sábado, 31 de março de 2018

Homilia do Pe. Fantico Borges, CM – Solene Vigília Pascoal Ano B.


Homilia do Pe. Fantico Borges, CM – Solene Vigília Pascoal   Ano B.

Cristo Ressuscitou Aleluia venceu a morte por Amor!

Irmãos, esta Noite é santa! Toda lágrima, nela, é enxugada; todo pecado, nela, é perdoado; toda morte, nela, é vencida! Irmãos, nosso Jesus ressuscitou, nosso Jesus foi constituído Senhor e Salvador. Nosso Senhor Jesus abriu-nos um caminho novo; deu-nos um novo rumo na vida, uma nova esperança, uma invencível certeza! Nesta Noite, a Morte perdeu a guerra, nesta Noite, o Filho de Deus, na sua humanidade igual a nossa, venceu a Morte, arrombou o pântano infernal e abriu-nos o caminho para o Pai! Esta é a Noite mais feliz da história humana: é a Noite da Páscoa; Páscoa de Cristo, nossa Páscoa! “Eis agora a Páscoa, nossa festa, em que o real Cordeiro se imolou: marcando nossas portas, nossas almas, com seu divino sangue nos salvou! Ó Noite de alegria verdadeira, que prostra o Faraó e ergue os hebreus, que une de novo ao céu a terra inteira, pondo na treva humana a luz de Deus!
Nosso povo com uma fé simples canta nesta noite: Cristo ressuscitou Aleluia venceu a morte com amor! Este canto retrata o sentido da Pascoa: Cristo venceu a morte, por sua morte a morte vi seu fim. Já brilhou para nós a salvação: oh morte onde está tua vitória? Quem poderá fazer frente àqueles que foram redimidos com tão precioso dom? Não foi mais o sangue de um cabrito, mas o próprio Filho Unigênito, Aquele Era, que É, o Alfa e Ômega, Primogênito dentre os mortes, o Vivente, foi ele quem nos reconciliou com Deus. Ele é o pontífice que nos une ao divino Pai das Misericórdias, o Eterno Sacerdote. A ele a honra, a glória, o louvor pelos séculos dos séculos.
Esta é a vigília das vigílias, a noite que assistiu a libertação da morte e de todo pecado no qual os filhos de Deus eram subjugados. Ela assistiu emocionada a ressurreição de Jesus, o Cristo. Hoje é uma Noite estupenda. Não há outra, como esta; não poderá haver neste mundo! Esta Noite santíssima resume e encerra em si, como num ventre fecundo, todas as outras noites. Recordando a pascoa antiga, em que os filhos de Israel foram libertados das mãos do Faraó rei do Egito, o povo da nova e eterna aliança vive em lagrimas e gritos jubilosos a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte. Esta libertação não atingiu apenas o antigo Israel, mas a todos que esperam no Senhor Jesus. Por sua morte a morte viu seu fim, no sangue derramado do Cristo a vida renasceu. Não temeremos mais a morte e a dor, pois Jesus de Nazaré está vivo, ele Ressuscitou!
Vede: hoje, nesta Noite, quando tudo era trevas, Deus disse: “Faça-se a luz!” e a luz se fez (cf. Gn 1,3)! Hoje, quando Isaac estava para entrar na noite da morte, pois nosso Pai Abraão tinha decidido sacrificá-lo a Deus, a luz brilhou e o Senhor disse: “Abraão, não estendas a mão contra o teu filho!” E Isaac viu a luz da vida (cf. Gn 22,12)! Ainda hoje, nesta Noite, Deus, com braço estendido, fez o seu povo atravessar o Mar Vermelho e deixar a escravidão de Faraó, no Egito (cf. Ex 14,1-31). Foi também hoje, nesta noite bendita – nesta mesma Noite! –, que o Pai, derramou seu Espírito Santo sobre o nosso Senhor Jesus que estava morto e o arrancou das trevas da morte, fazendo-o passar para a luz da plenitude da vida. Finalmente, numa noite como esta, num hoje como hoje, no meio da noite deste mundo, em plena escuridão da história, o Pai enviará o Cristo ressuscitado, pleno de glória, e brilhará, no meio da noite deste mundo, o dia eterno, da glória eterna, na plenitude do Reino! E já não haverá mais noite e o Cordeiro imolado e ressuscitado será nosso sol, nosso dia eterno (cf. Ap 22,5)!
             Irmãos amados, todas estas noites que se transformam em dia de luz fulgurante, se resumem e estão presentes misteriosamente nesta Noite de Páscoa! Porque nesta Noite Cristo ressuscitou, todas as noites da história da salvação e todas as noites deste mundo, e todas as noites da nossa vida e do nosso coração, são transformadas em Dia pleno, Dia triunfante, Dia resplendente de glória! Oh noite de alegria verdadeira, que enche o céu e a terra com a glória de Deus.
Todavia, muitos ainda estão procurando pelo morto na sepultura. Ainda desconfiam de sua ressurreição. Talvez penseim que o mundo de violência, fome, guerra e injustiças tenha vencido o Deus da vida. Mas eles se enganam! Deus ressuscitou e está vivo em cada coração que O aceita e segue seus passos. Ele está presente em cada gesto de amor, fraternidade, paz e justiça. Ele vive em cada Eucaristia celebrada, em cada membro batizado que abraça a fé. Cristo venceu o maligno tentador que aprisionava o coração humano. Não temeremos mais a morte porque em Cristo somos mais que vencedores. Mas porque ainda existem tantos sinais de morte? A resposta está em cada um de nós. Jesus está vivo, porém,  espera que cada um de nós O aceite como seu Senhor e guia. Ele não quer forçar pelo poder, nem pela violência; ele deseja que livremente o homem O aceite com seu Deus e Senhor.
Irmãos, Cristo ressuscitou! O sepulcro está vazio! Irmãos, Cristo, nosso Caminho, abriu-nos o caminho da vida! Vivamos a vida nova, porque agora nossa vida tem rumo, sentido e plenitude: na treva humana brilhou em Cristo a luz de Deus! Feliz Páscoa, Cristo ressuscitou, Aleluia!

Pe. Fantico Borges, CM

sexta-feira, 30 de março de 2018

Homília do Pe. Fantico Borges, CM – Sexta-feira da paixão do Senhor.


Homília do Pe. Fantico Borges, CM – Sexta-feira da paixão do Senhor.

Adoremos a Santa Cruz de nosso Senhor Jesus Cristo.  

A liturgia desta sexta-feira Santa é rica e dramática em todas as suas expressões. Uma das pessoas da Santíssima trindade morreu por sua criatura. Deus-Filho morreu por nós pecadores. Por nossa culpa, por nossos pecados Deus experimentou a morte. Nossa desobediência fez cair sobre Deus Filho a mortalidade que sobreveio por consequência de nossos pecados.
Deus que nos criou para seu amor, para vivermos em relação de justiça e santidade com ele, não permitiu que ficássemos abandonados, entregue ao poder do maligno. Por isso, Jesus se encarnou e demonstrou quem é o homem diante de Deus e o que o pecado provocou no ser humano. Na narrativa da Paixão, escutamos pela boca de Pilatos, após o flagelo que Jesus enfrentou com os guardas romanos, a expressão emblemática: “Et Homo”, ou seja, eis o homem! Este homem flagelado, chagado, feridos, cuspidos, esbofeteados, ensanguentado, sem aparência humano, sem beleza alguma é a imagem real do homem decaído! É assim que ficamos depois do pecado original. Esta imagem é o resultado do pecado na pessoa humano. O fruto do pecado é a desconfiguração do homem como Imago Dei. O pecado tornou o ser humano sem aparência divina, chagado em sua alma, sem referência com seu artífice. E mesmo assim aos gritos o povo exclama: Crucifica-o! Crucifica-o! Veja como o pecado nos cega! Ficamos insensíveis diante da dor alheia. A crueldade que levou Jesus a cruz é a mesma que continua levando muitos de nossos irmãos e irmãs à morte. Hoje não tem mais a cruz de madeira, mas a violência das drogas, das armas, da corrupção política, econômica e social. O pecado ainda nos pesa na alma.  
Diferentemente do maligno que não quer nosso bem Deus continua a nos amar. O Senhor nunca desiste de nós. Mesmo que para isso Ele tenha que enfrentar a humilhação da Cruz e o escândalo da morte. Neste sentido, Jesus é o modelo perfeito de homem que na obediência incondicional a Deus realiza em tudo a vontade divina. Assim Jesus é a mais plena imagem do ser humano pensado por Deus.
A Paixão de Cristo é o ápice da manifestação da paixão de Deus pela humanidade. Deus morre na Cruz pela humanidade pecadora. Oh doce lenho que sobre si sustem o Amado de nossa alma. Que mistério glorioso: um Deus que se esvazia para fazer viver a sua criatura.
O Filho eterno, o Filho que viveu sempre na intimidade do Pai, o Filho infinitamente amado pelo Pai, aprendeu no seu caminho neste mundo, aprendeu a descobrir, cada dia, a vontade do seu Pai e a ela obedecer! Mais ainda: esta obediência lhe custou lágrimas, fê-lo sofrer! Toda a existência do Senhor Jesus foi uma total dedicação ao Pai, uma absoluta entrega, no dia a dia, nas pequenas coisas... Jesus foi procurando e descobrindo a vontade do Pai nos acontecimentos, nas pessoas, nas Escrituras... e, pouco a pouco, foi percebendo que esta vontade ia levá-lo à cruz. E ele, nosso Salvador, “com forte clamor e lágrimas”, foi se entregando, se esvaziando, se abandonando... É impressionante pensarmos, mas toda a vida do Filho de Deus neste mundo foi uma busca pobre e obediente da vontade do Pai, entre clamor e lágrimas.
A agonia no Horto já exprime sua situação dramática: “Abba! Ó Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém não o que eu quero, mas o que tu queres!” (Mc 14,36). Para o Senhor, como para nós, a vontade do Pai tantas vezes pareceu enigmática, e ele teve que discerni-la e descobri-la entre trevas densas e dolorosas! Mas, ao fim, como é comovente a entrega total do Cristo: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito!” (Lc 23,46).
Como não ficar extasiado com esse homem-Deus que ensinou como homem o que devemos fazer para alcançarmos a Deus.  Adorar a cruz é encontrar em Cristo um caminho seguro para nossa salvação. Seguir os passos do senhor e fazer em tudo a vontade de Deus. Peçamos a Jesus que nos que caminhe conosco nesta via-cruzes da vida em jamais duvidar do Poder da justiça divina que nunca nos desampara. Bendita e louvada seja a paixão do Redentor, que por nós sofreu o martírio, morreu por nosso amor!

Pe. Fantico Borges, CM

sábado, 24 de março de 2018

Homilia do Pe. Fantico Borges, CM – Domingo de Ramos – Ano B


Homilia do Pe. Fantico Borges, CM   – Domingo de Ramos – Ano B

A glória de Jesus é fidelidade na Paixão

Com a solene procissão de Ramos e a Paixão de Jesus Cristo a Igreja abre a Semana Santa. O tempo mais intenso na fé da comunidade cristã. No Evangelho (Mc 15, 1-39) vemos que o cortejo organizou-se rapidamente. Jesus faz a sua entrada em Jerusalém, como Messias, montado num burrinho, conforme havia sido profetizado muitos séculos antes (Zac. 9,9). Jesus aceita a homenagem, e quando os fariseus, que também conheciam as profecias, tentaram sufocar aquelas manifestações de fé e alegria, o Senhor disse-lhes: “Eu vos digo, se eles se calarem, as pedras gritarão.” (Lc 19, 40).
Novamente encontramos Jesus quer também entrar triunfante na vida dos homens e mulheres de hoje, não ornado num altar de ouro, nem sentado num trono de riqueza, mas numa montaria humilde, com a simplicidade de um Deus que se fez homem e assumiu nossas dores; que pelo seu sofrimento já não tinha nem aspecto humano.
O senhor carregou sobre seus ombros a cruz que pesava sobre nossas cabeças. Ele preferiu sofrer para não ver sua criação perdida. Por isso, “quem ama os preceitos do Senhor, sujeita com cravos a própria carne, sabendo que, quando seu homem velho estiver com Cristo crucificado na cruz, destruirá a luxúria da carne. Sujeita-a, pois, com cravos e terás destruindo os incentivos ao pecado. Existe um cravo espiritual capaz de sujeitar essa tua carne ao patíbulo da cruz do senhor. Que o temor do Senhor e de seus juízos crucifique esta carne, reduzindo-a à servidão. Porque se essa carne rejeita os cravos do temor do Senhor, indiscutivelmente terá de ouvir: ‘ meu sopro não durará para sempre no homem, visto que é carne.’ Portanto, a menos que esta carne seja cravada à cruz, e se lhe sujeite com os cravos do temor do Senhor nosso, o sopro de Deus não perdurará no homem”  (Santo Ambrósio, comentário ao salmo 118).
No quadro da Paixão de Cristo é preciso vislumbrar nossas paixões diárias. Ninguém nasceu para sofrer, mas a dor nos fez crescer e enxergar o mundo com um olhar mais humilde, simples e limitado. Na Carta Apostólica Salvifici Doloris, o Papa São João Paulo II exortava para a descoberta do sentido salvífico do sofrimento. “O sofrimento humano atingiu o seu vértice na paixão de Cristo; e, ao mesmo tempo, revestiu-se de uma dimensão completamente nova e entrou numa ordem nova: ele foi associado ao amor, àquele amor que cria o bem, tirando-o mesmo do mal, tirando-o por meio do sofrimento, tal como o bem supremo da Redenção do mundo foi tirado na Cruz de Cristo e nela encontra perenemente o seu princípio”. Sempre será um mistério para todos nós tirar do eminente fracasso de uma cruz, uma palavra de Deus para nos animar a caminhar. Carecemos muito de uma visão teológica de nossas vidas. Às vezes, os afazeres da vida contemporânea, a correria diária não deixa tempo para ler o que Deus quis dizer nos acontecimentos dos nossos dias. É preciso parar e olhar a Cruz de Cristo e dizer por Ele sofreu? Porque é também tenho que sofre? O silêncio da Cruz não é ausência de respostar, mas do silêncio da Cruz nasce da vitória.

Novamente Jesus quer fazer-se presente em nós através das circunstâncias do viver humano. Naquele cortejo triunfal, quando Jesus vê a cidade de Jerusalém, chora! Jesus vê como Jerusalém se afunda no pecado, na ignorância e na cegueira. O Senhor vê como virão outros dias que já não serão como estes, um dia de alegria e de salvação, mas de desgraça e ruína. Poucos anos depois a cidade será arrasada. Jesus chora a impenitência de Jerusalém. Como são eloquentes estas lágrimas de Cristo. O Concílio Vaticano II, GS nº 22, diz: “De certo modo, o próprio Filho de Deus se uniu a cada homem pela sua Encarnação. Trabalhou com mãos humanas, pensou com mente humana, amou com coração de homem. Nascido de Maria Virgem fez-se verdadeiramente um de nós, igual a nós em tudo menos no pecado. Cordeiro inocente, mereceu-nos a vida derramando livremente o seu sangue, e n’Ele o próprio Deus nos reconciliou consigo e entre nós mesmos e nos arrancou da escravidão do demônio e do pecado, e assim cada um de nós pode dizer com o Apóstolo: “Ele me amou e se entregou por mim (Gal. 2,20)”.
A história de cada homem é a história da contínua solicitude de Deus para com ele. Cada homem é objeto da predileção do Senhor. Jesus tentou tudo com Jerusalém, e a cidade não quis abrir as portas à misericórdia. É o profundo mistério da liberdade humana, que tem a triste possibilidade de rejeitar a graça divina. Como é que estamos correspondendo às inúmeras instâncias do Espírito Santo para que sejamos santos no meio das nossas tarefas, no nosso ambiente? Quantas vezes em cada dia dizemos sim a Deus e não ao egoísmo à preguiça, a tudo o que significa falta de amor, mesmo em pormenores insignificantes? A entrada triunfal de Jesus foi bastante efêmera para muitos. Os ramos verdes murcharam rapidamente. O hosana entusiástico transformou-se, cinco dias mais tarde, num grito furioso: Crucifica-o! Por que foi tão brusca a mudança, por que tanta inconsistência? São Bernardo comenta: “Como eram diferentes umas vozes e outras! Fora, fora, crucifica-o e bendito o que vem em nome do Senhor, Hosana nas alturas! Como são diferentes as vozes que agora o aclamam Rei de Israel e dentro de poucos dias dirão: Não temos outro rei além de César! Como são diferentes os ramos verdes e a Cruz, as flores e os espinhos! Àquele a quem antes estendiam as próprias vestes, dali a pouco o despojam das suas e lançam a sorte sobres elas.”
Essas cenas da liturgia da palavra de hoje da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém e dos gritos enlouquecidos da multidão pedindo sua crucificação pede-nos coerência e perseverança, aprofundamento da nossa fidelidade, para que os nossos propósitos não sejam luz que brilha momentaneamente e logo se apaga. Dentro do nosso coração, há profundos contrastes: somos capazes do melhor gesto para alguns e do pior para outros. Se queremos ter em nós a vida divina, triunfar com Cristo, temos de ser constantes e matar pela penitência o que nos afasta de Deus e nos impede de acompanhar o Senhor até a Cruz.
Que esta semana santa que iniciamos seja repleta de reflexões e desejo de conversão. Peça a Deus que esta semana santa de 2018 seja diferente. Renuncie os passeios, as redes de balanço, as casas de praias, as piscinas refrescantes, aos banquetes regados a vinhos e peixe. Estes dias, e especialmente na sexta, são dias de rezar com Cristo sua Paixão, que é nossa também. Participe de todos os atos do tríduo pascal em sua Paróquia ou comunidade. Deus te livre que na hora da agonia de Jesus você esteja numa rede ou numa cama dormindo, ou bebendo aquele vinho. Deus te livre dessa infâmia. Nosso Senhor te espera na sua Paixão!

Pe. Fantico Borges, CM




sábado, 10 de março de 2018

Homilia do Padre Fantico Borges no IV Domingo da Quaresma – Ano B


Homilia do Padre Fantico Borges no IV Domingo da Quaresma – Ano B

A Misericórdia  de Deus diante do ser humano!
Na liturgia deste domingo o Senhor nos chama a escuta da Palavra de Deus; a prestar atenção aos enviados do Senhor que anunciam o desejo de divino para vida humana. A infidelidade do Povo em não ouvir o apelo de Deus por conversão e nem seguir seus ensinamentos gera a morte, ou seja, o exílio da nação de Israel. Viver nos seguimentos de Deus requer uma existência capaz de abraçar a vontade do Senhor como caminho de salvação.
Ao mesmo tempo, porém, que o povo é infiel, Deus permanece fiel com sua promessa. Enquanto nossa infidelidade gera morte a misericórdia do Senhor abre caminhos para reconstruir pela reconciliação a relação rompida com o pecado.
A Quaresma converte-se neste tempo em que o Senhor nos chama através da Igreja a refazer os caminhos da vida. Quantas vezes a Igreja como enviada de Deus já não alertou a cada um de nós acerca de nossos maus procedimentos? E o que fizemos?... É incontável a misericórdia divina porque ao invés de escutar a Deus, nós o negamos com nossos maus comportamentos. E o que faz Deus? Envia-nos seu Filho para todo que n'Ele tenham a vida eterna. Dizia São João Crisóstomo: "Existe algo que possa comparar-se com tão magnífica bondade? Pois ultrajado pessoalmente como pagamento por seus inúmeros benefícios, não só não assumiu represálias, mas também nos entregou seu Filho para reconciliar-nos com Ele" (IN. São João Crisóstomo. Comentário às cartas de São Paulo aos Efecios).  Deus deu-nos seu Filho sem pecado para morrer por nós quando ainda éramos seus inimigos. Diz novamente São João Crisóstomo: que "Ao que não tinha pecado, disse, Deus o fez expiar os nossos pecados. Mesmo que Cristo não tivesse feito nada mais além de tornar-se homem, pensa, por favor, quão agradecidos a Deus deveríamos estar por ter entregado seu Filho pela salvação daqueles que lhe cobriam de injurias. Mas a verdade é que Ele fez muito mais, e, como se fosse pouco, ainda permitiu que o ofendido fosse crucificado pelos ofensores".(IN. São João Crisóstomo. Comentário às cartas de São Paulo aos Efecios).
Viver segundo a misericórdia de Deus é adaptar a nossa maneira de pensar, querer, sentir e agir à maneira de Jesus, pois ele é a misericórdia de Deus plenamente manifestada. “Na verdade, só gozaremos da honra de sua glória se descobriremos em nós a misericórdia e a verdade. Por meio delas o Salvador chegou até àquele que ele queria salvar, por elas, os redimidos devem se elevar até o Salvador, de maneira que a misericórdia de Deus nos torna misericordiosos e sua verdade nos torna verdadeiros.” (VII Sermão sobre a Quaresma de São Leão Magno). Não nos esqueçamos de que no cristianismo, a verdade não é simplesmente um argumento, a verdade é uma pessoa: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Como também a misericórdia não é um sentimentalismo, mas a forma de agir de Deus.  Viver conforme a verdade  e a misericórdia de Deus é pensar a própria vida segundo o plano de Deus que se manifestou plenamente em Jesus Cristo.
Mas, como sabemos e experimentamos, não basta saber essas coisas, é preciso lutar para propor-se seriamente o seguimento de Jesus Misericórdia e Verdade. O ambiente no qual nos movemos oferece muitas atrações que não nos conduzem a fonte da graça. O pecado frequentemente se assemelha a uma maçã que, estando podre por dentro, apresenta-se com belíssimo aspecto, bem atraente aos sentidos. O que fazer? Pedir a Deus a luz da fé e do entendimento para julgar tudo sobre o auspicio do olhar profundo de Jesus, que vê além das aparências.
Nós cristãos temos que ter consciente de que sem a luz da fé na inteligência e sem a caridade na vontade, não faremos o bem que almejamos. Ninguém pode mover-se sobrenaturalmente sem a graça de Deus. É impossível! A nossa natureza, depois do pecado original, ficou estragada (não totalmente), posteriormente foi resgatada, e, contudo, nela permanece a ignorância e a concupiscência. Essas duas realidades são as que obscurecem a nossa inteligência e debilitam a nossa vontade. A fé vem para curar a ignorância e o amor de Deus vem para dar força à nossa vontade.
Peçamos a Maria discípula fiel e atenta, que viveu a misericórdia no caminho da cruz de Jesus, a coragem de buscarmos nossa conversão pessoal e estrutural no dia a dia de nossa caminhada quaresmal; e nunca esquecer que este pouquíssimo tempo da quaresma não basta para lutarmos contra o mal que mora em nós. É preciso estar sempre sóbrios e vigilantes!  

Pe. Fantico Borges, CM    


sábado, 3 de março de 2018

Homilia do Pe. Fantico Borges CM – III Domingo da Quaresma – Ano B


Homilia do Pe. Fantico Borges CM – III Domingo da Quaresma – Ano B

Jesus quer purificar-nos!
A quaresma é um tempo de purificação, onde Deus nos convida a mudar de vida. Para isso, os mandamentos, a vivência moral da ética cristã.  Ensina São Leão Magno que  “A Quaresma é tempo de limpar e enfeitar a casa por dentro. Convém que vivamos sempre de modo sábio e santo, dirigindo nossa vontade e nossas ações para aquilo que sabemos agradar a Deus.”  Como acontece verdadeira e autêntica renovação se não se passa por uma corajosa revisão da própria vida moral e da própria vida litúrgica; com palavras mais simples, dos próprios costumes e da própria oração pessoal?
A liturgia do terceiro domingo nos apresenta o Decálogo, a lei do Antigo Israel que regia toda a vida social e religiosa do povo. Não pronunciarás o nome do Senhor Teu Deus em vão; lembra-te de santificar o dia de sábado; honra teu pai e tua mãe; não matarás; não cometerás adultério; não furtarás; não levantarás falso testemunho; não cobiçarás as coisas do teu próximo; não desejarás a mulher do teu próximo. Estes dez mandamentos formam a base da vida moral, antes do povo hebreu e depois do povo cristão. Não contém toda a lei; sua forma negativa (“não fazer”) indica que se trata de alguns limites que determina um âmbito moral, antes que descrevê-lo positivamente; dentro devem ser colocados “toda a lei e os profetas” e de maneira especial o mandamento do amor que os resume a todos (Mt 22,40). É precisamente este caráter “negativo” que assegura aos dez mandamentos sua perene e imutável atualidade.
No início, eles não são percebidos nem mesmo como lei, mas como evento: o povo entra na aliança com Deus e os mandamentos são um sinal de sua pertença ao Senhor; são a proclamação de seu caráter de povo eleito, diferente de todos, isto é, santo.
O Decálogo é uma escolha de vida que Deus propõe ao homem: Olha que hoje ponho diante de ti a vida com o bem, e a morte com o mal; observam seus mandamentos, suas leis e seus preceitos [...] para que vivas e te multipliques [...] se não obedecerdes e se te deixares seduzir eu te declaro neste dia: perecereis (Dt 30,15 ss). O Decálogo é para o homem, não contra ele; não quer amarrar ou limitar sua liberdade, mas antes soltá-la.
Os mandamentos estão colocados aí para que o homem tenha vida com Deus e com os outros homens. Jesus não expulsou do templo os vendedores e comerciantes porque estava querendo moralizar a religião, mas porque a religião já não mais servia para construir relações com o divino nem o humano. O templo, a Igreja na qual Jesus vai reconstruir em três dias é o seu corpo místico, no qual todos são chamados a entrar. Zelar pela casa de Deus aqui é em primeiro lugar zelar pela vida. Eis a nossa missão primordial: zelar pela vida de todos, sobretudo daqueles cuja vida corre perigo ou está ameaçada.
Quem não tem zelo pelas coisas de Deus e coloca outras coisas ou pessoas no lugar de Deus, desrespeita não apenas a Deus, mas ao próximo, pois quem não tem Deus e não O respeita dificilmente respeitará seus semelhantes. Por isso, não colocar nada e ninguém acima de Deus na vida não é apenas uma ato de fé, mas um gesto de respeito criatural.    
 Jesus deseja que tenhamos uma relação com Deus que ultrapasse a mera preceituação ritualistas e alcance o ápice da intimidade. Sua atitude no Evangelho de hoje mais que estimular a violência quer deixar claro que Deus não se agrada de cultos exteriores e sim que anela nossa adesão sincera. Segundo Santo Agostinho no Comentário aos salmos, Jesus age por meio da santa ira, movido pelo zelo das almas que encontro no templo de pedra um sinal da presença constante de Deus. O templo de Israel era apenas sinal escatológico do Cristo Templo vivo de Deus. " Em nível de imagem, o Senhor expulsa do templo aos que no templo buscavam seu próprio interesse, ou seja, os que iam ao templo para comprar e vender. Agora, se aquele templo era uma imagem, é evidente que também no corpo de Cristo - que é o verdadeiro templo no qual o outro era uma imagem - existe uma miscelânea de compradores e vendedores, isto é, gente que busca seu interesse, e não o de Jesus Cristo. E visto que os homens são açoitados pelos seus próprios pecados, o Senhor fez um açoite de cordas e expulsou do templos a todos os que buscavam seus interesses, e não o de Jesus Cristo." Jesus com esse gesto conclama a pureza de espírito que deve ter quem se aproxima de Cristo.    
O gesto ousado de Cristo não é apenas zelo de purificação do templo. As ofertas para os sacrifícios faziam girar muito dinheiro e provocavam abusos e exploração. “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (Jo 2, 16). As relações do homem com Deus, e também para com o próximo, têm que ser orientadas pela retidão, pela sinceridade; pode acontecer que, no culto divino ou na observância de determinado preceito do Decálogo (os Dez Mandamentos) se preste maior atenção ao aspecto externo legalista, do que ao interno e, assim, poderá chegar-se, pouco ou muito, à profanação do templo, da religião. São João afirma que Jesus purificou o templo, expulsando dele os vendedores com as suas mercadorias, quando já estava próxima a “Páscoa dos Judeus”.
A Igreja, durante a quaresma, caminhando para a Páscoa, parece repetir o gesto de Jesus, convidando os cristãos à purificação do templo do seu coração para que possam prestar a Deus um culto mais purificado. Jesus falou de outro templo, infinitamente digno, “o Templo do Seu Corpo” (Jo 2, 21), ao qual fazia alusão quando dizia: “Destruí este Templo, e em três dias Eu o levantarei” (Jo 2,19). Assim, o Senhor identifica o Templo de Jerusalém com Seu próprio Corpo, e deste modo refere-se a uma das verdades mais profundas sobre Si mesmo: a Encarnação. Depois da Ascensão do Senhor aos Céus essa presença real e especialíssima de Deus, no meio dos homens, continua no sacramento da Eucaristia.
Como todo ato de renovação e purificação é um gesto de entrega, não se faz isso sem sacrifícios e dor.  Não é possível seguir o Senhor sem a Cruz. Carregar a cruz, aceitar a dor e as contrariedades que Deus permite para a nossa purificação, cumprir com esforço os deveres próprios, assumir voluntariamente a mortificação cristã é condição indispensável para seguir o Mestre. “Que seria de um Evangelho, de um cristianismo sem Cruz, sem dor, sem o sacrifício da dor?, perguntava-se o Papa Paulo VI. Seria um Evangelho, um cristianismo sem Redenção, sem Salvação, da qual temos necessidade absoluta. O Senhor salvou-nos por meio da Cruz; com sua morte, devolveu-nos a esperança, por meio da Cruz; com sua morte devolveu-nos a esperança o direito à Vida”. Diz São Leão Magno que seria um cristianismo desvirtuado que não serviria para alcançar o Céu, pois “o mundo não pode salvar-se senão por meio da Cruz de Cristo.”

Pe. Fantico Borges, CM



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Homilia do XVIII Domingo do Tempo Comum (Ano C) Um homem vem a Jesus pedindo que diga ao irmão que reparta consigo a herança. Depois ...