Homilia do Pe. Fantico Borges, CM
– Solenidade da Sagrada Família de Nazaré.
“Sagrada
Família de Nazaré minha casa vossa é!”
O Natal, sob muitos aspectos, é uma festa
doméstica. Ela reúne a família, os irmãos distantes e, sobretudo, encanta as
crianças com seus pais ao perceberem como estes valorizam, nesta ocasião, a
variedade de símbolos. O clima de amor e confraternização perpassa a Solenidade
do Nascimento do Senhor. Liturgicamente, a Igreja se detém no fato do Filho de
Deus ter tido necessidade também de uma família que o acolhesse. Como homem,
frágil e pequeno, precisou ser amado por um coração de mãe. Ele experimentou a
dependência na submissão a seus pais. Ele vivenciou a contingência de crescer e
aprender no interior de um lar e de uma cultura determinada. Eis o símbolo de
Nazaré onde Jesus viveu e cresceu (Lc 2,39-40). O mistério inaudito da
Encarnação se entrelaça, desta maneira, com a realidade da família, escola de
amor e de fé, de inculturação e de sociabilidade.
Maria, a Virgem Mãe, acolhe na fé o mistério,
fruto do seu ventre. São José também acolhe na Fé o mistério, adotando o Menino
e recebendo a Mãe. Deste modo, assume a paternidade legal de Jesus, cumprindo
com fidelidade sua altíssima e insubstituível missão: José, filho de Davi,
não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito
Santo. Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele
salvará o seu povo dos seus pecados (Mt 1,20-21). A esta missão cumprirá
José com todo amor e empenho. No seio de uma família Jesus encontra a segurança
necessária para crescer e se desenvolver até atingir a consciência humana de
sua missão divina.
A oportunidade da festa da Sagrada Família,
como decorrência do mistério do Natal que celebramos, nos proporciona
apresentá-la como protótipo, exemplo e modelo para todas as famílias cristãs
(cf. Familiaris Consortio, Conclusão; Redemptoris Custos,
III, 21). Embora se constitui também um mistério especial pela natureza do amor
e do matrimônio que uniam José e Maria; a presença inestimável do Filho de
Deus, e a natureza das relações materno-paternais de Maria e de José para com
Ele, esta Família é modelo nas virtudes teologais, a serem cultivadas por todas
as famílias cristãs. O sentido de Deus, do sagrado e do mistério, norteava e
unia a Família de Nazaré. Por isso, mesmo tendo vivido uma situação especial e
única de um lar construído na castidade perfeita, a serviço da Encarnação, ela
é a expressão mais nítida da vivência das virtudes familiares e teologais.
Serve, então, de estímulo e de intercessão para todas as famílias que queiram
vivenciar os valores evangélicos. A propósito, nos lembrava o Papa São João
Paulo II: “Por misterioso desígnio de Deus, nela viveu o Filho de Deus
escondido por muitos anos: é, pois, protótipo e exemplo de todas as famílias
cristãs. E aquela Família, única no mundo, que passou uma existência anónima e
silenciosa numa pequena localidade da Palestina; que foi provada pela pobreza,
pela perseguição, pelo exílio; que glorificou a Deus de modo incomparavelmente
alto e puro, não deixará de ajudar as famílias cristãs, ou melhor, todas as
famílias do mundo, na fidelidade aos deveres quotidianos, no suportar as ânsias
e as tribulações da vida, na generosa abertura às necessidades dos outros, no
feliz cumprimento do plano de Deus a seu respeito” ( Conclusão da Familiaris
Consortio).
Hoje, na medida em que avança a secularização
do pensamento e do comportamento, mesmo a família cristã se priva, muitas
vezes, da sua dimensão sagrada. Mal se dá conta que o amor de Deus em Cristo a
uniu, mediante o Sacramento do Matrimônio, para ser sinal visível e terno de
sua presença em todas as expressões da vida conjugal e familiar. Quanto mais
difícil se torna a proposta cristã para família contemporânea, mais imperioso
se faz anunciá-la como boa e alegre notícia de salvação.
Há um evangelho para a família, aquele que
supõe uma espiritualidade conjugal e familiar e uma ética própria, baseada na
abertura da família aos apelos de Deus, do meio social e cultural e das
necessidades de seus membros. O critério supremo da vida conjugal e familiar é
o amor ou a caridade como veículo da perfeição (Cl 3,16). Neste sentido, a
família cristã se instaura no mundo e na Igreja como escola de amor a Deus e ao
próximo, casa das primeiras experiências de fé, lugar do acolhimento dos
valores ético-cristãos, mediante o respeito aos mandamentos do Senhor, a oração
e o diálogo entre as diferenças.
No livro do Eclesiástico apresentam-se os
valores de uma família judaica, do cuidado com os pais e do respeito dos
filhos. A família em Israel era tida como celular mantenedora dos valores
tradicionais da sabedoria popular do Povo de Deus. Preservar a família era o
mesmo que conservar e perpetuar a cultura do povo judeu. Por isso, para um
judeu o valor da família é um bem inalienável. Honrar pai e mãe era encarado
como preceitos de tradição divina. A lei mosaica era muito rígida neste aspecto.
Daí as leituras de hoje fazerem tantas referências aos costumes familiares
comuns a todo Israel. Infringir essas normas familiares era o mesmo que
desobedecer ao ordenamento divino das relações humanas.
Nestas mesmas linhas expostas acima são lidos
também alguns preceitos gerais da vida cristã e alguns preceitos particulares
da vida familiar cristã (Cl 3,12-21). Paulo propõe um itinerário de santidade
para os eleitos de Deus, expresso pelas virtudes humanas no relacionamento
mútuo: sentimentos de compaixão, bondade, humildade, mansidão, longanimidade
(v.12); suportação e perdão recíproco, à semelhança do Senhor que perdoa
(v.13); a caridade, como vínculo da perfeição (v.14); o cultivo interior da paz
de Cristo para formar um só corpo e o agradecimento (v.15). Acrescenta
elementos práticos, típicos das reuniões litúrgicas, que podem ser adaptados à
família reunida em oração: a presença habitual da Palavra de Cristo, a motivar
o ensinamento e a admoestação mútuo, com toda a sabedoria, e a ação de graça a
Deus, através de salmos, hinos e cânticos espirituais (v.16). Além disto,
apresenta uma norma para qualquer palavra ou ação: tudo fazer em nome do Senhor
Jesus, dando por Ele graças a Deus, o Pai (v.17).
Em tudo que envolve essa festa da Sagrada
Família, especialmente hoje, última celebração de 2017, é a possibilidade de
sonhar com sociedade melhor que se constrói a partir do respeito pelas pessoas,
da gratidão para com aqueles que nos ajudaram a viver e a crescer como pessoas,
como cidadãos, por fim, da descobrir do amor de Deus que se esconde em coisas
simples do dia a dia.
Quero concluir minha meditação com essas
palavras de São João Paulo II: “Que São José, ‘homem justo’, trabalhador incansável,
guarda integérrimo dos penhores que lhe foram confiados, as guarde, proteja e
ilumine. Que a Virgem Maria, Mãe da Igreja, seja também a Mãe da ‘Igreja
doméstica’ e, graças ao seu auxílio materno, cada família cristã possa
tornar-se verdadeiramente uma ‘pequena Igreja’, na qual se manifeste e reviva o
mistério da Igreja de Cristo. Seja Ela, a Escrava do Senhor, o exemplo de
acolhimento humilde e generoso da vontade de Deus; seja Ela, Mãe das Dores aos
pés da Cruz, a confortar e a enxugar as lágrimas dos que sofrem pelas
dificuldades das suas famílias. E Cristo Senhor, Rei do Universo, Rei das famílias, como em
Caná, esteja presente em cada lar cristão a conceder-lhe luz, felicidade,
serenidade, fortaleza”.
Nas mãos
de Jesus, Maria e José confio cada família deste imenso Brasil. Que sejam Eles
a enriquecer cada lar com sua graça. A
todos e a cada um, assegurando a minha constante prece, concedo de coração uma
bênção sacerdotal para um ano novo cheio de amor e fidelidade em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo.
Pe. Fantico
Borges, CM