sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Síntese de Mariologia

Síntese de Mariologia


Quando chegou a plenitude dos tempos, mandou o seu Filho, nascido de mulher… para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4,4-5). Constantemente na história da salvação, Deus manifesta o seu amor de Pai junto a seu povo. O amor é revelado por meio de uma eleição: uma jovem é separada para que por meio dela o Filho de Deus pudesse assumir a humanidade decaída com o pecado. Assim como por meio de uma mulher (Eva), o pecado “entrou” no mundo, Deus separa uma mulher para que por meio dela chegue a Salvação: dá-se uma nova criação. Há um novo Adão e, do seu lado é tirada a mulher, a nova Eva; um novo povo é constituído.
Maria é a Mulher do sim. O sim dado ao Amor. A obediência dada por amor. A entrega dada no amor. Desta maneira, Maria tem uma grande importância na história da salvação e na vida de muitos cristãos e sua figura é tradicionalmente reconhecida na Igreja Católica.

5.1 MARIA NO NOVO TESTAMENTO

Certamente, a Virgem tem na Bíblia um lugar discreto. Ela aí é representada toda em função de Cristo e não por si mesma. Mas sua importância consiste na estreiteza de seus laços com Cristo.
Maria está presente em todos os momentos de importância fundamental na história da salvação: não somente no princípio (cf. Lc 1 – 2) e no fim (cf. Jo 19,27) da vida de Cristo, mistérios da Encarnação e da morte redentora, mas na inauguração de seu ministério (cf. Jo 2) e no nascimento da Igreja (cf. At 1,14). Presença discreta, na maior parte das vezes, silenciosa, animada pelo ideal de uma fé pura, e de um amor pronto a compreender e a servir aos desejos de Deus e dos homens (cf. Lc 1,38-39.46-56; Jo 2,3) (BOFF, 2004).
Esta presença revela seu sentido total, e com toda a Escritura se a recolocarmos nos grandes quadros e correntes da teologia bíblica onde eles se situam, Maria aparece no término da história do povo eleito como correspondente de Abraão: Ela se apossa, pela fé, da promessa que ele havia recebido na fé. Ela é o ponto culminante onde o povo eleito dá nascimento a seu Deus e se torna a Igreja. Se alagarmos a perspectiva da história de Israel à história cósmica, segundo as insinuações de João e de Lucas, se compreendermos que Cristo inaugura uma nova criação, Maria aparece no início da salvação, como restauração de Eva: Ela acolhe a promessa de vida onde a primeira mulher havia acolhido a palavra de morte e se torna perto da nova árvore da vida a mãe dos vivos (LAURENTIN, 1965).
5.1.1 Maria no Evangelho de Marcos
O Evangelho de Marcos se constitui em duas questões fundamentais: Quem é Jesus de Nazaré? Como ser discípulo de Jesus, o Cristo? Questões que Maria, mãe de Jesus, como todos de sua família e todos da comunidade cristã, inclusive Marcos buscam entender.
No Evangelho de Marcos a pessoa de Maria aparece em duas passagens: Mc 3,31-35 e Mc 6, 3-4. Nestes textos Maria é a mãe biológica de Jesus que busca entender o filho juntamente com seus familiares. A mulher maternalmente solícita pela sorte do filho. Mas, que também é convocada a ser discípula na busca de compreender Jesus e sua missão e acolher sua proposta.  Ela também podia estar entre os primeiros a nutrir preocupações ainda muito humanas pela missão e a obra de Jesus.
Marcos indica que a verdadeira família de Jesus não é a de ordem carnal e que a ela pertencem todos os filhos do Reino. Assim, Maria, Mãe de Jesus é fundamental testemunho dos verdadeiros laços que criam comunhão com Jesus. Depois de ter levado Jesus, seu filho no ventre, era preciso que ela o gerasse no coração, cumprindo a vontade de Deus (cf. Mc 3,35), que se manifestava naquilo que Jesus dizia e realizava. Neste sentido, a figura de Maria “mãe” se harmoniza e se completa com a figura da “discípula” (SERRA, 1995).
5.1.2 Maria no Evangelho de Mateus
No Evangelho de Mateus a pessoa de Maria aparece em dois momentos: nos relatos da infância (cf. Mt 1-2) e no ministério apostólico de Jesus ( cf.Mt 12,46-50; 13,54-58). O primeiro é composto por relatos próprios de Mateus; o segundo está em dependência de Marcos, mas Mateus toma diante dele tal liberdade que é capaz de transformar seu sentido e seu ensinamento (ALVAREZ, 2005).
No Evangelho da Infância em Mateus, Jesus, como todos os meninos, não chega ao mundo sem um pai e uma mãe. Mateus fala de José, esposo de Maria (cf. Mt 1,16) e de Maria esposa de José (cf. Mt 1,24). Maria, por sua vez não tem existência sem José, do qual é esposa, e sem Jesus, do qual é mãe. Maria é aquela que gera e é mãe, ao passo que José é somente o pai legal.
Mt 1,3 fala sobre a concepção de Jesus, diz que esta se realizou “para que se cumpra o oráculo do Senhor, por meio do profeta [...]” e cita Is7, 14, aplicando a Jesus a realidade do “Emanuel” e a Maria a de “virgem”. (Mateus quando) Ao falar do nascimento de Jesus, Mateus recorrendo ao texto de Isaías, não somente assume a interpretação dos LXX, mas ele mesmo interpreta teologicamente esse nascimento: Jesus é o Emmanuel e nasce de Maria Virgem. Neles dois se realiza plenamente o oráculo do profeta: Jesus é o Messias, e Maria é a Mãe-Virgem e, este fato maravilhoso somente pode ser entendido como a obra do Espírito Santo (ALVAREZ, 2005).
A união de Maria com seu Filho é, então, íntima, total e permanente. Desde a concepção virginal, Maria está expressamente unida a Jesus e é inseparável dele. Por isso, os escritores eclesiásticos aprofundam nesta realidade, dizendo que não podemos entender Jesus sem Maria e entender Maria sem Jesus.
Podemos notar, finalmente, como que um contraste nas expressões de Mateus: Enquanto Jesus é o Emmanuel de Deus, Deus – conosco, Maria é a Mãe que está sempre junto do seu Filho. Ela é a resposta permanente à presença sempre atual do Senhor na história.
Quanto ao ser discípulos de Jesus significa cumprir a vontade do Pai no céu, realizar seu plano. Para Mateus, o discípulo integra, então, a escuta da Palavra e sua ação (cf. Mt 5,19;Mt7,24-25), o estar junto de Jesus e sob a sua proteção (cf. Mt 12,49-50). E Maria, com perfeita discípula e “família dele” em um nível muito mais forte e firme do que o dos laços físicos de geração (ALVAREZ, 2005).
Portanto, o Evangelho de Mateus nos fala que Maria está intimamente ligada ao seu Filho Jesus Cristo, desde antes do nascimento e, uma vez nascido para o mundo, está unida a ele nos momentos fundamentais de sua vida e de seu ministério. Assim, Maria aparece, mesmo sem palavras, como testemunha da graça abundante de Deus para seu povo, mas também como mãe que cuida e acompanha o Filho de suas entranhas (ALVAREZ, 2005).
5.1.3 Maria no Evangelho de Lucas
De todos os Evangelhos, Lucas é o que mais nos fala de Maria. Primeiramente nos relatos da infância, onde ela tem um papel mais ativo do que o que vimos em Mateus; em seguida, no marco da atividade apostólica de Jesus, com quatro textos, dois dos quais coincidem com as tradições de Marcos e de Mateus (cf. Lc 4,16-30 e 8,19-21) e outros dois que pertencem à tradição própria de Lucas (cf. Lc 3,23 e 11,27-28); por último, no começo dos Atos dos Apóstolos, quando se inicia a história da Igreja (cf. At 1,14) (ALVAREZ, 2005).
A primeira coisa que temos de afirmar, ao entrar na análise dos textos lucanos sobre Maria, dentro do chamado Evangelho da infância (Lc1-2), é que os textos são fundamentalmente cristológicos e mariológicos. Maria não tem uma identidade e uma vocação própria, mas dentro e a serviço da cristologia. Ela é tudo para Jesus e se transforma e se enriquece plenamente por e para Jesus. Para isto, temos alguns títulos que ilustram esta tão grandiosa discípula: Filha de Sião, Virgem e Mãe, Cheia de Graça, Morada de Deus, Cheia do Espírito, Serva e mulher de fé e Portadora da santa presença. Temos também textos bíblicos que falam da sua experiência como Mãe do Salvador: Lc1, 26-28 (o anúncio do Anjo); Lc1-39-45 (a visita a Isabel); Lc1, 46-55 (o cântico da libertação). Assim sendo, Maria surge em Lucas como a primeira mensageira do Evangelho de Deus: leva a Notícia da paz, da felicidade e da salvação, desde a Galiléia até a região de Judá. Mas Maria é a primeira mulher que acolhe o Evangelho e o comunica a seus irmãos, trazendo-lhes o gozo escatológico, quer dizer, a alegria e a segurança da salvação definitiva (cf. Lc 1,44) (ALVAREZ, 2005).
Em Lucas percebemos a participação e a cooperação de Maria no plano da salvação, desde a anunciação até o início da Igreja: “todos estes unânimes, perseveravam na oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com seus irmãos” (At 1,14) (ALVAREZ, 2005).
Portanto, no Evangelho de Lucas vimos que Maria é apresentada como a Mãe do Salvador e esta em Atos exerce a função de Mãe da comunidade, pois, ela se encontra reunida com esta comunidade nascente para receber em oração a Promessa do Espírito; com esta comunidade reunida com os seus para orar e esperar de seu Filho o presente dos tempos novos. É, finalmente, irmã na comunidade e discípula do Senhor exaltada, que permanece em Jerusalém em cumprimento da Palavra do Mestre (cf. At 1,5-8) (ALVAREZ, 2005).
5.1.4 Maria no Evangelho de João
O quarto Evangelho oferece-nos a história de Cristo, num esforço de “memória viva” que parte da fé pascal (cf. Jo 2,17.22;12,16;13,7;20,9) e é realizada por obra do Espírito, o Paráclito, que é testemunha fiel e o hermeneuta qualificado da vida e da obra do Cristo joânico (cf. Jo 14,15-17;15,26;16,7-11.13.15). O quarto Evangelho é do final do século I e expressa a situação de duas igrejas, primeiro na Síria e depois na Ásia Menor (ALVAREZ, 2005).
A figura de Maria aparece no quarto Evangelho em duas ocasiões, no começo e no final do Evangelho. Em ambas, Maria é chamada “a Mãe de Jesus” (cf. Jo 2,1.3.5;19,26), e em ambas a palavra do Mestre vai dirigida a ela com o nome de “mulher” (cf. 2,3;19,26), mas nunca aparece o nome próprio de Maria. No Evangelho de João Maria é chamada por dois nomes: “Mãe de Jesus” e “Mulher”. Enquanto a expressão “Mãe de Jesus” é um título que contrasta com a outra afirmação, “filho de José”, o termo “mulher” é comum em Jesus para dirigir-se às mulheres (cf. Mt15, 28; Lc13, 12; Jo4, 21; 8,10; 20,13). Contudo aqui, dito à sua Mãe tem uma conotação especial: o termo “mulher” dirigido por Jesus é um termo joânico que aparece em duas ocasiões (em Caná e na cruz) e forma uma espécie de inclusão. A mulher está presente no começo e no fim da vida pública, no momento em que o Messias inicia suas obras e na hora da morte, quando consuma sua obra (ALVAREZ, 2005).
Maria aparece no Evangelho de João, sobretudo em 2,1-12 como intercessora e evangelizadora. Como intercessora Maria apresenta simplesmente a Jesus, a necessidade dos que participam da festa de bodas: “Não há mais vinho” (Jo 2,3). Já como evangelizadora, a segunda palavra de Maria que encontramos no quarto Evangelho é significativa não só pelo que diz, mas também por aqueles aos quais a diz: “Fazei o que ele disser” (Jo 2,5) (ALVAREZ, 2005).
Se em Caná, Jesus lhe disse que ainda não havia chegado sua “Hora” e iniciou seus sinais, aqui, na cruz, na Hora da Páscoa, Jesus realiza seu último e definitivo sinal da salvação, a morte por todos e a entrega do Espírito (cf. Jo 19,30). Assim, Maria é chamada novamente com dois títulos de Caná: a Mãe de Jesus e a Mulher. Maria também é a testemunha por excelência da Páscoa de Jesus diante da comunidade (cf. Jo 19,35; 21, 24). E esta comunidade, ao entender o gesto de seu Senhor, a recebe entre seus bens mais preciosos: Maria passa a ser um bem precioso com que Jesus Cristo presenteia a Comunidade, um dom da Páscoa de inapreciável valor; mas também a Mãe de todos acolhida como tal (ALVAREZ, 2005).
A visão do quarto Evangelho é nitidamente teológica contribui para realçar o papel de Maria no mistério de Jesus. Assim, o Evangelho de João articula os três elementos, Maria – Mãe de Jesus, Maria – Mulher e Maria – Mãe dos discípulos, segundo uma graduação teológica: partindo de Maria – Mãe de Jesus para chegar a Maria – Mãe dos discípulos, com uma maternidade nova.

5.2 OS DOGMAS MARIANOS

Os quatro dogmas marianos: “Maternidade Divina” = “Mãe de Deus” (Theotókos), e “Maria Virgem” = Virgindade, são antigos e estão estreitamente ligados entre si e inseparáveis da fé em Jesus Cristo e a sua formulação histórico- dogmática. Os dogmas da “Imaculada Conceição” e “Assunção de Maria” são mais recentes e estão baseados na dignidade e no significado de Maria Virgem e Mãe de Deus.
5.2.1 A Maternidade Divina e Virginal
Julga-se que o título Theotókos, Mãe de Deus, aparece pela primeira vez, na literatura cristã, nos escritos de Orígenes (†250). Foi solenemente proclamado pelo Concílio de Éfeso (431) (BETTENCOURT, 2004).
Em que sentido Maria é a Mãe de Deus? Toda mãe é mãe de uma pessoa. A Pessoa que nasce de Maria é a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que dela assumiu a carne humana. Maria, porém, não é mãe apenas da carne humana, mas de toda a realidade do seu Filho, o Verbo encarnado. Daí dizer-se que Maria é Mãe de Deus, mas enquanto Deus feito homem.
Deus escolheu Maria, por benevolência ou gratuidade, para ser Mãe Santa. Portanto, encheu-a de graça. Maria correspondeu fielmente ao dom de Deus, dizendo-se e fazendo-se a serva do Senhor (cf. Lc 1,38. 44). Maria foi escolhida como filha de Sião ou como membro de um povo chamado a gerar o Messias. Isto quer dizer que o Sim de Maria é o Sim de uma coletividade; é o Sim de todo o gênero humano, chamado a se prolongar na Igreja através dos séculos (BETTENCOURT, 2004).
Maria concebeu o Filho de Deus de maneira livre e generosa. Para isto, devia ter certo conhecimento do dom e da missão que lhe eram propostos (não se tratava de conhecimento pleno; (cf. Lc 2,50). Maria é privilegiada, mas ela se intitula “servidora de Deus e dos homens” (cf. Lc 2,38. 48). O próprio Jesus ensinou que “o maior deve ser como aquele que serve” (cf. Lc 22,26; Jo 12,13-15).
Desde remota época a Igreja professa que Maria é sempre virgem (no sentido físico). Esta verdade pertence ao patrimônio da fé, como declarou, em conformidade com a Tradição, o Papa Paulo V (aos 7/08/1555): “A bem-aventurada Virgem Maria foi verdadeira Mãe de Deus, e guardou sempre íntegra a virgindade, antes do parto, no parto e constantemente depois do parto” (DS 1880 [993]).
A doutrina da concepção virginal de Maria começa a ter sentido quando abordada de modo contemplativo no contexto da encarnação. As narrativas da infância de Mateus e Lucas são as únicas fontes que falam da concepção virginal de Jesus. Elas testemunham que Maria concebeu Jesus pelo poder da sombra do Espírito Santo sem intervenção masculina (cf. Lc 1,26-38; Mt 1,18-25). Os dois autores estão indicando o interesse na concepção virginal como sinal de escolha e graça divinas. A descrição extraordinária do nascimento de Jesus entra no discernimento cristológico de que Jesus é Filho de Deus, o Messias, desde o nascimento.
Assim, a doutrina da virgindade de Maria é indicativo das origens de Jesus no mistério de Deus que não se explicita apenas por ascendência humana, mas pela iniciativa criadora de Deus. Maria é virgem e mãe. Maria Virgem porque se guardou íntegra para Deus. Virgem por guardar íntegra a Palavra de Deus: “Faça-se em mim…”. Por isso é também a “sempre virgem Maria”: avançou íntegra na “penumbra da não-visão”; avançou em “peregrinação de fé” (LG 58).
5.2.3 Imaculada Conceição
O dogma da Imaculada Conceição significa que, no primeiro instante de sua conceição, a Bem-aventurada Virgem Maria foi, por graça e privilégio singulares de Deus onipotente e em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, preservada de toda mancha da culpa original (DS 2803 [1641]).
Esta verdade, solenemente definida por Pio IX em 08/12/1854, foi aos poucos aflorando à consciência da Igreja. Durante muito tempo, os teólogos perguntavam como poderia Maria ter sido salva por Jesus Cristo se nunca tivesse pecado. Finalmente, João Duns Scoto, O.F.M. (†1308) propôs a fórmula decisiva: “pertence à perfeição do Redentor não somente purificar do pecado, mas preservar do pecado a mais dileta dentre as criaturas” (BETTENCOURT, 2004, p.06).
Maria, portanto, foi isenta do pecado original em previsão dos méritos de Cristo; assim, ela foi remida de maneira mais perfeita do que as outras criaturas.
Maria nunca contraiu pecado pessoal, nem a mais leve culpa. A razão pela qual o Senhor Deus quis outorgar tal privilégio a Maria, se deriva da graça da maternidade divina: não convinha que aquela mulher chamada a ser tabernáculo do Altíssimo ou Mãe de Deus feito homem estivesse, por um momento sequer, sujeita ao domínio do pecado e de Satanás. O anjo declarou Maria “cheia de graça” (Lc 1,26) – o que sugere que desde o início da sua existência ela gozou da plenitude do favor divino.
A riqueza de graças em Maria não impediu que ela vivesse de fé e de esperança, em meio a lutas e dores. A sua fé inspirou-lhe a obediência incondicional a Deus, que lhe pedia cada vez mais generosa. Maria não compreendeu desde o início a grandeza da obra que Deus nela realizaria; também se sentiu perplexa, mais de uma vez, diante do procedimento de seu Filho (cf. Lc 2,49s), mas abandonou-se a Deus sem reservas.
5.2.4 Assunção de Maria
Desde remota época (séculos IV e V), os autores cristãos julgaram que Maria teve um fim de vida terrestre singular; em seus sermões e em escritos apócrifos, professaram a glorificação corporal de Maria, logo após a sua morte na terra. Esta crença foi-se transmitindo até que o Papa Pio XII em 1950 houve por bem proclamá-la solenemente como dogma de fé (FIORES, 1995).
Com efeito, Maria, que não esteve sujeita ao império do pecado para poder ser a santa Mãe de Deus, não podia ficar sob o domínio da morte que entrou no mundo através do pecado (cf. Rm 5,12). Por isto, não conheceu a deterioração da sepultura, mas foi glorificada não somente em sua alma, mas também em seu corpo (FORTE, 1985).
A carne da mãe e a carne do filho são uma só carne. Por isto, a carne de Maria devia tocar a mesma sorte que tocou a carne de Jesus: ambas foram glorificadas no fim desta caminhada terrestre. Existe uma tendência a empalidecer o significado da glorificação corporal de Maria mediante a tese da ressurreição de todo indivíduo logo após a morte: o caso de Maria seria um entre outros pares (BETTENCOURT, 2004).
A Assunção da Virgem Maria é uma participação singular na Ressurreição de seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos outros cristãos (CIC 966).

5.3 MARIA NOS DOCUMENTOS DO VATICANO II: LUMEN GENTIUM E MARIALIS CULTUS

A figura de Maria foi de suma importância para o Vaticano II: o Papa João XXIII abriu o Concílio na festa da Maternidade Divina de Maria (11 de outubro de 1962) e o Papa Paulo VI o concluiu na vigília da Imaculada Conceição (07 de dezembro de 1965). O Concílio, todavia, abre perspectivas de um novo tempo, nos deixando o “Capítulo VIII” da Lumem Gentium. Depois do Concílio Vaticano II, temos a exortação de Paulo VI (02 de fevereiro de 1974) (FURLANI, 2005).
5.3.1 Maria no Capítulo VIII da Lumen Gentium
O capítulo VIII da Lumem Gentium integra o mistério da Mãe de Deus no mistério de Cristo e da Igreja. Este documento dá destaque à fundamentação bíblica e tradicional da doutrina mariana, levando em conta a exegese recente, os Padres da Igreja e dos teólogos posteriores.
No seu conteúdo, representa a doutrina clássica em termos modernos: Maria, a Mãe de Deus e tipo de Igreja é vista como pessoa que se oferece livre e conscientemente à graça de Deus.
A devoção aparece como incentivo para a fé e amor de Jesus. E favorece ao diálogo ecumênico, assumido no Concílio. O Papa Paulo VI na promulgação da Constituição Lumem Gentium, terminou sua alocução proclamando Maria Mãe da Igreja, título que não aparece no documento conciliar, mas foi acrescido às “Ladainhas lauretanas” (FIORES, 1995).
5.3.2 Marialis Cultus
A Exortação Apostólica do Papa Paulo VI (02/02/ 1974), parte da renovação litúrgica, decidida pelo Concílio Vaticano II, para explicar o lugar de Maria no ciclo geral e o sentido das festas propriamente marianas (FIORES, 1995).
A Exortação segue o que orienta o Concílio: [...] promovam generosamente o culto, sobretudo o litúrgico, para com a Bem-Aventurada Virgem Maria; dêem grande valor às práticas e aos exercícios de piedade recomendados pelo magistério [...] (LG 67). Neste ensinamento, Paulo VI articula a questão da cultura e da inculturação do culto devido a Maria, como a Mulher que soube viver no seu contexto e inserir-se no mistério de Cristo, porque foi uma mulher que acreditou naquilo que o Senhor lhe disse.
A Exortação especifica as características e evidencia elementos teológicos e espirituais do culto e de uma devoção mariana para o nosso tempo. Portanto, no seu conteúdo doutrinal, o mistério de Maria deve ser compreendido como um mistério trinitário, cristológico, pneumatológico e eclesial; em relação à devoção mariana deverá seguir quatro orientações: “bíblica, litúrgica, ecumênica e antropológica, para tornar mais vivo e mais inteligível o vínculo que nos une a mãe de Cristo e mãe nossa na comunhão dos santos” (MC 29).
O cunho bíblico em toda forma de culto é princípio e fato reconhecido pela piedade cristã e também pela piedade mariana. O conteúdo bíblico, portanto é referencial para alimentar o amor para com Maria e o culto que a ela se presta (MC 30).
Na característica antropológica, mostra que o mundo moderno requer uma nova imagem de Maria. Os cristãos devem fazer ver em Maria o modelo de pessoa humana, da mulher responsável e co-responsável, em conformidade com a realidade bíblica e levando em conta as exigências do fenômeno da libertação da mulher e do reconhecimento dos seus direitos na sociedade moderna (MC 35).
Na questão do ecumenismo a Marialis Cultos orienta que se mantenham os sentimentos de unidade de todos os cristãos  pois: “[...] todos aqueles que confessam abertamente que o filho de Maria é o Filho de Deus e Senhor nosso, Salvador e único Mediador (cf. 11Tm 2,5), são chamados a serem uma só coisa entre si, com Ele e com o Pai, na unidade do espírito Santo” (MC 32).
O lugar de Maria na liturgia se insere na celebração da obra salvífica do Pai: o Mistério de Cristo. Neste mistério inseriu-se a memória de Maria como Mãe de Cristo, celebrando-se de forma explícita a íntima ligação que a Mãe tem com o Filho de Deus (MC 3-4). Na celebração dos eventos dos mistérios da salvação, Maria aparece associada ao Filho em primeiro lugar na Celebração Eucarística, quando se invoca a memória da “sempre Virgem Maria, Mãe de Deus e Senhor Jesus Cristo” (Oração Eucarística I) e as memórias incorporadas pela liturgia da Igreja e aquelas que nascem da experiência de fé das comunidades cristãs. Da tradição perene e viva da fé da Igreja colhem-se as mais significativas expressões da piedade e devoção marianas (MC 9-15).
Referências Bibliográficas
ALVAREZ, Carlos G. Maria Discípula e Mensageira do Evangelho. São Paulo: Paulus, 2005. (Coleção do Celam).
BETTENCOURT, Estevão Tavares. Escola “Mater Ecclesiae”: curso de iniciação teológica por correspondência. – Rio de Janeiro.
DENZIGER, HünermannCompêndio dos Símbolos, definições e declarações de fé e moral. São Paulo: Paulinas/Loyola,2007.
FORTE, Bruno. Maria, a mulher ícone do Mistério. São Paulo, Paulinas, 1985.
FURLANI, Maria Aparecida. Apostila de Mariologia”: “ad usum studentium”.- Várzea Grande, MT,2006.
Lumen Gentium. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997.
PAULO VI, Papa. Marialis Cultus. In Documentos de Paulo VI. São Paulo: Paulus, 1997.

A inculturação da liturgia romana na história da Igreja

TEMAS LITÚRGICOS
A inculturação da liturgia romana
na história da Igreja

1. A Antiguidade apostólica e o nascimento da liturgia romana
A liturgia cristã nasce e desenvolve-se em estreita ligação e dependência da tradição judaica. Não são abolidos os antigos ritos, ao menos em totalidade, mas outorga-se-lhes um novo significado. O próprio estilo e modo de rezar sofre uma forma de inculturação 1.
A liturgia cristã não nasce, portanto, como algo totalmente novo, mas, sob a orientação do Espírito Santo, desenvolve-se sobre matrizes preexistentes mediante um discernimento: de acolhimento de tudo aquilo que está em harmonia com a tradição apostólica e fiel à história da salvação; de exclusão (ou de purificação) de aquilo que é contrário ao Evangelho e à prática cristã; de reinterpretação, dando aos sinais, ritos e modelos, novos conteúdos e novos significados 2.
Pouco a pouco, fez-se sentir uma certa influência helénica. Com a paz de Constantino (édito de Milão, 313), dá-se um mais aberto contacto com a cultura helénica, atenua-se a oposição aos ritos pagãos e alguns elementos desta tradição são assumidos na liturgia.
Mas olhemos para Roma, pois o presente artigo pretende tratar da inculturação da liturgia romana. A Igreja localizada no território romano começa a ser Igreja Romana. Assumem-se na liturgia e, particularmente, no cerimonial pontifical certos elementos provenientes da corte imperial. A linguagem e os sinais são, no entanto, espiritualizados à luz da Sagrada Escritura e referidos ao mistério de Cristo 3.
Posteriormente, a sociedade sofrerá profundas transformações, no entanto estas insígnias e elementos permanecerão tal como foram assumidos. São institucionalizados e estilizados. Tornam-se, assim, sinais de uma cultura que já não é civil, profana, mas puramente simbólica, «sacra» 4.
Foi tradicional durante muito tempo considerar a existência de uma única liturgia para toda a Igreja, que depois viria a dar lugar às restantes tradições litúrgicas. Actualmente, alguns autores começam a pôr em dúvida essa uniformidade litúrgica dos primórdios da Igreja. No entanto, derivada de uma única liturgia ou não, com o tempo, nas sedes das grandes metrópoles antigas (Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Constantinopla, Roma, Milão, Ravena, Aquileia, etc.) nascem tradições litúrgicas, ou também chamadas famílias litúrgicas. A estas sedes estava ligada a memória e a voz autorizada de santos bispos, e deve-se tanto à necessidade de uma adequação a diversas culturas, como à busca de diferentes formas e fórmulas que permitissem conservar inalterada, mais facilmente, a vitalidade da tradição litúrgica 5. Este fenómeno pode ser descrito como sendo simultaneamente de desenvolvimento, adaptação e inculturação.
Tanto a Oriente como no Ocidente, depois de um período de gestação caracterizado por uma incipiente criatividade de textos e da estruturação do tempo litúrgico, passa-se, na tentativa de se adaptar aos novos contextos culturais, a um período de verdadeira e própria criatividade litúrgica, tanto no que diz respeito aos textos, como às estruturas para os ciclos litúrgicos ou para a celebração dos sacramentos, de modo a alcançar a codificação ou cristalização dos tipos de famílias litúrgicas.
Encontramo-nos, portanto, hoje em dia numa situação diferente daquela da antiguidade apostólica. A inculturação que tratamos neste artigo, e que é impulsionada pela Igreja, a partir do Vaticano II, é a inculturação da liturgia romana, e é neste sentido que deve ser entendida. Não tem por objectivo a criação de novas famílias rituais. Por isso, para responder às necessidades de uma cultura determinada, o Concílio Vaticano II abre a possibilidade de adaptar o Rito romano 6, partindo das edições típicas estabelecidas 7. Nesta época inicial começa a desenvolver-se a liturgia romana ou o Rito romano. Foi opinião generalizada durante o século XX por parte dos estudiosos a existência de uma liturgia romana «pura», que teria existido entre os séculos V e VII. Alguns falam especificamente dessa liturgia «pura» e procuram analisá-la 8. Outros, ao tratar a história da liturgia parecem, de alguma forma, partir dessa pressuposição 9. Por fim, surgem ainda autores que preferem falar, mais do que de um momento estático e bem delimitado no qual se formou a «essência» do Rito romano, de um desenvolvimento orgânico de enriquecimento e crescimento progressivo. Neste sentido, a liturgia romana pura nunca teria existido e, se alguma vez existiu, nunca foi igual a si mesma. Isto é, preferem falar de uma liturgia romana em evolução, de uma liturgia que se encontra continua e simultaneamente desenvolvida e em fase de desenvolvimento 10.
Este rito, que talvez nunca tenha existido numa forma «pura», era a liturgia vigente na metrópole de Roma e nas dioceses sufragâneas. Havia substituído uma liturgia em língua grega e comum à cristandade dos primeiros dois ou três séculos. Os Papas Dâmaso (366-384), Inocêncio I (401-461), Gelásio I (492-496), Vigílio (537-555) e Gregório Magno (590-604), são os grandes responsáveis da sua implantação e formação. Com Gregório Magno promove-se a codificação da liturgia e alcança-se uma estrutura fixa em que a criatividade litúrgica é mínima.

2. Período franco-alemão: de Gregório Magno (590) a Gregório VII (1073)
Os livros da liturgia romana passam com relativa rapidez ao território franco-germano e aqui entram em contacto com a liturgia galicana (que existia e florescia já há vários séculos). Inicia-se assim uma múltipla e recíproca penetração.
Já com Pipino difunde-se o sacramentário gelasiano e verifica-se um início de reforma litúrgica. Posteriormente, no séc. IX, o imperador Carlos Magno, com a intenção de unificar o império, recorre à unidade da fé e da liturgia. Para tal, manda trazer os livros da liturgia romana e adapta-os à cultura galicana e, concretamente, à liturgia vigente nesse ambiente. Este período em questão constitui a época da liturgia romana sujeita ao influxo franco-germano. Confrontando tanto com os Ordines Romani originais como com o Pontifical Romano posterior, é fácil reconhecer o tipo de liturgia preferida por estes povos: desenvolvimento riquíssimo, material variado e abundante, estilo novo (mais longo, verboso, e dramático por vezes). O resultado é, portanto, uma combinação harmónica da herança romana antiga (caracterizada pelo equilíbrio, simplicidade, sobriedade, expressão estática) com o vigor dos novos povos (mais dinâmico, expansivo, vital, com tendência por vezes a uma espécie de anarquia) 11.
Por volta do século X sucede um processo similar com os imperadores da Germânia. Neste período Roma está em forte decadência litúrgica e a cúria está sem controlo. Os próprios imperadores, nas suas visitas a Roma, impõem o uso destes livros litúrgicos, outrora romanos, mas agora romano-germanos 12. O carácter simples, sóbrio e prático da liturgia romana cede lugar a uma nova cultura com outro tipo de mentalidade.
Vemos então como, sobre a base da liturgia romana, se adicionaram tradições tanto galicanas como germânicas que, posteriormente, foram introduzidas em Roma como próprias.
Parece conveniente salientar que, durante esta continua evolução, se realizaram inculturações erradas, que foram corrigidas ou eliminadas, em conjunto com as legítimas e verdadeiras, que perduraram 13.
Como a história demonstra, são casos pontuais de inculturações abusivas movidas por finalidades pastorais desviadas que a Igreja corrigiu e rejeitou.

3. De Gregório VII (1073) ao Concílio de Trento (1545)
No século X a vida litúrgica em Roma encontrava-se bastante degenerada e sofre uma influência muito positiva da obra litúrgica dos mosteiros franceses e germanos que, entretanto, tinham chegado a Roma graças aos imperadores. Efectivamente, Cluny, com a sua reforma, constituiu um fundamento seguro para a reforma da Igreja e da liturgia. A liturgia volta a florescer sob o influxo dos Papas da reforma: Gregório VII e Inocêncio III.
Gregório VII protesta contra a destruição da velha liturgia romana e procura restaurá-la. No entanto, ao não conhecer a real situação histórica, instaura e consolida a liturgia romano - franco - germana.
Os Papas ao retomarem o controlo da liturgia romana, põem fim às ingerências imperiais, e é imposto a todos os bispos da Igreja o uso dos livros litúrgicos de Roma. A partir de então, o nascente centralismo romano apenas permite a coexistência das liturgias de Milão e de Espanha. Para tal, a ordem mendicante de S. Francisco de Assis desempenhou um importante papel. Efectivamente, centrada, desde o segundo decénio do séc. XIII, num tipo de apostolado itinerante, constituiu-se em propagadora involuntária de uma forma muito concreta de liturgia romana: a liturgia da cúria romana. A razão é simples, tratava-se de uma liturgia adaptada às exigências dos capelães do Papa, que necessitavam de um ofício mais simples e prático 14, e que, portanto, possuía livros de transporte mais cómodo e de fácil manuseamento. Desta forma, por obra dos frades franciscanos, estas redacções práticas e, especialmente, o «Missal» e o «Breviário da cúria romana», correram por todo o mundo, conseguiram uma boa aceitação e, evidentemente, foram copiadas. Assim, os discípulos de S. Francisco, facilitaram à liturgia ocidental uma standartização não só teórico - jurídica, mas sim efectiva.
Se este período se caracteriza pela adesão das dioceses ocidentais à liturgia romana e na progressiva unificação litúrgica, também se adverte que a atitude dos fiéis diante da liturgia se modifica profundamente. A liturgia, acção comum de sacerdotes e povo, parece reduzir-se agora a uma incumbência quase exclusivamente clerical. O povo assiste à missa, mas atento às suas devoções subjectivas, extra-litúrgicas. A assistência contenta-se com «ver», sem participar verdadeiramente, e produz-se uma distancia cada vez maior entre o celebrante e os fiéis 15.


(continua no próximo número)

1Cfr. B. NEUNHEUSER, Storia della liturgia attraverso le epoche culturali, Tivoli 1988, pp. 15-22.
2Cfr. Ibíd., p. 41; A. TRIACCA, Sviluppo - Evoluzione - Adattamento - Inculturazione?, em I. SCICOLONE (ed.), L’adattamento culturale della liturgia, Roma 1993, p. 85.
3Cfr. A. CHUPUNGCO, Liturgia e inculturazione, em A. CHUPUNGCO (ed.), Scienzia liturgica, II, Casale Monferrato 1998, pp. 363 ss.
4Cfr. B. NEUNHEUSER, Storia della liturgia attraverso le epoche culturali, Tivoli 1988, p. 50.
5No entanto, através destas variadas manifestações continua, no seio dos povos que aderem ao cristianismo, sem variações através dos tempos e dos testemunhos humanos, a única e comum (católica) tradição litúrgica. Da unidade primordial (judaico-cristã) passa-se à pluralidade expressivo-litúrgica. Por outras palavras, a universalidade da tradição litúrgica encarna-se na lei do particularismo das diversas tradições litúrgicas. Cfr. A. TRIACCA, Liturgia e tradizione, em A. BERNARDINO (ed.), Dizionario patristico e di antichità cristiane, II, Casale Monferrato 1983, pp. 1980 ss.
6Cfr. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, Instrução Varietates legitimae (25.I.94), 36: AAS 87 (1995) 302.
7Cfr. SC, 38-39. Deve-se respeitar “a unidade substancial do Rito romano” (SC, 38) e partir das edições típicas estabelecidas (SC, 39).
8Cfr. B. NEUNHEUSER, Storia della liturgia attraverso le epoche culturali, Tivoli 1988, pp. 57-74. Este autor descreve desta forma os elementos formais característicos do génio da liturgia romana: “(...) notiamo subito la loro semplicità precisa, sobria, breve, non verbosa, poco sentimentale; la loro disposizione chiara e lucida; la loro grandeza sacra e umana insieme, spirituale e di gran valore letterario” (Ibíd., p. 67).
9Cfr. E. CATTANEO, Il culto cristiano in occidente, Roma 1984, pp. 97-123; M. RIGHETTI, Manuale di storia liturgica, I, Milano 1964, pp. 187-696; T. KLAUSER, Breve historia de la liturgia occidental, Barcelona 1968, pp. 28 ss.
10Cfr. A. TRIACCA, Sviluppo - Evoluzione - Adattamento - Inculturazione?, em I. SCICOLONE (ed.), L’adattamento culturale della liturgia, Roma 1993, p. 73-75.
11Cfr. B. NEUNHEUSER, Storia della liturgia attraverso le epoche culturali, Tivoli 1988, pp. 80 e 84.
12Cfr. T. KLAUSER, Breve historia de la liturgia occidental, Barcelona 1968, pp. 60 s
13Citamos por exemplo, os casos enunciados por Vogel, como é o caso das missas secas (sem ofertório, nem comunhão, nem cânon), as missas bi-, tri-, quadrifacciatas (vários formulários de missa com apenas um cânon e uma só comunhão), etc. (cfr. C. VOGEL, Introduction aux sources de l’histoire du culte chrétien au moyen âge, Spoleto 1966, p. 136). Neunheuser explica estes abusos como consequência de uma evolução na espiritualidade e na prática pastoral. Começam a celebrar-se muitas missas nas Igrejas, capelas e santuários que se vão construindo. Esta multiplicação parece dever-se a facilitar uma maior participação dos fiéis, no entanto, posteriormente, esta diversificação verifica-se por razões puramente devocionais, privadas, especialmente pelo sufrágio dos defuntos. São necessárias, assim, uma maior quantidade de missas e começa-se a celebrar mais de uma vez por dia. As autoridades eclesiásticas reagem proibindo a binação que, nos séculos X-XI, desaparece. Então, para satisfazer a piedade de muitos que requerem missas por intenções pessoais surgem os abusos antes referidos.
14Cfr. B. NEUNHEUSER, Storia della liturgia attraverso le epoche culturali, Tivoli 1988, p. 104.

15Ibidem, p. 107.

LITURGIA E INCULTURAÇÃO


LITURGIA E INCULTURAÇÃO
Referências bibliográficas:
1.    França (de) MIRANDA, Mário. A inculturação da Fé. In A celebração do misté­rio pascal. Outras expressões celebrativas do mistério pascal e a liturgia na vida da Igreja. (= CELAM. Manual de Liturgia, IV), São Paulo, Paulus, 2007, p. 263-273;
2.    RUSSO, Roberto. A inculturação da Liturgia. In A celebração do mistério pascal, op. cit., p. 274-296.
3.    CELAM. Nova evangelização, promoção humana, cultura cristã. Documento de Santo Domingo, Petrópolis, Vozes, 1993: n. P24, M32, 84, 230.
4.    CELAM. Documento de Aparecida, Edições CNBB, 2007: n. 4, 94, 99b, 479, 491.
5.    TRIACCA, Aquiles Maria. Participação, in Novo Dicionário de Liturgia, São Paulo, Paulus, 20043, p. 886-904.

Premissas.

1.    Falar em inculturação é algo complicado e complexo por várias razões. As últimas Diretrizes Gerais (n. 79 a) colocam qual primeiro entre os desafios “a promoção de uma liturgia mais popular e inculturada, para que também os pobres e excluídos tenham mais espaço para celebrar, no Mistério Pascal de Jesus Cristo, sua vida e sua fé”.
2.     Eu pretendo abordar só alguns aspectos, também para não complicar o tema e perder o essencial. Solicito, antes de tudo, algumas atitudes interiores para colher este essencial. Por isso - qual premissa - gostaria destacar alguns elementos fundamentais - no que se refere à liturgia - que a partir do Concílio norteiam (ao menos deveriam) nossas celebrações:

a) Sujeito celebrante da ação litúrgica é a Assembléia; ela é o sacramento de Cristo! Juntos os cristãos confessam o Senhor ressuscitado. Não quero entrar nos detalhes, mas - para evitar equívocos - reconheço o ‘ministerio’ essencial do presbítero, mas a serviço do povo de Deus que celebra.
b) Segue a necessária participação frutuosa como referencial privilegiado e constante da ação litúrgica, dentro da atuação dos diferentes dons e ministérios, fundamentada no único sacerdócio.
c) Lex orandi statuat legem credendi. O Movimento Litúrgico que preparou e animou o Concílio, recuperou o caráter teológico da liturgia, isto é, de momento da e na História da salvação. Na liturgia a Igreja manifesta a sua fé! Através da celebração litúrgica é possível conhecer a fé que a Igreja professa e viver nela uma experiência própria, forte e transformadora, do Deus vivo que Jesus nos revelou.   
d) Na liturgia nós cristãos celebramos não as nossas obras, mas a obra de Deus, o que Ele fez e faz pela nossa salvação. Nós celebramos, isto é, tornamos célebre o nome do Senhor, o louvamos e bendizemos pela obra da salvação. Cada celebração instaura uma relação entre Deus e o homem, relação de comunhão, não intelectual, teórica, mas corporal, concreta, viva. Finalidade da Liturgia é viver uma relação filial entre Deus e os crentes e uma relação fraterna entre os participantes. Isso pela comunicação do dom de Deus, por meio de Cristo na força do Espírito.
e) A celebração litúrgica, então, pode acontecer somente na em Jesus Cristo morto e ressuscitado, centro de tudo, ponto alto do nosso crer. Outros aspectos espúrios - por ex. busca de satisfação psicológica, de emoções, ou de aparecer, de exaltar nossas conquistas, celebrar nossas vitórias... sim, tudo isso pode - às vezes até deve entrar - mas na luz da Páscoa de Cristo.
f) A celebração cristã mostra a alteridade de Deus, que dEle não temos um contato imediato, mas precisamos de mediações; não recebemos a revelação divina de maneira imediata e física; nós não vivemos na visão, mas na fé (cf. 2 Cor 5,7). Por isso proclamamos: Eis o mistério da fé!
g) Na dinâmica eclesial a Liturgia está no início da vida cristã e da evangelização - como fonte - e qual ponto alto - cume; o anúncio visa conduzir à plenitude do encontro sacramental com o Senhor. O testemunho (martiria) torna-se serviço aos irmãos (DIAKONIA), para gerar o louvor e o agradecimento (LEITOURGUIA). Assim se realizam plenamente as duas missões, a do Filho e a do Espírito.
2. Então, deve ficar claro que a Liturgia, por si só, não basta à vida da Igreja. Ela tem um antes e um depois, numa constante reciprocidade. Para que a Liturgia ‘funcione’, ela precisa, antes, do anúncio da Palavra que ilumina a vida com o projeto de Deus; precisa da Iniciação à vida cristã através dos Sacramentos da fé e deve conduzir a uma vida de amor, isto é, a dar a vida por amor, nas modalidades e expressões que exigir a vocação de cada um. Em outras palavras, se nossas liturgias não forem fundamentadas na Palavra, tornar-se-ão folclore, ou show, ou teatro; se não converterem nosso coração, então, algo não funciona, ainda! Digo isso porque, às vezes, cobramos da Liturgia o que não lhe compete.
Para falarmos, portanto, de inculturação da Liturgia é preciso manter  presentes estas dimensões da fé e da pastoral. Se não procurarmos inculturar toda a nossa ação evangelizadora e missionária, fecundando-a com uma sincera e profunda paixão por Jesus Cristo e pelo Reino, a Liturgia por si só, não funciona! Em outros termos para que a Liturgia fale e seja compreendida em sua beleza e riqueza, é precisão que nossa ação pastoral, isto é, o anúncio da Palavra e a ação pastoral conduzam, aos poucos, para uma vida nova em Cristo. E isso exige um projeto eclesial e um testemunho de fé pessoal e eclesial.

I - IGREJA E INCULTURAÇÃO.
1.    O fundamento da inculturação está na encarnação de Jesus Cristo: o filho de Deus se tornou humano, assumiu nossa carne. Lembro das bonitas palavras do Concílio (Gaudium et Spes, 22): “Por sua encarnação, o Filho de Deus uniu-Se de algum modo a todo homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano”. A Liturgia continua a História da Salvação que teve este ponto alto em Cristo Jesus.
2.    Em Santo Domingo - IV Conferência do Episcopado Latino-americano - a dimensão da inculturação foi um dos mais abordados. O papa João Paulo II em seu discurso afirmava: “É-nos apresentado o desafio formidável da contínua inculturação do Evangelho... tema que tereis de abordar com clarividência” (DI, n. 24). Os bispos na mensagem final (n. 32), entre as linhas pastorais exortam: “Devemos encorajar uma evangelização que penetre nas raízes mais profundas da cultura comum dos nossos povos, tendo uma especial preocupação pela crescente cultura urbana”, e, ainda: “Ocupemo-nos de uma autêntica encarnação do Evangelho nas culturas indígenas e afro-americanas do nosso Continente”. No documento que seguiu à esta Conferência se observa (n. 43): “Ainda não se dá atenção ao processo de uma sã inculturação da liturgia. Isto faz com que as celebrações sejam ainda, para muitos, algo ritualista e privado a ponto de não se fazerem conscientes da presença transformadora de Cristo e de seu Espírito nem de traduzirem em um compromisso solidário para a transformação do mundo”.
3.    Estas palavras relevavam a urgência de integração entre fé e vida, evangelho e valores próprios dos povos, cultura e liturgia. Como isso possa acontecer na prática não é fácil. Mas a procura constante existe e nossa Igreja a incentiva. Isso não só em nosso Continente, mas por parte da Igreja universal e tem um peso relevante no que se refere à (nova) Evangelização.
4.    Acrescento que o papa João Paulo II, no encontro com os bispos do Regional NE3 em visita ad limina em 1995, enfrentou este nosso assunto: “Desejo hoje entreter-me sobre o estado da renovação litúrgica no vosso imenso país e a tarefa de chegar a uma Liturgia romana corretamente inculturada no povo brasileiro (iremos retomar alguns pensamentos do que o papa disse na ocasião).
5.    Então, quais os ‘elementos fundamentais’ para uma inculturação da liturgia?[1]. O Concílio deu alguns critérios para a reforma da liturgia.
a) SC (34) afirma: “Os ritos devem resplandecer com uma nobre simplicidade: devem ser claros, evitando as repetições inúteis; adaptados à capacidade dos fieis e, em geral, não devem ter necessidade de muitas explicações. Esta reforma não pretendia ser uma restauração arqueológica, mas retomar em sua pureza a liturgia romana dos primeiros 7 séculos, tirando os elementos supérfluos que o contato com os povos franco-germânicos tinha acrescentado, tirando a simplicidade e sobriedade que a caracterizavam.
b) Por isso, outro elemento da reforma conciliar consistia em procurar adaptar a liturgia ao gênio próprio de cada cultura. Obra não fácil nem rápida se o papa João Paulo II na Carta apostólica Vicesimus quintus annus - no XXV aniversário de SC escrevia: “É ainda árduo o esforço que se deve fazer para enraizar a liturgia em algumas culturas, tomando delas as expressões que possam harmonizar-se com o verdadeiro e autêntico espírito da liturgia, respeitando a unidade substancial do rito romano expressa nos livros litúrgicos” (Ed. Latina n. 25).
c) Lembremos que um dos critérios e objetivos da reforma foi a participação dos fieis; uma participação “consciente” (n.11), “ativa, plena e frutuosa” (n. 14). Portanto a inculturação entra como exigência desta participação plena. Então, nos perguntamos: “O que significa participação litúrgica?”[2]. Se a finalidade da liturgia consiste no culto público e integral a Deus por parte dos fieis e na santificação dos mesmos por parte da Trindade, então, participar é entrar em comunhão com o mistério que se atualiza em cada celebração litúrgica para que nossa vida seja renovada pela presença transformadora de Jesus ressuscitado que vive no Espírito. Assim, a nossa vida toda se transforma em culto espiritual (cf. Rm 12,1-2).
6. Se for assim, então, a inculturação visa conduzir o fiel ao encontro com Cristo dentro de sua realidade vital que chamamos de cultura. Mas, poderíamos ou devemos, antes de tudo, responder à pergunta: “O que cultura? Respondo com as palavras do teólogo Mario de França Miranda: “É o conjunto de sentidos, valores e modelos subjacentes ou incorporados ao ser e o comunicar-se de um grupo humano”[3]. Finalidade da cultura é viver num contexto ambiental e social sem perder, antes, potencializando os elementos positivos do nosso ser ‘humanos’. “Cultura significa, assim, uma unidade fundamental de ação e representação” que é típica de todo comportamento social[4]. Então, podemos dizer que faz parte da cultura tudo o que pertence ao humano jeito do ser. Pertence à cultura de um povo o jeito de vestir, comer, fazer festa e chorar, celebrar nascimento e morte, aniversários e casamentos, cumprimentar os outros ou fazer memória dos antepassados, brincar ou contar piadas, dançar e namorar, contar histórias e estórias, os símbolos com que as pessoas se comunicam e os valores que vivem e transmitem etc. tudo isso. Conclui o nosso autor: “Os padrões culturais possuem eficácia à medida que são vividos e atualizados na ação social concreta”[5]. O clima cultural em que a gente vive muda pelas influências externas, pelo contexto feito de TV e internet, contatos com o mundo da cidade e da propaganda, pela convivência com outros modelos e estilos de vida. Tanto que hoje em dia a gente se pergunta: “Qual nossa cultura”? O jovem que sai da zona rural e vem para a cidade do interior ou que da pequena cidade do interior migra para a grande cidade, entra em contato e, talvez, em choque com diferentes expressões culturais. Ainda mais, hoje em dia observamos uma ‘nivelação’ cultural produzida pela mídia tanto que é possível na zona rural mais afastada ver, sobretudo, jovens encarnar ‘modelos culturais’ típicos das grandes cidades.
Logo compreendemos como torna-se sempre mais complexo o entrar em diálogo com esta realidade fluida, não definida, ‘pluriforme’, não bem definida, que foge a definições bem precisas.
7. O documento Ecclesia in América (n. 70) recomenda que “o Evangelho seja anunciado na linguagem e na cultura daqueles que o ouvem” e diz que “a nova evangelização pede um esforço lúcido, sério e organizado para evangelizar a cultura”. São desafios que nos acompanham como evangelizadores. No mesmo documento se escreve que compete aos católicos promover uma “cultura da vida” (n. 63), uma “cultura da solidariedade” (n. 52), que combata “esse modelo de sociedade baseado na cultura de morte” (n. 63). Ainda é do papa João Paulo II a expressão: “uma fé que não se torne cultura é uma fé que não foi plenamente recebida, não inteiramente pensada, não fielmente vivida” (carta ao cardeal secretário de Estado, 20/05/1982). Mas aparece claro que a cultura não é - observa ainda Pe. Miranda, “uma grandeza intangível, pois sofre mudanças devido a fatores internos ou externos”... Por isso, “toda inculturação da fé implica ao mesmo tempo evangelização da cultura”[6]. Por isso o mesmo papa define inculturação como “uma íntima transformação dos autênticos valores culturais mediante sua integração no cristianismo e a radicação do cristianismo nas diversas culturas” (Redentoris Missio, 52).
8. Então, numa sociedade pluralista como a em que vivemos não é fácil definir o que significa cultura, quais elementos a liturgia deve acolher para se inculturar. Sabemos e reafirmamos que Evangelho e suas intrínsecas exigências de um lado, expressões culturais diferentes do outro, devem entrar em diálogo, mas... como?
9. Retorna à minha mente o que escrevia o papa Paulo VI em Evangelii Nuntiandi (O anúncio do Evangelho: 1975): “O Evangelho, e consequentemente a evangelização, não se identifica por certo com a cultura, e são independentes em relação a todas as culturas. E no entanto, o reino que o Evangelho anuncia é vivido por homens profundamente ligados a uma determinada cultura, e a edificação do reino não pode deixar de servir-se de elementos da cultura e das culturas humanas... O Evangelho e a evangelização ... não são necessariamente incompatíveis com elas, mas suscetíveis de as impregnar a todas sem se escravizar a nenhuma delas. A ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época, como o foi também de outras épocas” (EN, 20). Mais adiante afirma que “a evangelização perderia algo da sua força e da sua eficácia se ela... não tomasse em consideração o povo concreto a que ela se dirige, não utilizasse a sua língua, os seus sinais e símbolos...” (EN, 63).

Um capítulo à parte deveríamos dedicar à RELIGIOSIDADE POPULAR, qual expressão significativa (e nem sempre valorizada em sua natureza e valor) da “cultura” de um povo.
      
Escreve Doc. de Aparecida(n. 37):
“Em nossa cultura latino-americana e caribenha conhecemos o papel tão nobre e orientador que a religiosidade popular desempenha, especialmente a devoção mariana”
Pouco depois (n. 43) se fala do “valor incomparável do ânimo mariano de nossa religiosidade popular”: nossa experiência junto ao povo, o confirma!
Ainda no mesmo Documento, escreve-se (n. 99b):
“A renovação litúrgica acentuou a dimensão celebrativa da fé cristã centrada no mistério pascal de Cristo Salvador, em particular na Eucaristia. Crescem as manifestações da religiosidade popular, especialmente a piedade eucarística e a devoção mariana. Esforços têm sido realizados para inculturar a liturgia nos povos indígenas e afro-americanos”.
N. 258: lembra-se de que o papa destacou “ a rica e profunda religiosidade popular , na qual aparece a alma dos povos latinos americanos”.


II - PRINCÍPIOS E MÉTODO DA INCULTURAÇÃO LITÚRGICA
Para realizarmos inculturação é preciso definir o “padrão cultural”. Isso não é fácil nem depende da fantasia ou do gosto de uma pessoa nem de um grupo. É algo ‘coral’ e fruto de muita reflexão, busca, experimentação e oração.
2. 1 - A IV Instrução “Varietates legitimae[sobre a liturgia romana e a inculturação para aplicar devidamente a constituição conciliar Sacrosanctum Concilium (nn. 37-40): 25 de janeiro de 1994] apresentava estes (três) ‘princípios gerais’:
a) A finalidade: permitir ao povo cristão compreender facilmente o sentido dos textos e dos ritos para participar mais plenamente do mistério celebrado e vivê-lo melhor;
b) A unidade substancial do rito romano (cf. SC 38). A inculturação não visa criar novas famílias de ritos, mas que “as novas adaptações façam parte também do rito romano” (VL, 36);
c) A autoridade competente (VL, 37) não será cada celebrante ou algum movimento ou grupo (cf. SC 22), mas a autoridade competente como estabelece a lei da Igreja católica.
Além destes três princípios fundamentais, encontram-se outros: ex. a ortodoxia litúrgica, isto é, os elementos que entram na liturgia não devem conter erros e superstições e estar em harmonia com o autêntico espírito litúrgico (cf. VL, 31 = SC, 37). Cada elemento antropológico é preciso que esteja em harmonia com os valores mais próprios da vida eclesial e do mistério celebrado.
Conforme SC 40 a finalidade maior da inculturação deve ser o bem da comunidade, isto é, uma finalidade pastoral. Por isso fala-se em necessidade vital qual critério que rege as mudanças e não tanto a curiosidade sociológica, a moda do momento, o desejo arqueológico etc. “A inculturação é o amor à comunidade cristã e o desejo de ajudá-la a participar mais consciente e fecundamente da celebração litúrgica”[7]   
Enfim, encontramos o critério da conaturalidade, isto é, o respeito recíproco entre liturgia e cultura. Portanto os elementos culturais usados devem ter uma ligação com seu sentido intrínseco Por ex. o uso do óleo para os enfermos, o ‘dar sãs mãos’, etc.
2. 2. Para completar a nossa análise devemos acrescentar o conhecimento dos métodos da inculturação. A história da liturgia mostra que, ao longo dos séculos três métodos foram usados com êxito:
a) A equivalência dinâmica. Consiste em substituir um elemento da liturgia romana por outro da cultura local que possua significado e valor equivalente. Por ex. analisando a celebração eucarística, nós encontramos um conteúdo teológico (o sacrifício pascal de Cristo) e a forma litúrgica: uma refeição ritual. Esta tem dois elementos fundamentais: uma liturgia da Palavra, em forma dialogal, e uma liturgia eucarística que imita a forma da última ceia. Diálogo e refeição são as duas realidades antropológicas essenciais. Cada cultura dialoga e celebra suas refeições rituais de forma própria. Aqui pode ser possível inculturar, sem perder o referencial que permanece o que a Igreja sempre fez a partir do que recebemos.
b) A assimilação criativa. No tempo da criatividade patrística vários elementos da liturgia foram tomados das tradições sociorreligiosas da época que foram adquirindo sentido cristão. Exemplo clássico é o rito do batismo com os diferentes elementos que foram se acrescentado ao simples derramamento da água: a unção batismal, dar a taça de leite e mel aos neófitos em sua primeira comunhão, os termos mystagogia, iniciação, etc.
SC 77 prevê a possibilidade de que as Conferências episcopais elaborem e adaptem um rito próprio para o Matrimônio, segundo “os costumes dos diversos lugares e povos”. O que aconteceu na última edição do ritual para o Brasil. Esta metodologia pode ser aplicada para outras celebrações, por ex. de funerais, de bênçãos, novas festas litúrgicas, etc.
c) A progressão orgânica. Encontramos este critério em SC 23: Qualquer mudança deve acontecer depois de uma “cuidadosa investigação teológica, histórica e pastoral”, só quando “a verdadeira e certa utilidade da igreja o exija e tomando a devida cautela de que as novas formas de um certo modo brotem como que organicamente daquelas que já existem”. No período pós-conciliar vários elementos rituais foram revistos entre uma e outra edição (ex. no rito do batismo de crianças, do matrimônio, da ordem, da unção). Por isso, um papel importante é deixado às Igrejas locais para que esta progressão orgânica aconteça.
Com isso reconhece-se que a reforma litúrgica é algo que continua acontecendo.
3. QUAL ‘CONCLUSÃO PRÁTICA’, SUGESTÕES para uma INCULTURAÇÃO que seja ao mesmo tempo fiel às ORIENTAÇÕES DA NOSSA IGREJA e à ‘CULTURA’ do POVO: 
CUIDADOS E CHANCES, EXEMPLOS:
a) Cf. DG 62: “O anúncio e a acolhida da PALAVRA, ‘fundamentais para a vida e a missão da Igreja’, ‘primeira e fundamental escola da fé’: a Palavra seja claramente anunciada..., seja comentada e refletida com homilias cuidadosamente preparadas, e encarnadas na vida”.
b) As ORAÇÕES (inicial, sobre as Oferendas, pós-comunhão): devem ser bem ‘oradas’, com pausas, com intensidade espiritual, pode-se mudar algumas palavras para tornar o texto mais compreensível (mas... cuidado!).
c) As PRECES DOS FIEIS: será que nossa ‘criatividade litúrgica’ não poderia ser mais aguçada para adaptar à realidade da Comunidade que celebra, aos acontecimentos da semana, à concreteza da caminhada eclesial e social?
d) As MONIÇÕES PRESIDENCIAIS: no início da celebração, na introdução da Prece dos fieis, da Oração Eucarística, antes da bênção e da despedida etc.
e) A escolha dos CANTOS: desafios e chances... exemplos...
f) USO (e... ‘abusos!!!) do(s) MICROFONE(S) e das novas ‘tecnologias.
g) Entre as ‘tentações’ do consumismo e do espetáculo e a busca do ‘rosto de Deus’ e do mistério / interioridade-interiorização...
h) A linguagem litúrgica e os símbolos (luzes, cores, sons, silêncio, movimentos, danças, ‘coisas’, relações...): um mundo rico, belo, simples, concreto, humano... sempre na verdade e na autenticidade, dentro do nosso ser humanos, feitos de pó e de estrela, de pão (ou farinha) e de poesia, de matéria e de Espírito...
algumas “ideias importantes”:
a) Na Liturgia quem ‘preside’ ou colabora na ‘presidência’, é chamado a servir a (e não a ‘servir-seda) Assembleia, “povo de Deus em festa”;
b) o “bem-presidir” é uma ‘arte’ que se aprende pouco a pouco, com estudo e paixão, com paciência e amor, humildade e competência “profissional”;
c) a Liturgia é “catequese em ação”, isto é, catequiza-se através da experiência concreta, é mistagogia;
d) a liturgia é festa de família em que os irmãos se reconhecem e acolhem em Cristo morto e ressuscitado e nele encontram o sentido de suas vidas e do mistério que nos envolve, abrem-se à esperança rumo à festa que não tem fim e que já pré-gostam na assembleia dos que foram salvos por graça;
e) tudo, de maneira especial, dentro da ação litúrgica, deve ser impregnado de autenticidade (ex. o abraço da paz... não é um ato do tipo ‘psicológico - sentimental’, ou do ‘costumeiro’- ritual, mas algo que vem de dentro, que expressa por fora aquela paz - dom de Deus - que nos use e que partilhamos, como empenho e estilo de vida fraterna e solidária, mas ... isso tem a que ver com a totalidade de minha vida..., então, sim, a liturgia abre para a missão!;
f) de fato, da liturgia vivida com intensidade espiritual e autenticidade humana, provém a missão, isto é, minha abertura aos outros que encontrar no meu caminho cotidiano, com atitudes de fé e de amor;
g) a liturgia precisa de... iniciação para compreendermos a linguagem, o sentido de ritos e gestos, palavras e mensagem....




PERGUNTAS (para trabalho em grupo)
1. Em nossas celebrações litúrgicas o que experimentamos como ‘inculturado’ - isto é, que fala à nossa vida e expressa o nosso jeito de ser - e o que deveria / poderia mudar ou melhorar para estar mais em sintonia, permanecendo fieis à celebração do mistério pascal e da história da salvação que a liturgia atualiza?
2. Existem propostas de celebrações adaptadas para o Brasil, ex.: o rito do Matrimônio, os ritos do Batismo (de crianças e de adultos) com diferentes sugestões e possibilidades de atualização por parte dos Ministros e colaboradores. Estas possibilidades estão sendo aproveitadas? Algo poderia sê-lo mais?
3. Para uma verdadeira renovação litúrgica, isto é, para que a liturgia ocupe o lugar próprio de fonte e cume, o que mais precisaríamos fazer, aos diferentes níveis da atuação pastoral? Quem o deveria? Como?

4. Cada celebração visa criar comunhão entre todos os discípulos(as) de Cristo; nisso cada um(a) e todos(as) somos servidores(as) e não donos, a partir do sacerdócio comum, a serviço do qual se põe o sacerdócio ministerial. De fato, nossas celebrações fazem crescer a comunhão? Quando, sim? Existem dificuldades? Quais? Como superá-las?
5. Música, cantos, símbolos, gestos, palavras etc. são meios para que o evento da morte e ressurreição de Cristo fecunde hoje e transforme nossas vidas abrindo-as para a esperança, falando às nossas vidas concretas e de nossos irmãos(as). O que estamos fazendo de positivo, que - de fato - consegue o objetivo? Algo mais, ou melhor, poderíamos fazer? Quais propostas?
6. No tocante à INCULTURAÇÃO da LITURGIA, nos perguntemos:
Como acontece a proclamação da PALAVRA? - Os leitores se preparam?
- Os microfones são bem usados? - As homilias são fieis aos textos bíblicos e litúrgicos? ‘atentas’ à vida da Comunidade? Ou algo deveríamos/ poderíamos melhorar? Ex.? Quais compromissos queremos assumir?




[1] Para responder - muito em síntese - devemos relembrar o que o Concílio apontou, sobretudo em Sacrosanctum Concilium (n. 37-40). O problema não é de hoje. Podemos dizer que acompanhou constantemente a vida da Igreja. Às vezes ela soube enfrentá-lo de maneira correta: ex. no caso dos santos irmãos Cirilo e Metódio com os povos eslavos, outras vezes, ficou trancada e não soube compreender as urgências dos tempos, ex. no séc. XVI com Pe. Mateus Ricci na China ou, no século seguinte, com Pe. Roberto De Nobili, no Japão. Dificuldades teve, também, como sabem, com os povos indígenas da América latina e com os negros por aqui trazidos. É história de ontem que, porém, acarreta consequências em nosso hoje. Então, permanecem para nós os constantes desafios de encarnar o único Evangelho da Graça na linguagem de todos os povos como aconteceu naquele dia em que desceu o Espírito Santo em Jerusalém e os apóstolos souberam falar da maneira que todos entendessem as palavras de Pedro (cf. At 2, 1...).

[2] Cf. Triacca, artigo Dicionário, p. 886.
[3] França (de) Miranda, op. cit., p. 265.
[4] Ib.
[5] Ib.
[6] Ib., p. 265-266.
[7] RUSSO, ib., p. 290 (que cita J. ALDAZABAL e NOCENT).

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C)

Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C) Um homem vem a Jesus pedindo que diga ao irmão que reparta consigo a herança. Depois ...