitutivas para o ser em seu todo e para cada um de seus campos enquanto que as ciências tratam seus objetos a partir de uma perspectiva particular, específica dos diferentes campos, com a finalidade de sua compreensão e não simplesmente de acumular fatos. Isto tem como conseqüência que mesmo que como hoje as ciências busquem considerar o todo do mundo experimentável pelo ser humano, sua consideração é sempre feita a partir de uma ótica particular. Se elas se elevassem a uma consideração numa perspectiva das estruturas universais, teríamos que dizer que abandonaram o específico de uma teoria científica.
L. B. Puntel[33] faz aqui uma distinção de grande significação para a compreensão desta questão. As estruturas universais são constitutivas do ser em seu todo e de cada campo do ser. Faz-se necessário, contudo, para especificar melhor a diferença entre o status teórico das ciências e o status teórico da filosofia, distinguir entre estruturas universais absolutas e estruturas universais relativas. As estruturas universais absolutas são para o ser em seu todo em sentido próprio e estrito, ou seja, para o Ser no sentido estritíssimo do que a grande tradição metafísica do ocidente conhecia como os transcendentais, por exemplo, a verdade, a bondade, etc. As estruturas relativamente universais são aquelas que dizem respeito não ao ser enquanto tal, mas às relações de cada ente singular com o ser em seu todo. Têm a ver, portanto, com as estruturas que constituem o lugar sistemático de cada ente ou cada campo de entes. A diferenciação bem fundamentada de diferentes campos de ser se baseia justamente na diferenciação de diferentes estruturas.
Em contraposição a esta ótica da filosofia, as ciências consideram os seus respectivos campos de trabalho a partir de uma perspectiva particular e tentam descobrir as estruturas particulares. Particular aqui significa dizer respeito ao singular sem consideração da universalidade, nem mesmo no sentido relativo. Claro que apesar da distinção conceitual rigorosa entre as duas esferas do saber, na prática de ambos os conhecimentos as fronteiras são fluidas e há extrapolações em ambas as direções. Para a consideração posterior com o status teórico das teologias se faz necessário perguntar o que nos fornece uma consideração das estruturas particulares dos entes. Na perspectiva das ciências, ou seja, das estruturas particulares, capta-se a estruturalidade interior de um determinado ente ou de um determinado campo de entes.
Isto significa, em última instância, uma consideração não adequada dos entes ou dos campos de entes uma vez que pertence à estrutura plena dos entes ou dos campos de entes uma relação aos demais entes ou ao ser enquanto tal. É isto que consegue tematizar precisamente uma consideração das estruturas relativamente universais que é de ordem filosófica. Por outro lado, esta consideração só consegue isto, portanto, não atinge o particular na sua particularidade o que significa dizer que uma consideração adequada do real exige as duas perspectivas teóricas como essencialmente complementares. Por isto cada uma destas perspectivas teóricas depende da outra quando se trata de compreender e conceituar adequadamente entes ou campos de entes.
2)Teologias enquanto conhecimento da totalidade do real no horizonte da autocomunicação livre de Deus.
A consideração da totalidade do real em si mesma é em primeiro lugar uma tarefa da filosofia, cujo discurso é co-extensivo à totalidade do ser. Ele tematiza precisamente aquilo que constitui o para onde da intencionalidade do espírito humano[34], que é o todo que abrange simplesmente tudo, ou seja, tudo o que pode ser conhecido e/ ou pensado: “... a totalidade do Ser... é um elemento integrante da estrutura e do status ontológico do nosso pensamento[35]”. A filosofia é aquele tipo de conhecimento que tem como seu específico o esforço de apreensão conceitual da própria totalidade do ser a partir das estruturas constitutivas da linguagem, as estruturas formais, semânticas e ontológicas. A consideração da totalidade do ser nos leva à compreensão de que ela só pode ser entendida enquanto consistindo numa dimensão absoluta (absolutamente necessária) e numa dimensão não-absoluta, contingente.
A filosofia, enquanto pensamento integrativo, desemboca, então, em seu cerne, em afirmações sobre o Absoluto enquanto fonte incondicionada de toda e qualquer realidade, ou seja, sua tarefa específica é a tematização do fundamento que subjaz a toda e qualquer realidade. Ela se situa, de antemão, no nível de uma interpretação oniabrangente da realidade, que tematiza a unidade e a diferença de todas as coisas e as estruturas universalíssimas que enquanto tais são estruturas de toda e qualquer realidade. Enquanto saber da totalidade do ser tanto suas perguntas como suas sentenças se distinguem fundamentalmente das perguntas e das sentenças das ciências. Precisamente enquanto fundamento absoluto de tudo, a dimensão absoluta não pode constituir um momento singular da totalidade dos entes contingentes, não pode constituir um fator singular na série dos fenômenos, ou seja, no interior do mundo plural[36] que é objeto de investigação das ciências, mas antes põe este mundo e o sustenta.
Na ótica das ciências, que buscam compreender os entes através de suas estruturas particulares, a totalidade do ser e conseqüentemente a dimensão absoluta não constituem objeto de consideração, portanto, elas têm o direito de ignorar a dimensão absoluta do real e a leitura da realidade a partir de sua referencialidade essencial ao Absoluto o que não significa dizer que ela possa absolutizar sua própria forma de ver o real considerando as ciências como o único conhecimento válido da totalidade do real o que também vale para a filosofia e a teologia[37]. Por esta razão, a filosofia em sua especificidade é autônoma e não necessita propriamente de uma legitimação científica, embora seja complementar a ela. Isto não significa dizer que os cientistas enquanto seres humanos não se vejam confrontados com as perguntas metafísicas.
O passo reflexivo seguinte consiste em mostrar que a dimensão absoluta da totalidade do real só pode ser entendida enquanto um absoluto pessoal, um ser dotado de inteligência, vontade e liberdade o que significa dizer que a existência da dimensão contingente por sua vez só pode ser compreendida a partir de um ato da dimensão absoluta que se pode designar adequadamente como criação. Isto implica que o Absoluto, enquanto ser necessário, incondicionado sem o que o contingente é ininteligível, não só se diferencie radicalmente de todas as esferas dos entes contingentes, mas que igualmente seja intimamente presente em tudo[38] de tal forma que cada realidade se revele como uma forma específica de manifestação do Absoluto[39]. Sem dúvida, enquanto fundamento absoluto de tudo, o Absoluto se diferencia radicalmente de todo e qualquer ente contingente que por definição não possui seu próprio ser, mas o recebe. O Absoluto emerge, assim, como o último fundamento do ser contingente e o contingente, em tudo o que é, como produzido pelo Ser Necessário de tal modo que os entes contingentes na medida em que só são pela participação no Absoluto[40] constituem uma comunidade ontológica apesar de todas as suas diferenças.
Tudo isto significa dizer, que a filosofia trabalha com a unidade de opostos: O Absoluto, em sua incondicionalidade e plenitude de ser, é radicalmente distinto do mundo, portanto, transcendente; por outro lado, Ele, em virtude mesmo de sua transcendência absoluta, está presente em tudo, perpassa tudo, é radicalmente imanente a tudo[41]. Aqui está o fundamento tanto da unidade como da diferença de todas as coisas: cada ente está em comunhão com cada ente e se diferencia de todos na base de sua forma de participação no fundamento absoluto de tudo. Numa palavra, o ente contingente se une ao outro e, ao mesmo tempo, transcende o outro na medida de seu grau de participação no Absoluto, o que significa dizer que o Absoluto, o ser perfeito, é imanente a tudo da forma mais perfeita possível, ou seja, é idêntico a tudo que Dele recebe o ser na forma de participação e, por outro lado, transcende, de forma perfeita tudo, o que Nele participa[42] e Dele recebe o ser como seu ser próprio, portanto, distinto do Absoluto. Trata-se de pensar a presença do Absoluto no mundo e a presença do mundo no Absoluto[43] que existe de uma forma radicalmente diferente do mundo e, por esta razão, não pode ser compreendido de modo mundano (cientificamente). O Absoluto se fundamenta a si mesmo e a todas as outras realidades enquanto elas são o que existe através da participação no Absoluto. E, neste sentido, sua presença penetra todo o universo. Por outro lado, isto implica dizer que é só neste nível de saber que podem ser postas as questões a respeito da estrutura ontológica do ser humano, do sentido de seu existir, de sua vocação última.
O Absoluto emergiu na consideração radical da filosofia como ser pessoal, inteligente e livre. Isto tem implicações fundamentais para a passagem da filosofia para um novo quadro teórico: o da teologia. Uma compreensão mais determinada da dimensão absoluta enquanto criador absoluto livre só nos é possível através de uma consideração da história enquanto história de suas ações livres[44], isto é, através da história das religiões que precisamente levantam a pretensão de tematizar a inteligibilidade imanente a este evento da autodoação livre de Deus[45]. A filosofia parte dos fenômenos concretos da experiência cotidiana até chegar a articular uma teoria compreensiva do universo, do sentido fundamental de tudo, tematizando em última instância o Ser Absoluto, Criador e Conservador da totalidade dos entes finitos e contingentes como princípio de unificação em relação a esta totalidade, princípio que enquanto tal se revela como o sentido supremo de tudo e de cada ente. De forma análoga, também a teologia situa-se no nível do pensamento integrativo e, assim, ela continua, a partir de um outro horizonte, o horizonte das ações livres do Absoluto na história, ou seja, da história que o Absoluto inicia com a humanidade em que Ele se revela em sua autocomunicação, a mesma tarefa da filosofia: articular uma compreensão da realidade enquanto totalidade.
As teologias são um discurso humano, portanto, uma atividade em que o que está em jogo é a articulação teórica da inteligibilidade[46], no caso específico, do próprio conteúdo da fé[47] enquanto acolhimento da autocomunicação de Deus à humanidade[48] como evento salvador, e enquanto tal um tipo especial de exercício racional que implica a consciência de si mesmo e autocontrole, mas que não é apesar de elementos comuns o discurso das ciências nem simplesmente o da filosofia, embora no contexto global do saber humano tenha que ser dito complementar a estes discursos[49]. Por esta razão ela é uma atividade situada no seio da linguagem humana pressupondo tudo o que qualquer discurso humano pressupõe[50], tanto as estruturas fundamentais da linguagem (as formais, as semânticas e as ontológicas) quanto os condicionamentos históricos inclusive os ideológicos que são momentos dos mundos vividos[51] em que estão inseridas[52].
Além disto, enquanto discurso sobre a totalidade do real, ela pressupõe o discurso da totalidade que a precede, o da filosofia[53] como todo o campo do conhecimento das estruturas particulares dos entes nas ciências[54]. Por isto a teologia pressupõe, em primeiro lugar, filosoficamente, a fala sobre Deus como Criador do mundo e do ser humano, isto é, como a fonte comum do eu e do mundo, o que significa dizer que sua fala sobre Deus se relaciona a uma compreensão global do ser humano e do mundo como pressupõe igualmente a fala sobre o ser humano e o mundo do discurso científico. Se Deus, como diz W.Pannenberg[55], deve ser entendido como a realidade que determina todas as realidades, então, tudo tem que se mostrar determinado por esta realidade e, sem ela, permanece, em última instância, ininteligível.
Na interpretação cristã da história da salvação realizada por Deus se aponta para o centro da mensagem de Jesus em sua história que foi o Reino de Deus[56] que é a soberania do perdão, da misericórdia e do amor. O Reino enquanto plano amoroso de Deus para a humanidade fundamentalmente é Deus agindo no mundo humano e no cosmos, dom do Pai (Lc. 12, 32), graça de Deus e também interpelação radical da vida humana, uma realidade abrangente, projeto livre e gratuito de Deus, que gera o sentido último da história. A grande utopia da vida, a articulação de um sentido radical, aqui se historifica no caminho de vida de Jesus[57] e que por meio de sua ressurreição[58] realiza em plenitude o desígnio de Deus que já estava em ação durante toda a história e por isto humaniza em plenitude a humanidade. Em Jesus ressuscitado se revela a salvação de todo e qualquer homem[59] e os destinatários privilegiados e os protagonistas na construção desse reino[60] são precisamente os representantes do velho mundo, os pobres e os pecadores[61]. O Reino é assim a esperança que se fez possível de justiça, verdade, bondade, isto é, de um sentido radical para a história humana, o que implica uma convivência humana toda renovada[62].
Ele é, assim, a antecipação de um mundo novo no qual é garantida a salvação mesmo aos derrotados da história[63]. A dor, o sofrimento[64], o não-sentido, a morte, não possuem mais a palavra definitiva na história humana. É por essa razão, então, que sua práxis pode defrontar-se com toda e qualquer práxis humana, pois nela se revela o sentido capaz de dar orientação e rumo a tudo o que o homem empreende em seu agir histórico[65]. É no horizonte do Reino que o discípulo de Jesus[66] pode definir o caráter e o sentido de sua vida[67] (Mt 13,44-46) e de sua vocação[68]. Toda a tradição religiosa cristã entende a si mesma como recordação e testemunho da mensagem e da práxis de Jesus e, sobretudo, de sua realização suprema na morte e na ressurreição, que na realidade constitui a visualização do dinamismo do amor infinito de Deus que marca a história humana. Por esta razão ela lê na práxis do Reino, enquanto futuro da humanidade e do cosmos, uma “antecipação prática[69]” de um reino universal de justiça, de paz e de amor, de todos e para todos, com Deus que, enquanto Deus da vida, da gratuidade, do amor e da misericórdia, é ponto central e o fator de unidade dessa comunidade solidária.
Nesta perspectiva, o Reino de Deus constitui para os discípulos de Jesus, que se caracterizam por uma participação consciente no plano amoroso universal de Deus, uma interpelação para uma visão e um estilo de vida novos, uma vez que Jesus mostra, em sua caminhada de vida, quem é o homem e qual o sentido de sua vida no todo do real: o discípulo tem acesso ao Reino por meio de uma atuação nova que significa a acolhida do estilo de vida de Jesus, enquanto práxis do Reino, como seu próprio caminho (o Reino é dom e exigência ao mesmo tempo: Mt 18,23-35). Engajamento pelo Reino de Deus implica recusa a aprovar um mundo que viola com suas teorias e suas práticas os direitos mais fundamentais do ser humano. Aceitar o reino significa, então, resgatar a vida e a integridade humanas, reerguer os desprezados e marginalizados, contagiar de esperança os desanimados, devolver a dignidade de todo ser humano pisado, proclamar a libertação dos cativos e a evangelização dos pobres (Lc 4, 18-19), pois pela Encarnação o próprio Deus se fez “a imagem do ser humano maltratado e oprimido, desprezado e humilhado[70]”.
Não há Reino sem mudança radical de vida, isto é, sem ruptura, sem rejeição de sentidos precedentes e a aceitação do sentido novo apreendido no caminho de vida de Jesus, pois nele o Reino e sua justiça são postos ao alcance do ser humano de tal maneira que podemos dizer que o sentido total se fez “presença histórica” através da história de Jesus, que, como Messias servo sofredor, assumiu o peso da história carregado por suas vítimas, e também através de seu seguimento faz-se presente, em primeiro lugar, nos sofredores, nos fracos, nos pobres e condenados do mundo, em todos os crucificados da história: aí mora a força histórica do Deus da vida, que nos interpela para a efetivação da justiça e do amor entre os homens.
Essa práxis dos cristãos na história, na medida em que assume as exigências do Reino, como uma forma de vida que engloba as diferentes dimensões do ser humano, atualiza a práxis de Jesus nas diversas situações históricas. É nessa práxis que Deus se manifesta como fonte e fundamento último da liberdade humana, portanto, enquanto salvação, para vivos e mortos, para toda a humanidade, deforma primeira para os humilhados da história: “Deus mora no grito e no lamento do pobre. Esta é a teofania mais divina. O clamor e, ao mesmo tempo, o protesto de Deus contra a injustiça sofrida pelos seus filhos e filhas, e, também, a certeza de seu socorro. É aqui o lugar onde irrompe o Reino[71]. O Reino de Deus é, assim, um dinamismo de libertação que fermenta a realidade histórica recuperando a esperança humana:“ No reino da finitude, oferece-se o infinito; na morte a vida; na treva, a luz; numa história humana, a história de Deus[72]”.
A teologia se compreende a si mesma como a explicitação teórica, portanto, com uma nova articulação lingüística, deste sentido acolhido na fé, que em si mesma já contém uma pré-teologia no sentido de que todo dado já está sempre situado num quadro teórico, no caso aqui num quadro teórico do mundo vivido religioso[73]. Esta dimensão cognitiva do ato de fé é desdobrada pela teologia enquanto teoria[74] que procura a inteligibilidade deste sentido acolhido na fé, sentido que se choca inevitavelmente com o não-sentido de teorias e práticas humanas e, nesse choque, ele constitui sempre um estímulo para alternativas teóricas e práticas a fim de conduzir a vida humana a formas mais humanas de vida[75]. As teologias constituem, então, o momento teórico desta práxis realizadora do Reino, quer dizer, seu momento consciente e reflexo[76] o que implica dizer que elas têm como tarefa explicitar o sentido da totalidade do real a partir da ação livre de Deus que constrói seu Reino na história humana rumo a uma realização definitiva.
Observações finais.
A questão central das relações entre ciências e teologias se concentrou em primeiro lugar na explicitação da diferença entre os quadros teóricos respectivos e as formas diferenciadas de sentenças correspondentes aos quadros teóricos em questão. O resultado é que existe uma vinculação muito mais profunda entre ciências e respectivamente filosofias e teologias do que o puro interesse pelo fato das ciências constituírem fator determinante de nossa cultura ou no que diz respeito à eficácia dos engajamentos dos crentes no mundo. Do ponto de vista do saber humano vimos que nenhuma das formas de saber pode, em virtude do objetivo específico de cada um dos quadros teóricos, ter um saber plenamente adequado da realidade e que por esta razão mesma são mutuamente complementares pressuposto que não haja extrapolação dos quadros teóricos específicos e de sua respectiva leitura da realidade. No que dizer respeito especificamente à teologia que é o esforço teórico de tematização da auto-revelação e autocomunicação de Deus à humanidade na história sua busca de exprimir a inteligibilidade do todo da realidade a partir do evento da ação de Deus na história humana a interpela a levar em consideração todo o campo de suas pressuposições, os saberes científicos, filosóficos e mesmo os saberes comuns, a fim de poder cumprir sua tarefa própria. Isto se constitui pressuposto inevitável para que sua palavra possa ser devidamente compreendida.
No entanto, embora não haja conflito em princípio entre teologias e ciências, a prática de ambas tem levado a conflitos grandes que muitas vezes decorrem da não consideração da diferença dos níveis dos discursos. Um exemplo claro é a relação entre as atuais cosmologias de um lado e as filosofias e teologias de outro. As ciências contemporâneas têm questionado de diferentes formas o procedimento analítico[77] que produziu uma visão fragmentada do mundo e buscam agora re-conquistar a unidade fundamental da natureza[78], do universo como um todo. A idéia orientadora que se está consolidando é que o universo é composto de muitos elementos que se articulam entre si como uma grande teia de relações. A inadequação do procedimento analítico consiste precisamente em sua impossibilidade de captar através de seu quadro teórico a unidade fundamental que reúne todas as partes do universo, o que permite pensá-lo como um ser único, complexo, diversificado e dinâmico. Emprega-se hoje a palavra cosmologia para designar uma teoria física sobre a origem, o desenvolvimento e a estrutura da totalidade do cosmos físico e se utiliza para isto a expressão “theory of everything”.
St. Hawking[79] concentrou-se de modo especial sobre a questão da origem do universo e afirma, a partir de teoremas que julga ter demonstrado juntamente com R. Penrose, que o universo tem que tido um começo, a explosão inicial. Neste ponto inicial a densidade do universo e a curvatura do espaço-tempo eram infinitas. Este ponto é denominado por matemáticos de uma singularidade. A questão central aqui é que todas as teorias científicas pressupõem que o espaço-tempo é liso e quase plano o que significa dizer que neste ponto as leis científicas perdem sua validade. Como o próprio tempo surgiu com a explosão inicial, então, fica claro neste ponto de vista que a pergunta pela origem do universo pode ser decididamente respondida: o universo começou com esta explosão inicial e qualquer outra instância como, por exemplo, um criador é inútil para enfrentar esta problemática.
Desde então, há grandes controvérsias sobre o status destas teorias físico-cosmológicas entre cientistas filósofos e teólogos. Os dois extremos do debate são: alguns filósofos e teólogos dão uma interpretação criacionista à teoria da explosão inicial. Outros, ao contrário, consideram que as teorias científicas da origem do universo tornaram qualquer outra explicação destituída de qualquer significação. A emergência do universo não tem causa, ele surgiu espontaneamente[80]. Por tudo o que foi anteriormente dito, trata-se aqui de ambas as partes de mal-entendidos que se fundam no fato de que não se leva em consideração o status específico do quadro teórico em questão: de um lado o das ciências e do outro o da filosofia e da teologia[81].
Assim, por exemplo, quando um cientista fala da origem do universo no interior de seu quadro teórico próprio, fala de um ponto inicial no passado (já se pressupõe aqui a existência do tempo). Dizer que o universo teve sua origem ou começo neste ponto significa dizer que o universo físico a partir precisamente deste ponto é explicável como um todo estruturado segundo as leis científicas da natureza conhecidas. Se se leva em consideração a estrutura de uma ciência, seu objetivo fundamental e a natureza de suas sentenças, então, se pode dizer que a cosmologia explica a origem e o começo do universo. Neste quadro não se pode falar de emergência do universo ex nihilo, como posição atemporal do universo enquanto tal, como falam a filosofia e teologia, pois no quadro teórico das ciências é fundamental a pressuposição do ponto inicial enquanto existente. Portanto, aqui não pode emergir a pergunta pelo próprio existir deste ponto e da totalidade dos entes contingentes que daqui se originam. O que uma teoria físico-cosmológica do universo pode fazer é reconduzir um ponto do universo, por exemplo, o mundo atual, a um outro ponto, o ponto inicial, que na realidade é apenas um algo que não é estruturado de acordo com as leis científicas conhecidas.
A pergunta filosófico-teológica sobre a origem do universo tem a ver fundamentalmente com o ser ou a existência do universo enquanto tal, ou seja, com seu caráter absoluto ou contingente de tal modo que a afirmação (ou sua negação) sobre a criaturalidade do universo não é nem pode ser uma afirmação físico-cosmológica, mas só pode ser filosófico-teológica no sentido de que a criação não pode ser entendida como um evento no início do tempo, mas tem a ver com a relação permanente entre o ser absoluto e o ser contingente. O que se afirma aqui é que a totalidade do ser ou a totalidade de todos os entes consiste numa dimensão absoluta e numa dimensão não-absoluta e que, portanto, os entes contingentes por definição não podem existir sem o Absoluto, pressupõem para seu existir um ato do ser absoluto[82]. O filósofo e o teólogo afirmam assim que simplesmente tudo o que não é Deus é criado pelo único Deus, ser absoluto pessoal, portanto, espírito absoluto, inteligibilidade e amor absolutos, igualmente acima de tudo, enquanto ele não constitui um momento essencial constitutivo dos entes criados, e imanente radicalmente a tudo como criador de tudo. Tudo tem a marca fundamental de sua criaturalidade e neste sentido todos têm que constituir uma comunidade ontológica última[83], uma unidade fundamental do universo na diferença.
St. Hawking modificou neste ínterim sua teoria, o que não importa neste contexto para o que se propôs que era apenas mostrar um exemplo de conflito proveniente da falta de determinação do estatuo teórico de ambos os discursos. Sua atual teoria continua uma teoria que tem a ver com o que acontece no interior do universo e, assim, não diz respeito ao universo enquanto tal, ou seja, ao estatuto de ser do universo[84], portanto, não houve modificação na estrutura de seu discurso, no nível de inteligibilidade do universo.

[1] Cf. OLIVEIRA M. A de, O positivismo tecnológico como forma da consciência contemporânea, in: A Filosofia na Crise da Modernidade, 3. ed., São Paulo: Loyola, 2001, p. 73-83.
[2] Que exerce um papel cada vez mais importante na configuração da vida humana individual e social. Cf. PUNTEL L.B, A teologia cristã em face da filosofia contemporânea, in: Síntese Nova Fase, v. 28, n. 92 (2001)364-365: „.... nenhum povo, nenhuma nação, nenhuma cultura pode hoje rejeitar de modo radical o grande processo científico, já que a estrutura central da comunidade mundial é decidamente marcada por esta dimesão científica. Esta dimensão é o mais poderoso fator unificante da humanidade“.
[3] Cf. SHAFF A., A Sociedade Informática, 4ª., São Paulo: Editora Unesp/ Editora Brasiliense, 1993, p. 129 e ss.
[4] Cf. RAHNER K, Teologia e ciência, São Paulo: Paulinas, 1971, p. 37 e ss.
[5] O que implica pressupostos para a teologia. Cf. RITO H., Introdução à Teologia, Petrópolis: Vozes, 1998, p. 99: “... porque a teologia, para entrar num diálogo construtivo com as demais ciências, deve ser um conhecimento sério, rigoroso e digno de ser levado a sério pelas demais ciências”.
[6] Cf. RAHNER K., Philosophie und Philosophieren in der Theologie, in: Schriften zur Theologie, vol. VIII, Einsiedeln/ Zürich/ Köln: Benziger Verlag, 1967, p. 84.
[7] Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft und vernünftiger Glaube, in: Bilanz des Glaubens. Antworten des Theologen auf Fragen unserer Zeit, München: DTV, 1985, p. 31.
[8] M. Bunge considera a consciência que se gestou depois da segunda guerra mundial sobre o papel fundamental das teorias nas diversas ciências, inclusive nas ciências não físicas, a maior revolução científica desde o nascimento da teoria atômica contemporânea. Cf. BUNGE M., Teoria y Realidad, Barcelona: Editorial Ariel S. A., 1985, p.9 e ss.
[9] A respeito de uma crítica à oposição radical entre razão e fé que na teologia conduziu à negação de seu estatuto teórico cf. COLOMBO G., La ragione teologica, Milano: Glossa, 1995.
[10] Cf. McDOWELL J, Mind and World, With a New Introduction, Cambridge/ London: Harvard University Press, 1996, p. 34.

[11] Cf. McDowell J, Mind and World, op. cit., p. 27.
[12] Neste contexto afirma Puntel que semântica e teoria dos entes, respectivamente do ser, se situam numa relação de reciprocidade fundamental. Isto significa dizer que semântica e ontologia são dois lados da mesma medalha, ou seja, eles se implicam mutuamente e são mutuamente imbricadas de tal forma que se uma ontologia se mostrar insustentável é também insustentável a semântica ligada a ela ou o contrário o que para Puntel significa já a demonstração da tese da mútua imbricação entre ontologia e semântica. Cf. PUNTEL L. B.,Grundlagen einer Theorie der Wahrheit, Berlin/ New York: de Gruyter, 1990, p. 129.

[13] Cf. WITTGENSTEIN L., Philosophische Untersuchungen, Frankfurt am Main; Suhrkamp, 1967, && 101-104, 379-380, 384, 737.
[14] Cf. GADAMER H-G, Wahrheit und Methode, 2ª. Ed., Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1960.
[15] Cf. GADAMER H-G, op. Cit., p. 426.
[16] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein. Ein Theorierahmen für eine systematische Philosophie, Tübingen: Mohr Siebeck, 2006, p. 130.
[17] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 99 e ss.
[18] Cf. PUNTEL L.B, A teologia cristã em face da filosofia contemporânea, op. Cit., p. 361.
[19] Cf. RESCHER N., A System of Pragmatic Idealism, vol. I: Human Knowledge in Idealistic Perspective, Princeton/ New Jersey: Princeton University Press, 1992, p. 4.
[20] Para Kutschera tanto na vida quotidiana quanto nas ciências não se trata simplesmente de constatar fatos, mas da compreensão de por que as coisas são assim e se comportam de determinado modo. Daí porque para ele todo o procedimento das ciências da natureza, por exemplo, consiste em explicar os fenômenos a partir de suposições sobre uma realidade que subjaz aos fatos e que permite compreender diferentes fatos a partir de poucos princípios unitários. Neste sentido, o empirismo é extremamente restritivo frente aos procedimentos das ciências da natureza Cf. KUTSCHERA F. von, Die Teile der Philosophie und das Ganze der Wirklichkeit, , Berlin/ New York: de Gruyter, 1998, p. 102.
[21] O que vale também para o crente enquanto ser humano que é. Cf. BOFF C., Teoria do Método Teológico, Petrópolis: Vozes, 1998, p. 27: “.... a fonte do dinamismo teológico se situa na natureza do próprio espírito humano. Esse representa uma estrutura aberta, interrogativa.... esse dinamismo se exerce também, e de maneira eminente, sobre o conteúdo da verdade da fé”.
[22] Cf. FREGE G, The Foundations of Arithmetik, 2ª. Ed., Oxforf: Blackwell, 1953, p. 62.
[23] Cf. WITTGENSTEIN L, Tractatus logico-philosophicus, ed. por SANTOS L. H. L. dos, São Paulo; Edusp, 1993, p.201: 4.5.... “A forma proposicional geral é: as coisas estão assim”.
[24] Cf. RESCHER N., A System of Pragmatic Idealism, op. Cit., p. 5-6: “Rationality thus involves the capacity “to give an account” _ to use one`s intelligence to provide a rationale for what one does that establishes its appropriateness”.
[25] Spinner neste contexto fala de que toda teoria é ”uma especulação sistemática controlada”. Cf. SPINNER H. F., Theorie, in: KRINGS H./ BAUMGARTNER H. M./ WILD CH. (org.), Handbuch philosophischer Grundbegriffe, vol. 5, München: Kösel-Verlag, 1974, p. 1486-87.
[26]Para alguns é a racionalidade operatória que caracteriza as ciências modernas Cf. LADRIÈRE J., A Articulação do Sentido, São Paulo: E.P.U./ Edusp, 1977, p. 173: “Compreendemos a natureza, tentando, à nossa maneira, imitar suas operações, refazendo, por nossa conta, o desenrolar-se dos fenômenos cujos vestígios podemos registrar. Nossas explicações são, na realidade, produtoras; nossas teorias produzem o que a natureza produz, permitem reconstituir no abstrato, na forma de modelos analógicos, o encadeamento concreto dos fenômenos reais”
[27] Cf. POPPER K., Objective Knowledge: An Evolutionary Approach, Oxford: Oxford University Press, 1972.
[28] Cf. SELLARS W, Empiricism and the Philosophy of Mind, terc. Ed., Cambridge/ London: Harvard University Press, 2000, n. 29, p. 36.
[29] Cf. McDOWELL J, Mind and World, op. Cit., p. 24 e ss.
[30] É neste sentido genérico que H.F. Spinner afirma serem as teorias o substrato do conhecimento humano de que o ser humano em todos os tempos e culturas se serviu para compreender criticamente o mundo e alcançar um controle cognitivo sobre seu contorno. Cf. SPINNER H. F., Theorie, op. Cit., p. 1486.
[31] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 11 e ss.
[32] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 344.Uma tese sempre de novo explicitada por Fichte no quadro teórico da filosofia transcendental em suas diferentes versões da Doutrina da Ciência em que a filosofia emerge como a „ciência das ciências“. Cf. OLIVEIRA M. A. de, Para além da fragmentação. Pressupostos e objeções da dialética contemporânea, São Paulo: Loyola, 2002, p. 135-168.
[33] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 345 e ss.
[34] Cf. OLIVEIRA M. A. de, Subjetividade e Totalidade, in: CIRNE-LIMA C./ HELFER I./ ROHDEN L. (org.) Dialética, caos e complexidade, São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2004, p. 118 e ss.
[35] Cf. PUNTEL L. B., A Totalidade do Ser, o Absoluto e o tema “Deus”: um capítulo de uma nova metafísica, in: IMAGUIRE G. ALMEIDA C. L. S. de/ OLIVEIRA A. de (org.), Metafísica Contemporânea, Petrópolis; Vozes, 2007, p.202.
[36] Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft und vernünftiger Glaube Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft und vernünftiger Glaube , op. Cit., p. 35 e ss.
[37] Cf. RITO H., op. Cit., p. 102: “Uma teologia que está preocupada em salvar o homem todo nunca poderia negligenciar a racionalidade das ciências humanas em nome da supra-racionalidade da fé”.
[38] Cf.: TOMÀS DE AQUINO, Summa theol. I, q.8, a 1: “Unde oportet quod Deus sit in omnibus rebus, et intime”. Cf., também : AGOSTINHO, De fide et symbolo 7; PL 40, 185.
[39] Cf.:BOFF L., Ecologia, op. cit., p. 236: “O universo em cosmogênese nos convida a vivermos a experiência que subjaz ao panenteísmo: em cada mínima manifestação do ser, em cada movimento, em cada expressão de vida, de inteligência e de amor, estamos às voltas com o Mistério do universo-em-processo. As pessoas sensíveis ao Sagrado e ao Mistério ousam nomear o Inominável. Tiram Deus de seu anonimato e dão-lhe um nome, celebram-no com hinos e cânticos, inventam símbolos e rituais e se convertem a si mesmas a este Centro, que o sentem fora, dentro e acima de si mesmas. Experimentam Deus”.
[40] Cf.: RAHNER K., Curso Fundamental da Fé. Introdução ao conceito de cristianismo, São Paulo, 1989, p .99: “...o mundo deve depender radicalmente de Deus, sem tornar Deus dependente do mundo, da forma como o senhor é dependente do servo. O mundo não pode pura e simplesmente trazer nada que seja independente de Deus, tampouco como a totalidade das coisas do mundo em sua multiplicidade e unidade pode-se conhecer sem a pré-apreensão da transcendência para Deus....Essa radical dependência deve ser permanente, não se referindo, portanto, apenas a um momento no início, pois o que é finito está sempre referido, no presente e no passado, ao absoluto como seu fundamento”. Cf. também: FRANÇA MIRANDA M., O Mistério de Deus em nossa vida, São Paulo: Loyola, 1975.
[41] Cf.: BOFF L., Ecologia, op. cit., pg. 227: “Não se trata, como classicamente se fazia, de colocar Deus e mundo frente a frente, mas de colocar Deus dentro do processo do mundo e considerar o mundo dentro do processo de Deus. Eles são pericoreticamente implicados.....O Criador envolve sempre a criatura e vice-versa, mas cada qual conserva sua identidade e distinção....Deus não se identifica com o processo cósmico....mas se identifica no processo cósmico.....o universo não se identifica com Deus.....mas se identifica em Deus(ganha nele seu verdadeiro ser e sentido).
[42] Cf.: RAHNER K., Curso Fundamental da Fé, op. cit., pg. 103: “Deus surgiu-nos até o momento como o fundamento portador de tudo, que conosco pode se encontrar no horizonte último, que ele próprio é e constitui. Como aquele que não pode ser inserido juntamente com o que por ele é fundado em um sistema que abranja a ambos, ele nos surgiu como o sempre transcendente, como pressuposto a tudo que está posto”...
[43] Daí, segundo K.Rahner, o axioma fundamental para pensar a relação entre Deus e o mundo: a distância e a proximidade, a dependência e o poder próprio crescem na mesma medida. N Cf.: RAHNER K., Schriften zur Theologie I, quinta ed., Einsiedeln/Zürich/Köln, 1967, pg. 151; Curso Fundamental da Fé, op. cit., pg. 100: “Dependência radical e genuína realidade do existente que procede de Deus crescem na mesma proporção e não em proporção inversa....No âmbito da realidade categorial, a radical dependência do efeito para com a causa e a independência e autonomia do efeito crescem em proporção inversa.” Neste sentido, não se pode pensar a relação Deus/mundo como uma relação causal na forma como isto ocorre entre os seres contingentes. Cf.: Rahner K., Curso Fundamental da Fé, op. cit., pg. 100: “Onde quer venhamos a encontrar relação causal de natureza categorial e intramundana, o efeito é por definição dependente de sua causa, mas esta causa é por sua vez de maneira singular dependente do seu efeito, pois não pode ser causa sem causar tal efeito. Ora isso não ocorre no caso da relação entre Deus e a criatura, pois de outra forma Deus seria um elemento no âmbito de nossa experiência categorial e não o Aonde infinitamente distante da transcendência, em cujo interior compreendemos a realidade finita singular”.
[44] Cf. PUNTEL L. B., A Totalidade do Ser, op. Cit., p. 218.
[45] No caso do cristianismo, a primeira instância desta tematização é a palavra de Deus e por isto teologia é no sentido estrito “ver finalmente tudo à “luz da Palavra””. Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 124.
[46] A respeito de como a busca de inteligibilidade foi fundamental para a articulação da teologia desde suas primeiras expressões na história do ocidente. Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 25 e ss.
[47] Para C. Boff, a fé é uma opção fundamental que diz respeito a toda a vida do ser pessoal e de seu destino e por isto contém três componente básicos; o afetivo, o cognitivo e o normativo. Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 29.
[48] Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 27; “Por isso a teologia pode definir-se como “a fé de olhos abertos”. É a fé lúcida, inteligente, crítica”. P. 115: “... a teologia não reflete finalmente uma doutrina, mas a Revelação mesma, e esta como verdade-evento: o acontecimento da verdade na história, do qual a fé acolhida”.
[49] Cf. LIBÂNIOJ. B/ MURAD A., Introdução à teologia, São Paulo: Loyola, 1996, p. 76-89.
[50] BRIGHENTI A., Fazer Teologia desde a América Latina: novos desafios e implicações semânticas e sintáticas, in: Perspectiva teológica 38 (2006)221: “A teologia é um discurso “sobre” o Absoluto e não um discurso absoluto. E, mais, de um Absoluto apreendido desde a experiência de uma revelação que se dá no âmago de uma história opaca, também aos olhos da fé, que não dispensa o discernimento e a hermenêutica”
,
[51] É a partir daqui, em primeiro lugar, que se pode dizer ser a vida da comunidade eclesial o “lugar natural” da teologia, pois é deste mundo vivido que ela brota. Cf. PALÁCIO C., Trinta anos de teologia na América Latina. Um depoimento, in: SUSIN L. C. (org.), O mar se abriu. Trinta anos de teologia na América Latina, São Paulo; Soter/ Loyola, 2000,p.55.
[52] J. Sobrino considera um dos grandes perigos da teologia é o que ele denomina de “docetismo” que é o criar-se um âmbito de realidade próprio que a distancie da “realidade real” onde estão presentes o pecado e a graça. Cf. SOBRINO J., Teologia desde la realidad, in SUSIN L. C. (org.), op. Cit., p. 168.
[53] De modo particular com os quadros teóricos em que ela se articula hoje. Cf. PUNTEL L.B, A teologia crstã em face da filosofia contemporânea, op. Cit., p. 381 e ss. A repeito dos novos quadros teóricos teológiocos Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p. 51-52.
[54] Cf. PUNTEL L.B,,A teologia cristã, op cit.,p. 377: „Por sua vez, a teologia cristã é guiada por uma perspectiva regressiva no seguinte sentido: ela parte do Deus por assim dizer „concretíssimo“ ou „absolutamente determinado“, feito manifesto pela sua revelação na história: o Deus trino, revelado em sua ação livre com respeito à humanidade. A teologia articula teoricamente este Deus supremamente „determinado“ „regredindo“ para todos os níveis pressupostos ou, para usar a erminologia kantiana, para as condições de possibilidade da admissão de um tal Deus“.
[55] Cf.: PANNENBERG W., W., Wissenschaftsheorie und Theologie, Frankfurt am Main, 1977, p. 304.
[56] Cf. MIRANDA M. de F., A Salvação de Jesus Cristo. A doutrina da Graça, São Paulo: Loyola, 2004, p. 32: “Reino de Deus apenas exprime uma experiência histórica do povo escolhido: a ação divina como fonte de toda a criação e como salvadora da humanidade”.
[57]Cf. BOFF L., Nova era., op. cit., p. 80: “Nosso Deus é um Deus encarnado na miséria e duplamente rebaixado. Rebaixado enquanto Deus que se faz homem e rebaixado enquanto homem que se abaixa ao que há de mais baixo no ser humano, ao fazer-se pobre e oprimido. No baixo da história Deus encontrou o seu lugar, lá onde as pessoas não têm os meios suficientes de vida, lá onde sofrem injustiças que desumanizam, lá onde elas são injustamente crucificadas. Não é esse o único lugar do encontro, mas o lugar privilegiado; se for esquecido, toma os demais lugares de encontro com Deus problemáticos”.

[58]Cf. OTTEN A., lnculturação como seguimento de Jesus Cristo, in: ANJOS M. F.dos (org.), Inculturação: Desafios de hoje, Petrópolis: Vozes, 1994, p. 65: “A ressurreição confirma essa suspeita e é a tomada de posição definitiva de Deus sobre essa vida que terminou na cruz. Diz que o Messias fraco e aparentemente vencido pelas forças do mundo é o verdadeiro vencedor. Aquilo que ele em vida dizia sobre Deus e o ser-humano tem razão de ser. Os valores em que ele apostava vigem. Os pobres e pecadores são mesmo os prediletos de Deus, sinais de sua presença e protagonistas de um mundo novo”.

[59] Cf. SEGUNDO J. L., Teologia abierta para el laico adulto: iglesia-gracia, Madrid: Cristiandad, 1983: “... los hombres que conocemos nacen ya dentro de uma existencia cuya estructura es sobrenatural, donde todo está referido a esse único destino del hombre, donde el hombre nada puede hacer que non tenga valor positivo o negativo para la vida eterna”.
[60] Cf. GUTIERREZ. G., O Deus da vida, São Paulo: Loyola, 1990, p. 147ss.

[61]Cf. BOFF L., Nova era, op. cit., p. 53-54: “A utopia do reino se realiza na história, mas culmina em Deus mesmo. Começa sempre pelo elo mais fraco, pela cana rachada e pela mecha que ainda fumega. O Reino tem sua realização primeira nos seres mais ameaçados e nos humanos mais oprimidos e marginalizados”.

[62]Cf. BOFF L., Nova era, op. Cit., p. 54: “Reino — o sentido dos sentidos, o valor supremo de todo o criado é libertação de e libertação para. Libertação de tudo o que rompe a aliança de convivência e solidariedade entre os seres e do fosso que distancia de Deus. Libertação para tudo o que resgata a direção originária e para tudo o que faz evoluir para todos os lados e para cima toda a criação”.

[63] A respeito do mundo pobre de hoje e as tarefas da teologia cf. GUTIÉRREZ G., Situação e tarefas da teologia da libertação, in: GIBELINI R. (org.), Perspectivas Teológicas para o Século XXI, Aparecida: Ed. Santuário, 2005, p. 85-100.
[64] Cf. HAMMES E., O sofrimento de Jesus cristo e o sofrimento do ser humano, in: CESCON E./ NODARI P. C. (org.), O Mistério do Mal, Caxias do Sul: Educs, 2006, p. 77-90.
[65]Como o reino de Deus, o futuro absoluto da humanidade, diz respeito a toda a humanidade, então, a Igreja, enquanto comunidade portadora desse reino no mundo, só pode entender-se a partir de suas relações com o mundo, com a humanidade como um todo. Cf. PANNENBERG W., Theologie und Reich Gottes, Gütersloher Verlagshaus Gerd Mohn: Gütersloh, 1971, p. 32.

[66] Que segundo J. L. Segundo “é aquele (a) que se distingue por conhecer e aceitar numa entrega pessoal a revelação da generosidade de Deus para com todo o gênero humano”. Cf. LIMA D. N. de, A criteriologia missiológia subjacente à eclesiologia de Juan Luis Segundo, in: SOARES A. M. L. (org.) Dialogando com Juan Luis Segundo, São Paulo: Paulinas, 2005, p. 117.
[67] Este sentido é um sentido como nos diz J. L. Segundo que subjaz à toda a história. Cf. LIMA D. N. de, A criteriologia missiológia subjacente, op. Cit., p.115: “.... consciência de que à totalidade da história preside um sentido, isto é, o plano e desígnio de Deus de que nos tornemos filhos (as) no Filho”.
[68] Cf. BOFF L., Nova era: a civilização planetária, São Paulo: Ática, 1994, p. 53: “A fé cristã [...] em primeiríssimo lugar se manifesta como uma utopia. A utopia não é algo que se opõe ou nega a realidade. Ela pertence à realidade, na medida em que expressa as potencialidades da realidade ainda não concretizadas, mas possíveis de o serem no processo histórico e no absoluto de Deus. A utopia que a fé judaico-cristã sustenta é essa:existe um sentido global e derradeiro da realidade, tudo está destinado a conservar-se no ser, a chegar a uma plena realização e a ser totalmente transfigurado. A morte não terá a última palavra, mas a vida, e esta em abundância”.

[69]A expressão é de SCHILLEBEECKX E.,in: Menschen.Die Geschichte von Gott, Freiburg / Basel / Wien: Herder, 1900, p. 224.

[70]Cf. OTTEN A. Op. Cit., , cit, p. 68.

[71] Idem, ibidem, p. 69.
[72] Cf. FORTE B, Jesus de Nazaré, história de Deus, Deus da história, São Paulo: Paulinas, 1985, p.284.
[73] A respeito do contacto da teologia a partir desta problemática com a hermenêutica contemporânea cf. JEANROND W. G., Text und Interpretation als Kategorien theologischen Denkens, Tübingen : J. C. B. Mohr Siebeck, 1986; Theological hermeneutics: development and significance, London: SCM, 1994; O Caráter Hermenêutico da Teologia, in: GIBELINI R. (org.), Perspectivas Teológicas, op. Cit., p. 45-65. GEFFRÉ C., Croire et interpéter: Le tournant herméneutique de la théologie, Paris: Cerf, 2001.
[74] Como afirma C. Boff: “A preferência pelos pobres que vale para a fé, vale também para o estudo da fé e vale igualmente para seu método, já que as três coisas estão unidas”. Cf. BOFF C. Teoria do Método Teológico, op. Cit., p.18.
[75]Cf. BOFF L., op. Cit., p. 100: “Em grande parte, é em razão de ser um saber racional que entra em diálogo com os demais saberes humanos da época que a teologia presta sua colaboração para a construção de um mundo mais humano e mais justo que cada época deseja”.

[76] Daí porque a referência à situação histórica em que ela está situada é indispensável. A respeito dos desafios de nossa epocalidade em relação à teologia cf. BRIGHENTI A., Fazer Teologia desde a América Latina, op. Cit. P. 213 e ss.
[77] Sobre a proposta de uma “física relacional” cf. Assis A K. T., op. cit., pg. 115 e ss.
[78] Para von Weizsäcker, a física hoje possui uma unidade real,conceitual maior do que em qualquer outra época de sua história. Seu livro levanta a pretensão de enfrentar esta questão, não como normalmente se faz hoje, isto é, como unidade no método (epistemológica),mas como unidade no objeto(ontológica). Trata-se de pensar a unidade da natureza a partir de que se explica a unidade da física. Para ele, o desenvolvimento histórico da física é na realidade um caminho na direção desta unidade. Cf: Weizsäcker C. F. von, op. Cit., pg. 207, 12-13.
[79] Cf. HAWKING St.,, The Universe in a Nutshell, New York: Bantam Books, 2001.
[80] Cf. GRÜNBAUM A., “A New Critique of Theological Interpretations of Physical Cosmology”, in: The Britisch Journal for Philosophy of Science, 51 (200)1-43.
[81] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 435 e ss.
[82] Por esta razão não tem o menor sentido identificar a criação com a explosão inicial. Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft, op. Cit., p. 47.
[83] K. Rahner conclui daqui que a matéria e o espírito humano não podem constituir duas esferas de ser completamente dicotômicas porque têm uma raiz comum o que implica uma unidade última do universo. Assim, a matéria tem que ser compreendida como o mais baixo degrau do espírito, embora esta afirmação possa ser sem importância para a ciência da natureza. Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft, op. Cit., p. 50.
[84] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 438.Cf. GRÜNBAUM A., “A New Critique of Theological Interpretations of Physical Cosmology”, in: The Britisch Journal for Philosophy of Science, 51 (200)1-43.
[81] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 435 e ss.
[82] Por esta razão não tem o menor sentido identificar a criação com a explosão inicial. Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft, op. Cit., p. 47.
[83] K. Rahner conclui daqui que a matéria e o espírito humano não podem constituir duas esferas de ser completamente dicotômicas porque têm uma raiz comum o que implica uma unidade última do universo. Assim, a matéria tem que ser compreendida como o mais baixo degrau do espírito, embora esta afirmação possa ser sem importância para a ciência da natureza. Cf. RAHNER K., Naturwissenschaft, op. Cit., p. 50.
[84] Cf. PUNTEL L.B, Struktur und Sein, op. Cit., p. 438.

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